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Em silêncio, famílias e gado a preços defasados começam a deixar a gleba

13 Dez 2012 - 16:18

Da Reportagem local - Lucas Bólico e Renê Dióz - enviados especiais a Estrela do Araguaia (Posto da Mata)

Foto: José Medeiros / Olhar Direto

Em silêncio, famílias e gado a preços defasados começam a deixar a gleba
Aos poucos a poeira se levanta nas estradas de chão que cortam a gleba de Suiá Missú. Sem alarde, pequenas mudanças familiares e gado tocado a burro - ou transportado em carretas - desocupam grandes e pequenas propriedades desta área no nordeste de Mato Grosso sob processo de desintrusão, distanciando-se da tensão da zona urbana do distrito de Estrela do Araguaia, onde predominam discursos dos que dizem não desistir da permanência na terra.


A desocupação e a retirada dos bens são silenciosas e discretas por parte dos que já se conformam com a efetividade do cumprimento do despejo. Eles tentam assegurar pelo menos a posse de seus pertences, mas sem dar motivos para que a maioria – disposta a ficar nas terras até o momento de encarar as forças policiais – os censure como agentes ‘enfraquecedores’ de sua resistência.

Alguns dos moradores que pretendem sair das terras sem resistir confidenciaram que existe pressão dos vizinhos para que ninguém abandone espontaneamente a região, o que, em tese, enfraqueceria o movimento dos que resistem à decisão judicial. Dentre as pressões sofridas, toda sorte de ameaças é relatada.


Foto: José Medeiros / Olhar Direto


Os líderes, no entanto, garantem que os ânimos estão exaltados e que não há como controlar tudo o que é dito dentro do distrito. Por outro lado, asseguram que o número de pessoas que deixou o local é mínimo e pouco representativo. Os cálculos da resistência apontam que os ‘dissidentes’ não passam de 10% porque ninguém tem para onde ir.

Entre os dias finais do prazo concedido para a retirada voluntária dos não-índios e o início efetivo da desintrusão cumprida pelas forças policiais, pelo menos 10 mil cabeças de gado foram retiradas pelos ocupantes da terra indígena de Maraiwãtsede, demarcada sobre a área da gleba Suiá Missú em 1998 e agora prestes a ser esvaziada em prol dos xavantes.

Vida de gado

O número do rebanho deslocado por ocasião do despejo determinado pela Justiça pode ser ainda maior caso sejam contadas as retiradas promovidas pelos produtores mais precavidos antes dos dias finais do prazo concedido. Com o devido planejamento, parte dos poucos grandes pecuaristas conseguiu comercializar o gado (estimado pelos próprios produtores da gleba em cerca de 300 mil cabeças) antes do período de desespero.


Foto: José Medeiros / Olhar Direto


Diz-se que só o pecuarista Romão Flor, um dos mais poderosos do Araguaia, adquiriu pelo menos 4 mil cabeças em Suiá Missú, aproveitando os preços rebaixados pela lei da oferta e da procura ainda operando no local. Quem não conseguiu comprador até agora está fazendo negócios pouco vantajosos, com valores defasados - fala-se em desvalorização de até 30% - e prazos que só um pai concederia a um filho neste tipo de transação - até seis meses para pagar.

“A gente se sente derrotado, quebrado. Nunca esperava que ia chegar a esse ponto, não”, queixa-se o pecuarista Juscelino José Canova, de 56 anos de idade e há 11 anos como proprietário rural em Suiá Missú. Canova vendeu 85 bezerros para um conhecido de Minas Gerais que passava pela região na última semana e acabou aproveitando os preços. Cabeças que valeriam normalmente cerca de R$ 420 saíram a R$ 350. Vacas de R$ 900, por R$ 600.

“Chega a estar é dado”, reclamou o fazendeiro na última segunda-feira (10) ao falar com o Olhar Direto, enquanto – a menos de cinco metros, dentro do curral – seu colega mineiro retirava a calculadora do bolso para averiguar seu lucro real na transação. Naquele dia, as 1,3 mil cabeças de Canova que restaram sem comprador de última hora estavam sendo retiradas para ganhar a estrada sem qualquer rumo.


