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Pedidos de recuperação judicial diminuem 42% em Cuiabá e número pode ser sinal positivo para economia

Da Redação - Lázaro Thor Borges

O juiz Cláudio Roberto Zeni Guimarães senta-se sobre uma mesa abarrotada de calhamaços. Retira alguns papéis e encosta o braço sobre a plataforma: “Tem umas situações aqui dentro que elas são diferentes de uma vara normal”, confessa o magistrado. Apesar do volume de trabalho intenso, a 1º Vara da Comarca de Cuiabá, responsável pelos processos de recuperação judicial e falências, passa por dias muito mais pacatos do que aqueles vividos há dois anos.

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De 2015 para 2016 o número de pedidos de recuperação judicial reduziu 42%, conforme dados levantados pelos dois juízes titulares da vara com exclusividade par o Olhar Jurídico.  Em 2015, quando Zeni assumiu os trabalhos frente depois do afastamento do juiz anterior, a crise econômica no Brasil começava a engatinhar. Na época, foram 28 recuperações judiciais distribuídas e cerca de 10 planos homologados. No ano seguinte, foram 16 recuperações distribuídas e outras e sete homologados.

“O volume gigantesco de ações fugiram da média principalmente em 2015. E aquele ano não era 'aquela' crise. A gente trabalha muito aqui dentro com economista, contador, administrador e eles têm essa visão”, conta o juiz.

Os dados levantados pelo magistrado antes de uma entrevista especial ainda não permitem quantificar a diferença dos dois últimos anos em realção a 2017, mas até o momento uma única empresa deu entrada com pedido de recuperação, o que também pode ser um sinal de melhora no desempenho das empresas cuiabanas. 

Além de Zeni, a comarca cuiabana de recuperação e falência também conta com a juíza Anglizey Solivan de Oliveira. Os dois são responsáveis por 101 processos em tramitação. O trabalho é profundamente específico e a tarefa é tão judicial quanto econômica: fiscalizar o cumprimento da lei para uma recuperação justa, que promova a sanidade da empresa para que ela volte a produzir emprego e renda.

Leia abaixo a entrevista completa: 

Olhar JurídicoDá para falar, do ponto de vista jurídico, sobre uma provável melhora na situação econômica de Mato Grosso?

Felizmente pelo menos no que se vê nos processos – e eu posso falar de Cuiabá - nosso nível de dificuldade está muito menor do que nos outros Estados. Temos notícias de que teremos uma safra boa e isso evidentemente segura os números para cima. Em termos numéricos já se passou o mês de março com uma recuperação apenas em Cuiabá e somente duas em Várzea Grande, este é um dado que embora não signifique um número absoluto, já é um dado animador.

Principalmente porque nós sabemos que as empresas trabalham em um regime trimestral e no primeiro trimestre acabam não pedindo recuperação, elas esperam resultados e depois se organizam para isso. No primeiro trimestre de 2015 nós vimos que algumas empresas já haviam pedido recuperação. Este ano, no entanto, somente um pedido foi feito até aqui.

Olhar JurídicoExcelência conte um pouco sobre como funciona os trabalhos na 1ª Vara da Comarca de Cuiabá...

Cláudio Zeni - Tem umas situações aqui dentro que elas são diferentes de uma vara normal. Aqui o processo não tem A contra B, aqui não tem nem ‘contra’, aqui tem credor e devedor. E tem muita chicana e a gente tem mais é que ir cortando. A lei é nova e já está em reformulação porque não conseguiu cobrir tudo.

Olhar JurídicoO senhor poderia explicar melhor as diferenças entre recuperação judicial e falência?

Cláudio Zeni - A recuperação judicial é um mecanismo que a lei cria que visa a reestruturação da empresa
quando ela ainda apresenta números que sugerem resultados não tão ruins. Já a falência é a tentativa dentro dessa recuperação quando não se atinge o objetivo, sem pagar os credores como deveria, aí esse processo é transformado em falência. Mas também existe o pedido autônomo de falência, o credor vai até o judiciário e diz que apontou a empresa para protesto e que o valor ainda não foi pago. O processo de falência visa arrecadar todos os bens que a empresa tem e vendê-los para quitar a dívida. A recuperação é o contrário, visa fomentar a empresa e fazer com que elas tem condições melhores para continuar pagando os credores. 

Olhar JurídicoQual o nível de eficiência de um e de outro tipo de ação?

