A juíza Helícia Vitti Lourenço, da 12ª Vara Criminal de Cuiabá, manteve a submissão do advogado Luiz Eduardo de Figueiredo Rocha e Silva ao Tribunal do Júri pelo assassinato de Ney Muller Alves Pereira, homem em situação de rua executado por ele com um tiro na cabeça em abril deste ano, na capital. Na mesma decisão, proferida nesta quinta-feira (11), a magistrada manteve a prisão preventiva de Luiz e repreendeu a postura de sua defesa, que opôs os embargos de declaração usando alegações equivocadas e distorcendo fatos gravados em audiência.
Leia mais
Veja quem é o empresário acusado de liderar esquema de pirâmide financeira que lucrou milhões
Homem em situação de rua, Ney foi assassinado com um tiro na cabeça, no dia 9 de abril de 2025, por volta das 21h, nos muros da Universidade Federal de Mato Grosso, bairro Boa Esperança. À Justiça, o algoz tenta emplacar a tese de legítima defesa, e, ao confessar o crime, alegou que a motivação fora uma represália a Ney, que tinha danificado seu carro horas antes.
No dia 15 de agosto, Luiz foi sentenciado ao julgamento pelo Tribunal do Júri e, contra essa ordem, apresentou embargos de declaração visando sua absolvição por legítima defesa e a revogação da prisão. Ele alega omissões e contradições na pronúncia, como quebra de incomunicabilidade das testemunhas, sobretudo quanto ao depoimento do informante David Wilkerson, irmão da vítima, e suposta contradição entre o laudo de necrópsia e a narrativa da acusação sobre a distância do disparo.
A defesa de Luiz, patrocinada pelo escritório Figueiredo Menezes, do Rio de Janeiro, usou o depoimento de David para induzir que Ney era pessoa violenta e agressiva, como forma de justificar o homicídio e emplacar a tese de legítima defesa, bem como que David mentiu e ouviu o depoimento de outras testemunhas, apontando que a juíza, portanto, fora omissa ao não o repreender por falso testemunho.
No entanto, a magistrada esclareceu que a personalidade ou o comportamento da vítima não são o ponto central do caso, e essas circunstâncias, por si só, não justificam ou alteram o crime de homicídio qualificado que deverá ter as provas contestadas em sede do júri.
David havia confirmado um boletim de ocorrência sobre um surto psicótico de seu irmão, a vítima, mas explicou que não o considerava agressivo, pois suas ações eram causadas por problemas mentais, e que nunca foi agredido por ele.
A análise dos fatos mostrou que David nunca afirmou ter sido agredido. Portanto, conforme parecer ministerial, a juíza não foi omissa, pois abordou a questão processual na decisão de pronúncia, já que optou por desconsiderar as declarações de David como informante, com a devida justificativa, para evitar alegações de provas viciadas.
Além disso, Helícia pontuou que não há contradição em determinar o envio de um ofício à OAB/RJ para apurar uma suposta infração ética dos advogados, pois o fato de o depoimento de David ter sido desconsiderado não impede a investigação sobre o tratamento que ele recebeu durante o ato processual.
“O mais curioso, ataca a decisão judicial visando sua reforma por meio da via inadequada, utiliza alegações equivocadas; requer não seja oficiada a OAB para noticiar o tratamento despendido por um profissional da ordem constitucional a um informante (que teve a vida de seu irmão ceifada por um ato de violência) durante um solene ato judicial e na mesma peça, distorce fatos gravados e escritos, sob a pretensa justificativa de que está exercendo o direito de defesa”, anotou a juíza.
Em segundo lugar, a defesa alegou suposta contradição entre o laudo de necrópsia e a narrativa da acusação sobre a distância do disparo, argumentando que o trajeto descendente do projétil, o orifício de entrada na cabeça da vítima e a altura dela indicavam que a mesma estava agachada e inclinada para o veículo de Luiz. Isso, segundo a defesa, descaracterizaria a surpresa e comprovaria a reação instintiva do acusado.
Contudo, conforme indicado pelo Ministério Público, não há incompatibilidade entre o laudo pericial e a dinâmica narrada, pois em nenhum momento a vítima se aproximava do veículo do acusado com intenção de atacar, nem corria em direção ao carro, como alegado pela defesa, bem que não houve tempo suficiente para o suposto diálogo que, segundo o acusado, teria antecedido o "ataque". Desta forma, a juíza rejeitou esse argumento.
Houve ainda pedido de revogação da prisão de Luiz, sob argumento de que a detenção seria desproporcional e sem base em provas, pois o acusado se apresentou voluntariamente e sempre colaborou, afastando o risco de fuga. A defesa reiterou que a vítima era agressiva e violenta, e que não seria prudente manter preso quem reagiu a injusta agressão.
A juíza, contudo, esclareceu que a prisão não foi decretada com base na conveniência da instrução criminal, e que ela reavaliou a necessidade e a atualidade dos requisitos para a prisão preventiva diante da garantia da ordem pública, devido à prova da materialidade, aos indícios suficientes de autoria e à gravidade concreta do crime, especialmente pelo modo como foi executado.
A magistrada, então, rejeitou os embargos de declaração entendendo que a sentença de pronúncia foi proferida corretamente, mantendo-se o júri imposto e a prisão preventiva de Luiz. Na mesma ordem, Helícia recebeu Recurso em Sentido Estrito, outro tipo de recurso interposto pelo acusado, e remeteu o processo para alegações das partes.
De acordo com a acusação, o caso começou quando o veículo Land Rover de Figueiredo foi danificado por Ney Müller no Posto Matrix. Após ser informado por testemunhas sobre as características do autor, o advogado jantou com a família no restaurante do posto e saiu cerca de meia hora depois.
Após levar os familiares para casa, ele teria retornado à região em busca do responsável pelos danos. Segundo a denúncia, iniciou uma “caçada à vítima” e encontrou Ney Müller caminhando pela calçada da avenida. De dentro do carro, com os vidros abaixados, chamou a atenção do homem e efetuou um disparo de arma de fogo no rosto dele, a curta distância. A vítima morreu na hora.
A arma utilizada, uma pistola Taurus .380, era registrada e tinha porte legal em nome do acusado. Após o disparo, Figueiredo deixou o local.
O Ministério Público classificou o crime como motivado por “vil sentimento de vingança”, ressaltando a vulnerabilidade da vítima, em situação de rua, possivelmente portadora de esquizofrenia e sem condições de reparar o dano material. Também apontou que o disparo foi efetuado de forma inesperada, sem chance de defesa.