Foto: José Medeiros / Olhar Direto


Não muito longe, num ponto ermo da rodovia entre o distrito de Estrela do Araguaia e o município de Alto Boa Vista a reportagem encontrou na mesma manhã dona Raimunda Sousa, 54 anos, sentada na grama e encostada numa cerca aos prantos. Ao longe, numa estradinha de chão, aproximava-se aos poucos o rebanho dela, apenas cem cabeças de gado, sendo retiradas provisoriamente para a casa de uma filha em São Félix do Araguaia com ajuda de um dos seis netos, Samuel, de apenas 9 anos de idade.

Prestes a perder seu pedaço de chão após 35 anos, Raimunda não lutou contra o mandado de desintrusão, mas sua família se arruinou com a decisão judicial.

Ela conta que a situação desesperadora motivou o marido a atentar contra a própria vida ao menos duas vezes. Ele chegou a propor que ambos morressem juntos. Aos 50 anos e com problemas de coração, ele caiu da montaria recentemente por uma situação de puro e simples estresse. Não tem conseguido dormir nem aceita comer. “Tem gente depressiva demais já nesta área”, relatou, arrasada.


Foto: José Medeiros / Olhar Direto


O prefeito de São Felix do Araguaia, Filemon Limoeiro (PSD), também é um dos produtores que já se adiantou na retirada de seus bens para evitar um prejuízo ainda maior. Na última campanha, o peessedista perdeu a disputa pela reeleição, mas garantiu que não perderá nenhuma cabeça de gado com a desintrusão.

Entre a cruz e a estrada

Mais difícil que encontrar boiadas sendo tocadas para fora de Suiá Missú é flagrar mudanças de famílias residentes na área urbana do distrito de Posto da Mata. Uns postergam a retirada devido à informação de que os oficiais de justiça - acompanhados de forças policiais - só deverão cumprir o despejo na área urbana após as propriedades rurais. Muitos evitam “dar na cara” com as mudanças devido à animosidade gerada por parte dos vizinhos. 

“Esvazia bem que eu vou morar aí”, provocou um motoqueiro, em tom hostil, ao passar em frente à casa de dona Genilda Lima de Azevedo, 62 anos. Com a ajuda de seu filho e três amigos, ela tentava retirar tudo de dentro da casa de R$ 30 mil – de telhas, janelas e lâmpadas a remédios, panelas e os dois carros velhos – para tomar o rumo da estrada.


Foto: José Medeiros / Olhar Direto



Originária de Acreúna, Goiás, Genilda segue para a casa de parentes porque não vê perspectivas de se reverter a desintrusão e porque o esposo de 74 anos, de saúde extremamente fragilizada (passa o dia inteiro deitado e não come), não pode mais esperar por socorro.

“O seguinte é esse: nós espera solução daqui, nós não vê solução, né. Meu esposo fica só doente. Recurso aqui é difícil. Então eu falei que a solução é nós ir embora. Vender, nós não vende. Porque nós queria vender, porque isso aqui nós comprou com luta. Ver isso aqui destruído é muito doloroso. E o que nós não der conta fica aí. Da casa, vai ficar só as paredes. O que a gente puder levar a gente vai levar”, lamenta, lembrando que alguns moradores chegaram a impedi-la de sair da região.

“É muito doloroso. O que nós passa aqui só cachorro passa. Eles não quer que saia porque dizem que acaba a força do povo aqui dentro. Mas se a gente tá numa situação que a gente vê que não tem solução, a gente tem que ir embora, não é? O meu esposo tá correndo risco de vida aqui dentro. O que eu vou fazer, ficar esperando ele morrer? Nós já vivia no prejuízo, o que nós tinha aqui já acabou. Agora aqui pra nós não serve mais”.
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