Cláudio Zeni - Sobre isso nós temos índices publicados pelo Serasa e outros institutos. Por exemplo, a capital de São Paulo tem estudos que dizem que chega a se recuperar 70% das empresas. Ou seja, as ações que vão adiante, que passam pela fase inicial, constam dados de que 70% delas se recuperam. Nós temos aqui índices altamente satisfatórios também, a proporção muito maior de planos homologados do que de falência. Porque na prática também não depende só do poder judiciário, depende da atuação e do comprometimento empresário.

Olhar Jurídico – Como funcionam as fases do processo de recuperação?

Cláudio Zeni - Primeiro é preciso entender que existem vários tipos de créditos, ou seja, de dívidas. Tem crédito trabalhista, crédito real e quirografário. O crédito real é aquele que tem garantias e o quirografário é aque não as tem. São os credores, que decidem se optam por homologar o plano de recuperação judicial apresentado pela empresa e, caso contrário, optam pela falência. E esse plano vem para o judiciário, que pode ratificar ou não a decisão da assembléia de credores.

Feito a homologação do plano, o judiciário passa a fiscalizar, por meio da figura do administrador judicial, se a empresa tem cumprido o que foi programado. Se está cumprindo o plano a empresa está apta a trabalhar normalmente, já sem o nome ‘em recuperação judicial’, até que as dívidas sejam completamente quitadas.

O que o judiciário faz é a fiscalização da legalidade da negociação da dívida, porque pode haver ilegalidade, então traz para cá o processo e a gente analisa. O objetivo dentro do conceito da lei é a recuperação levando em conta o aspecto social da empresa, de voltar a gerar emprego e voltar a movimentar a economia.

Olhar Jurídico – Em média, quanto tempo demora tudo isso?

Cláudio Zeni - O pedido de falência se seguir os prazos mais ou menos estipulados dentro da lei não tem porque passar de 6 meses. E na recuperação o prazo médio é de 9 meses, mas existem casos com o tempo maior e casos com o tempo menor. Existem situações em que a tramitação do processo pode chegar a 1 ano e meio. E existem recuperações em que o prazo, após homologado, pode durar até 10 anos. Depende da política e da situação da empresa. Sempre lembrando que é uma situação totalmente diferente de um processo em que existe a parte A e a parte B.

Olhar Jurídico – Houve muita mudança com a lei aprovada em 2005. O que foi modificado?

Cláudio Zeni - O processo hoje chamado de recuperação recebia o nome de concordata. Houve uma modificação bem grande. Mas estas modificações já estão sob revisão. A ideia é realmente oportunizar a reestruturação. Mas a concordata, na prática, não dava tantas opções ao empresário. O exemplo são esses prazos maiores que são muito importante para que a empresa fique sem as despesas antigas e diminua o risco de não pagar a dívida.

Lembrando que o que está acontecendo hoje vem demonstrando que ainda assim faltam alguns elementos para melhorar. Sobretudo os bancos, que são credores com garantias reais. É preciso que eles também participem e dêem sua cota de suor na recuperação judicial.  Porque, em regra, várias instâncias de créditos não ficam submetidas à recuperação. Então do que adianta ter uma gama de credores aqui que aguarda e espera, mas vem um banco e leva, por exemplo, um bem financiado essencial à empresa?

Olhar Jurídico – Os bancos não estão inclusos no escopo da lei?

Cláudio Zeni - A lei inclui todos, mas algumas situações ele fica de fora. E aí vai depender do bem, a empresa tem uma transportadora, mas talvez um avião que o empresário tem ele não via precisar. E temos muitas variáveis. Uma das mudanças necessárias é fazer com que todos os credores se submetam independente da espécie do crédito que ele tenham que todos eles façam parte deste processo de espera.

Olhar Jurídico – Além disso, o que mais pode ser alterado ou melhorado na legislação vigente?

Uma das mudanças necessárias é fazer com que todos os credores se submetam independente da espécie do crédito que ele tenham que todos eles façam parte deste processo de espera. Outra alteração importantíssima é que haja um fomento do poder público. Porque o empresário assim que ele se vê em uma situação complicada ele tem menos créditos e acaba tendo mais dificuldade para movimentar a empresa dele. Em alguns países, o poder público vem e injeta dinheiro na empresa, e facilita a operação porque é de interesse público a geração de emprego e renda. Mas no Brasil não tem este sistema ainda bem estruturado e isso seria uma das hipóteses de modificação da lei.

Eu digo que existe em alguns países em que quando o poder público recebe a solicitação de uma empresa que pretende entrar em recuperação judicial ele fiscaliza e, se for o caso, abre uma linha de crédito para auxiliar este processo.
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