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Notícias / Entrevista da Semana

Procurador explica a face “nefasta” da terceirização e alerta para um novo estágio: a “quarteirização”

Da Redação - Arthur Santos da Silva

O presidente Michel Temer sancionou parcialmente no dia 31 de março a Lei da Terceirização. Com essa regulamentação, as empresas poderão contratar trabalhadores terceirizados para exercerem cargos na atividade fim. O Olhar Jurídico, prezando pela instrução de seus leitores, ouviu e publica agora a opnião do procurador do trabalho Antônio Pereira Nascimento Júnior. Indo além, a reportagem enfoca sobre o conceito de “quarteirização”, um método de trabalhão cada vez mais utilizado.
 
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Empresários argumentam que a medida dá mais dinamismo e eficiência à economia. Defensores dos direitos dos trabalhadores, porém, discordam. Confira a entrevista:
 

Olhar Jurídico - Explique os prejuízos da lei de terceirização para o trabalhador.

Antônio Pereira Nascimento - A terceirização tem, estatisticamente, se revelado prática nefasta nas relações de trabalho, contribuindo com o aumento da rotatividade de mão-de-obra, a redução de salários, a elevação da jornada de trabalho, a redução da garantia de férias e de benefícios indiretos, a dispersão da organização sindical, dificultando o exercício da negociação coletiva e da greve, e a maior exposição a riscos de acidente de trabalho. Ainda, o cotidiano forense tem revelado que, no geral, muitas empresas de terceirização são constituídas com evidente fragilidade econômica, favorecendo risco de “calote” aos trabalhadores terceirizados.
 
A recente Lei n. 13.429/2017 agrava esse quadro devastador, pois foi editada com o propósito de autorizar a terceirização em todas as atividades da empresa, com os efeitos daí decorrentes.
 
Olhar Jurídico - Empresários argumentam que a medida (nova lei) dá mais dinamismo e eficiência às empresas. O argumento é verdadeiro?

Antônio Pereira Nascimento - Sob a ótica do Ministério Público do Trabalho, e em especial com o regime de garantias previsto na Lei n. 13.429/2017, vê-se que a terceirização, sob a roupagem de busca de “eficiência” e “crescimento”, tem o nítido propósito de isentar o destinatário final da prestação de serviços (a empresa contratante) de responsabilidade pela garantia de um trabalho decente ao trabalhador e de responsabilização pelo inadimplemento de direitos trabalhistas. A nova regulamentação deixou de impor, por exemplo, o regime de responsabilização solidária da empresa contratante.
 
Olhar Jurídico -
Após a aprovação da nova lei da terceirização, foi retomada a discussão sobre contratos de “quarteirização”. Explique o que significa o termo.

Antônio Pereira Nascimento - A quarteirização é a terceirização extremada, a subcontratação de serviços em cadeia, que ocorre quando a empresa contratada para prestação de serviços terceirizados (empresa de terceirização) resolve repassar o desempenho de suas atividades a outra empresa, denominada subcontratada. A prática é ainda mais perversa às relações de trabalho, objetivando uma completa desproteção ao trabalhador.
 
Olhar Jurídico -
A quarteirização é caracterizada pela contratação de uma empresa por outra que já possui um contrato de terceirização. A medida busca que o contratante se livre das regras trabalhistas para com os empregados?

Antônio Pereira Nascimento - A previsível consequência da aplicação da Lei n. 13.429/2017, inclusive por meio de quarteirização de atividades, é a tentativa, por parte da empresa contratante (e mesmo da empresa de terceirização, contratada), de afastamento de responsabilidade por débitos não adimplidos pela empresa subcontratada, criando dificuldades ainda maiores para o recebimento, pelo trabalhador, dos haveres trabalhistas. O cotidiano tem demonstrado, inclusive, que a prática da quarteirização tem favorecido a contratação de trabalhadores subordinados como pessoas jurídicas, a denominada "pejotização” – hipótese em que as “empresas” subcontratadas são, na verdade, trabalhadores da empresa terceirizada induzidos a constituir pessoa jurídica, com sonegação não apenas de direitos trabalhistas como também de contribuições sociais.
 
Olhar Jurídico - A nova lei de terceirização abre brechas para contratos de quarteirização?

Antônio Pereira Nascimento - A Lei n. 13.429/2017 contém previsão expressa autorizando a empresa prestadora de serviços (empresa terceirizada) a subcontratar outras empresas para realizar as atividades para as quais foi contratada (art. 4º-A, §1º). Existe alguma norma que regulamente a quarteirização? Antes da edição da Lei de Terceirizações, a vedação à prática de terceirização (ou, mesmo, quarteirização) de atividades finalísticas (“atividades-fim”) foi construída por interpretação do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que editou a Súmula n. 331, autorizando a contratação de empresas terceiras apenas para os serviços ligados à atividade-meio do tomador de serviços, dentre os quais os serviços de vigilância, conservação e limpeza. Na hipótese de ilicitude, o TST definiu que havia formação de vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços (empresa contratante).
 
Olhar Jurídico -  Qual a principal categoria de trabalhadores atingidos pela quarteirização?

Antônio Pereira Nascimento - A prática é notoriamente nociva, mas tem potencialidade de gerar maiores prejuízos aos trabalhadores de atividades com maior risco de acidente de trabalho, como o setor da construção civil. A situação, infelizmente, é prática comum no ramo – e tem sido duramente combatida pelo Ministério Público do Trabalho. Não raras vezes, as inspeções realizadas em canteiros de obras revelam esse quadro: três ou mais empresas de construção civil realizando atividades numa mesma obra, muitas delas compostas por empregados disfarçados de pessoa jurídica (“pejotização”) e, quase sempre, a tentativa de fuga de responsabilidades, com a alegação de que, por exemplo, o trabalhador flagrado em condições inseguras de trabalho é empregado de empresa diversa.
 
Olhar Jurídico -  Quais as medidas estabelecidas pelo Ministério Público do Trabalho para acabar com abusos de empresas nas com terceirizados e quarteirizados?

Antônio Pereira Nascimento - O Ministério Público do Trabalho tem atuado incisivamente contra o desvirtuamento da terceirização, sobretudo em duas frentes: nas hipóteses em que há transferência ilícita de atividades a terceiros (terceirização ou quarteirização ilícitas) e nos casos em que a prática é utilizada como mecanismo de intermediação de mão-de-obra (quando, embora a atividade possa ser terceirizada, há notória relação de emprego entre o trabalhador e a empresa contratante). Constatado o uso desvirtuado da terceirização, o Ministério Público do Trabalho tem notificado as empresas para assinatura de Termo de Ajuste de Conduta, documento formal por meio do qual as empresas assumem compromisso de não mais terceirizar, sob pena de multa; e, em caso de resistência, têm sido propostas ações civis públicas, com pedido de condenação judicial das empresas envolvidas, inclusive em indenização por danos morais coletivos.
 
*Antônio Pereira Nascimento Júnior é Procurador do Trabalho – PRT da 23ª Região - e representante da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (CONAFRET) em Mato Grosso.
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