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Sodoma: operação que fez ruir esquema de corrupção liderado por Silval completa um ano

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Há exatamente um ano, 15 de setembro de 2015, a Delegacia Fazendária (Defaz) e o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (CIRA), realizavam a maior ação policial já registrada em Mato Grosso: a “Operação Sodoma”. Parecia uma terça-feira simples, Silval Barbosa participaria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos incentivos fiscais na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Estranhamente, ele não foi. E desapareceu. A partir daquele dia, o Estado veria algo antes inimaginável: a prisão de um ex-chefe de Estado e de boa parte de sua equipe por corrupção ativa, concussão, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro.

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Foram presos naquele dia o ex-secretário de Fazenda, Marcel Souza de Cursi e o ex-chefe da Casa Civil, Pedro Jamil Nadaf. Dois dias depois (17) a policia encontraria Silval. Estava escondido. Temia ser preso. Decidiu se apresentar e foi preso na sede do Corpo de Bombeiros. De lá, foi levado para o CCC, de onde não mais saiu. Exceto quando encaminhado para prestar depoimento a uma figura que passaria a ser conhecida pela população, a juíza da Sétima Vara Criminal, Selma Rosane Arruda.

No dia 22 de setembro, os investigadores ofereceram denuncia. Outros nomes vieram à tona: do ex-procurador do Estado, Francisco Andrade de Lima Filho (vulgo “Chico Lima”), do ex-chefe de gabinete de Silval Barbosa, Silvio César Corrêa Araújo e da secretária de Pedro Nadaf, Karla Cecília de Oliveira Cintra.

Cada qual com suas tarefas bem designadas, explorando as potencialidades delituosas de cada um, resumia o Ministério Público Estadual (MPE): tratava-se de uma organização criminosa instalada no seio do Estado.

Em linhas gerais, a investigação revelava que a antiga Secretaria de Estado da Indústria e Comércio, Minas e Energia (Sicme) concedia incentivos fiscais irregulares para algumas empresas, via Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Prodeic). O intuito da irregularidade seria “jogar” com os empresários para obter dinheiro ilícito. Propina.

A “bomba explodiu” com o empresário João Batista Rosa, que decidiu entregar o caso para a justiça e revelar que sua empresa, Tractor Parts, participou do “jogo” e pagou R$ 2,6 milhões. Embora, no fim das contas, tivesse obtido um bom lucro, João Rosa passaria a ser considerado vítima, para a revolta de alguns advogados.

Desde então, um ex-governador do Estado levaria nas costas a alcunha de líder de organização criminosa. Por conta do poderio que o cargo lhe dava, seria ele o responsável por delegar aos demais membros a execução das ações, a fim de ocultar sua identidade. “Mantinha rigoroso controle dos demais integrantes, que ocupavam cargos do alto staff do governo, ao passo que com outros possuíam estreita ligação de confiança”, consta da denuncia.

Já “Marcel Souza de Cursi era o mentor intelectual das artimanhas tributárias” e “Pedro Jamil Nadaf realizava o controle criminoso da concessão do benefício fiscal do Prodeic”, explica o MPE.

Ainda, cabia a “Chico Lima”, na qualidade de procurador do Estado, assinar pareceres falsos em favor das empresas envolvidas no esquema e a Silvio César Correa Araújo realizar as demandas internas de Silval Barbosa, mantendo contato com empresários e com os demais membros da organização. Karla Cecília, por sua vez, fazia os serviços para Pedro Jamil Nadaf, como saques e pagamentos com dinheiro ilegal.

Outra "Bomba":

Em 11 de março deste ano, estoura a “Operação Sodoma 2”. Muito além de organização criminosa, corrupção e concussão, o grupo agora tentava lavar o dinheiro ilegalmente obtido. Investigadores descobrem um processo de compra não concluído, no valor de R$ 13 milhões, de um terreno na Avenida Beira Rio, próxima a casa de shows Musiva. O pagamento teria sido quitado com cheques provenientes de propina dados por empresas para manutenção de seus contratos com o Estado.

Novos nomes surgem à trama: como do ex-secretário de Administração, César Roberto Zílio. De acordo com o MPE, ele teria usado o nome do pai, já falecido e do arquiteto José Costa Marques como “laranjas” na transação.

Dentre as empresas a fornecer propinas para o Estado estariam a Consignum, a Editora de Liz LTDA ME, EGP da Silva ME, Webtech Softwares e Serviços LTDA EPP. A primeira, de propriedade de Willians Paulo Mischur, se destacaria: pagou por alguns anos R$ 500 mil ao mês para a organização criminosa e revela ter vivido tempos de "terror" e "pressão psicológica". "Eles sempre queriam mais (propinas), mais e mais...".

