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Notícias / Entrevista da Semana

Democracia racial do Fórum para fora: somente 2% dos 286 magistrados de Mato Grosso são negros

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

No Brasil, 53,6% da população é formada por afrodescendentes (negros e pardos), segundo dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Em Mato Grosso, segundo o Censo 2010, eles representam 60%. Apesar de ser maioria, a participação dos negros nas instituições é mínima. No Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), o fracasso no combate à desigualdade racial é notável. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2013, apenas 2,4% dos nossos magistrados são pretos, o que representa 07 magistrados de um total de 286 em todo o Estado.

Olhar Jurídico procurou os tais sete magistrados. Quem são eles? Onde atuam? Como enxergam a quase ausência de seus pares? O resultado da apuração é melancólico e acende um alerta: precisamos debater igualdade racial no TJ.  

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O pontapé inicial:

O primeiro obstáculo enfrentado pela reportagem foi a quase ausência de dados oficiais. Segundo explicou a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça Estadual, não há levantamento específico por critério racial. Os únicos disponíveis hoje são os estudos elaborados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Dados pouco recentes:

Entramos em contato com o CNJ, que lamentou não possuir dados recentes. O último estudo foi formulado em 2013. Tivemos acesso. Dele, é possível extrair dados referentes à raça por Estado, dividindo em três representações: "brancos", "negros" e "indígenas". Sendo “negro”, termo que abarca “pardos” e “pretos”.

Mato Grosso possui 18,1% de "negros", sendo que, deles, apenas 2,4% são “pretos”. Já os “brancos”, representam 80,5% da magistratura.

Considerando que o TJ é composto por 256 juízes e 30 desembargadores, é possível concluir que tínhamos, em 2013, 07 magistrados pretos para 230 brancos. Ou seja, de cada 33 magistrados, 32 são brancos e somente 01, preto.

Embora não seja possível consolidar mudanças neste cenário nos últimos 04 anos, a apuração de Olhar Jurídico constatou que alguns destes 07 magistrados já foram aposentados e até mesmo falecidos. Como nenhuma entrada de magistrado negro foi constatada nestes últimos anos, a desigualdade racial hoje pode ser ainda maior.

Definir-se "negro":

Restou evidente o constrangimento dos interpelados pela reportagem quando a pauta é proposta no meio jurídico. Há boas razões para se entender isto. Segundo a apuração, não são todos os magistrados "negros" que se declaram “negros”, ou seja, que se identificam como afrodescendentes. Prova disto são as solicitações de entrevistas para esta matéria que foram rejeitadas por magistrados que não se sentiam confortáveis para abordar a temática.

Entre servidores, menos brancos, mais negros: 

Entre os servidores do TJ (isto é, que atuam nos gabinetes dos Fóruns), os dados do CNJ de 2013 são bem menos "desiguais". Onde os salários são menores, o número de “brancos” cai de 80,5% para 55,3% e o de “pretos” sobe de 2,4% para 5,9%. Ou seja, neste cenário, de cada 33 servidores, 18 são “brancos” e 02 são “pretos”. Proporção bastante diferente se comparada aos dos magistrados, 32 para 01. 

Essa diferença reflete claramente os dados do IBGE de 2015. Brancos representam oito de cada dez que compõem os 1% da população mais rica do país. Já entre os mais pobres, três em cada quatro são negros (pretos ou pardos).

A desigualdade racial do mercado trabalho está em todas as esferas. Na política, por exemplo, dos 513 deputados federais eleitos em 2014, 80% são brancos.

Na justiça, por incrível que pareça, esta desigualdade é ainda maior: segundo o "Censo da Magistratura", do CNJ, em 2014, apenas 15% dos juízes de primeiro grau do Brasil são negros. Em Brasília, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prevalência dos brancos é de 25 dos 29 ministros, ou 86%. Já no Supremo Tribunal Federal (STF), pasme, simplesmente todos os 11 ministros são brancos, desde quando aposentou-se o ministro Joaquim Barbosa, em 31 de julho de 2014.
 
Proposta de Solução: 

Para diminuir a desigualdade na magistratura, o CNJ editou a "Resolução 203", que estabelece cotas para negros em concursos para servidores, de modo a cumprir o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). As mudanças não atingirão, entretanto, “os lá de cima”, que por ocuparem vagas por indicação, estão "à salvo" dos concursos.

Desde 2015, a Resolução 203 é posta em prática, mas, a despeito das boas intenções, os avanços tem sido “complicados” e os resultados, desanimadores, conforme Olhar Jurídico apurou junto à assessoria de imprensa Conselho Nacional de Justiça. Embora a Resolução 203 esteja editada, vigente e amplamente debatida no “I Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (Enajus)”, realizado em 10 e 12 de maio deste ano, em Brasília,  pouca alteração trouxe nos últimos dois anos.

A própria elaboração de estudos para aferir eventuais mudanças fica “prejudicada”, lamentam os membros do CNJ com quem a reportagem teve contato, pelo fato de a identificação de "raça/cor" depender exclusivamente da autodeclaração do magistrado. 

No próprio quadro de conselheiros do órgão que emitiu a Resolução, a diferença entre teoria e prática se evidencia: 

Conforme o Artigo 103-B da Constituição Federal de 1988, o CNJ é composto por 15 membros com mandato de dois anos. São eles: o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), um juiz do Tribunal de Justiça, desembargador do Tribunal de Justiça, juiz do Tribunal Regional Federal (TRF), juiz federal, juiz do Trabalho, juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), além de dois membros da OAB, um membro do Ministério Público da União, outro do Ministério Público Estadual (MPE) e, por fim, dois cidadãos de notável saber jurídico. Nenhum deles é negro.

Justamente devido à esta ausência que o CNJ não dispôs de uma fonte para entrevista ao Olhar Jurídico para esta reportagem. Nem mesmo para falar da Resolução 203, pois os responsáveis por ela não se encontram naquele órgão. 

“Como a resolução é de 2015 e a composição mudou desde então, o relator da resolução não está mais no CNJ”, explicou Sarah Barros, da Secretaria de Comunicação Social. Questionada se algum membro do CNJ envolvido com “I Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros” poderia nos atender. “Não temos representante na comissão”, lamentou.

O último negro que compôs o CNJ foi novamente ele, o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa...

“O bom exemplo de condutas sociais deve partir daqueles que estão em situação de destaque junto à sociedade, por serem o esteio moral, ético e legal para todos os demais membros sociais” (Carlos Augusto Gobbi, advogado e professor de Ciências Políticas).

À tempo: o "Dia da Consciência Negra" não afetará o expediente da maioria dos tribunais brasileiros, incluindo os superiores. Até o fechamento da reportagem, 44 cortes informaram que funcionarão normalmente na segunda-feira (20)... e tudo continuará como está.
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