Também foi denunciado Pedro Elias Domingos, quem assumiria o papel de César Zílio no esquema, e o ex-prefeito de Várzea Grande, Wallace dos Santos Guimarães, que teria levado empresas gráficas ao Palácio para efetuação de contratos fraudulentos, mediante pagamento de R$ 1 milhão para Silval Barbosa.

Ainda, o coronel da Polícia Militar, José Jesus Nunes Cordeiro, apontado como braço forte de Silval, quem realizaria as ameaças necessárias para manutenção do esquema e Rodrigo da Cunha Barbosa, filho de Silval, que, por ser filho dele, segundo delatores, recebia propinas da Webtech e exercia poder sobre o secretário Pedro Elias. Rodrigo da Cunha Barbosa foi preso, não viu seu filho nascer, mas viu cerca de R$ 528 mil saindo de suas contas para o pagamento da fiança.

Também foi denunciada uma figura bastante conhecida por outras operações policiais, o ex-deputado José Geraldo Riva. Nesta denuncia, consta que ele teria tentado instalar outra empresa no lugar da Consignum. Uma que pudesse sustentar pagamentos de propinas ainda mais vultosos. Com ele também teriam atuado Tiago Vieira de Souza. Ainda, foram denunciados Fábio Drummond Formiga, Bruno Sampaio Saldanha, Antonio Roni de Liz e Evandro Gustavo Pontes da Silva.

Por conta disto tudo, talvez não houvesse expressão melhor para o MPE: foi uma Sodoma, uma farra, uma orgia com o dinheiro público. Quem se lambuzou e se arrependeu, delatou. Quem tentou negar até o fim e se rendeu, confessou e quem não assume, segue negando.

Os ex-secretários da SAD, César Roberto Zílio e Pedro Elias Domingues, por exemplo, se entregaram, realizaram acordo de delação premiada com o MPE, choraram, prometeram ressarcir ao erário e a entregar tudo o que sabiam: foram soltos.

Pedro Jamil Nadaf negou os fatos por cerca de um ano, mas desistiu. Solicitou novo interrogatório e olhando nos olhos da juíza Selma, confessou: “Fiz parte de uma organização criminosa que roubou os cofres públicos”. Poucos dias depois, foi solto.

Ainda restam no Centro de Custódia de Cuiabá o ex-secretário Marcel Souza de Cursi, Silval da Cunha Barbosa, José Jesus Nunes Cordeiro e Silvio César Correa Araújo.
 
O "solitário aniversariante":


* Marcel de Cursi preso no Centro de Custódia da Capital.

Ironicamente, de todos os denunciados, aquele apontado como o mais inteligente do grupo é o que está preso há mais tempo. Marcel de Cursi jura inocência, diz que foi “preso por trabalhar” e que está “estarrecido com as declarações de Pedro Nadaf, César Zílio e Pedro Elias", afinal, não existiu organização criminosa.

Embora seus interrogatórios sejam sempre, como declarou a própria juíza Selma Arruda, “uma verdadeira aula de direito tributário” e que goze de aparente genialidade, mostra-se infeliz. "Fui destruído como pessoa. Não existo mais como profissional". Fitando o passado, mostra-se perplexo com o destino: “estive o tempo todo lutando para construir a moralidade".

Hoje, está nas mãos da juíza Selma Arruda colocar Cursi em liberdade, após um pedido de soltura feito em juízo durante seu interrogatório. Ele ainda não foi julgado. Na cela, pouco fala. Quem registra essa impressão é seu ex-colega de presídio, José Riva. "Marcel De Cursi tem um dos maiores QI do Estado”, diz e como quem olha para um enigma, reflete... “Realmente não sei quem é o Marcel”.

As ações penais oriundas da “Operação Sodoma 1” e da “Sodoma 2” já tiveram suas fases de instrução e julgamento concluídas e logo passarão para fase de execução, onde serão proferidas as sentenças.

Enquanto isso, advogados dos réus correm contra o tempo para tentar tirar a juíza Selma Arruda da ação, mediante recurso de exceção de suspeição, quando apontam para a perda de imparcialidade da magistrada em julgar o caso. Se atingirem o objetivo, anulam todo o procedimento realizado até hoje e retornamos para o dia 15 de setembro de 2015, quando tudo começou.
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