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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Médicos dão o testemunho do drama depois da tragédia

O pneumologista Edson Nunes, um dos médicos que atendem os jovens feridos na tragédia da boate Kiss, não conseguiu segurar as lágrimas ao falar sobre o estado de seus pacientes no Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo, localizado no centro de Santa Maria. Sentado à mesa, com roupa à paisana e um estetoscópio enrolado no pescoço, pronunciou as primeiras palavras da entrevista com a voz embargada e os olhos marejados, mas se segurou e continuou a conversa. No fim, no entanto, o choro não pôde ser contido, e levantou-se abruptamente, desculpando-se, e sem conseguir se despedir. Mesmo os médicos, habituados a situações difíceis no cotidiano hospitalar, têm se rendido às emoções provocadas pela cruel realidade das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), onde se encontram os jovens feridos em estado crítico.


— A pior coisa do mundo é um pai enterrar o filho — diz Nunes, ao lembrar que há três semanas um de seus filhos esteve na Kiss.

Apesar de experiente, com cabelos grisalhos, o médico conta com ar espantado como um dos três pacientes de sua UTI, uma das cinco que possui o hospital, tem reagido à fuligem alojada em seus pulmões:

— Ele já expeliu quase meio copo pequeno de picumã (uma espécie de fuligem), sai aquilo preto, sai na tosse.
O sintoma é consequência de uma pneumonite química, causada pela inalação de fumaça e de fuligem nos pulmões, a principal preocupação dos médicos em relação aos feridos. Nunes relata o caso de um amigo, que ao exagerar na hora de tentar acender um churrasco, aspirou fumaça, e queimou sua árvore brônquica.

— São poucos os que apresentam queimaduras externas, e a grande maioria é sem gravidade. Mandamos dois pacientes para Porto Alegre, um deles com 30% da superfície do corpo queimada. E são todos guris, umas crianças, entre 20 e 25 anos — volta a lamentar, também abalado pela morte do filho de uma enfermeira do hospital, que estava no incêndio com a namorada.

Primeiro caso de insuficiência renal

Muito além da tosse negra, a pneumonite química pode causar infecções oportunistas — que se aproveitam do frágil mecanismo de defesa do doente —, desidratação, insuficiência renal e dificuldades respiratórias, pela incapacidade na troca de CO2 por oxigênio.

— Aqui numa UTI já tivemos o primeiro caso de insuficiência renal — conta ele.
Segundo o médico, as primeiras 72 horas são fatais para pessoas que inalaram fuligem, que se sentem bem, mas que poderão piorar nesse período.

— Acredito que a maioria dos jovens que tinham que apresentar alguma complicação já o fizeram. Alguns se assustam com uma tosse e vêm ao hospital, angustiados, e os mantemos aqui para acalmá-los, mesmo que não apresentem sintomas de pneumonite.

Edson Nunes contou que no dia em que chegou ao hospital para atender os primeiros feridos no incêndio, foi cumprimentar um colega, com quem havia se formado na faculdade, e então soube que o filho dele havia morrido na tragédia. Ao lembrar desse momento, desabou em lágrimas, e interrompeu repentinamente a entrevista.

Coordenadora das UTIs do Hospital Caridade, Cristina Boeira é solicitada a toda hora pelos médicos e enfermeiras. Segundo ela, dois jovens haviam sido internados na noite anterior com sintomas de tosse que sinalizam uma pneumonite. Ele evita fazer prognósticos sobre as chances de seus pacientes.

— Por enquanto, o estado é crítico e estacionário. Atualmente, 19 necessitam um cuidado maior — disse, sem entrar em mais detalhes.

O médico Henri Pansarde, especialista em problemas de rins, soube da tragédia pelo Facebook logo cedo pela manhã de domingo, e sem pensar correu para o Centro Esportivo Municipal, o Farrezão, para onde foram levados os corpos das vítimas do incêndio, para auxiliar no que fosse possível e também se cadastrar para o atendimento dos feridos.

Ao adentrar no recinto em que estavam estendidos os corpos, confessa que teve que pedir ajuda.

— Quis entrar junto com um psiquiatra, no caso de precisar de algum suporte na hora. Mesmo para nós, médicos, que estamos acostumados com a morte, era uma situação diferente.

O médico ajudou parentes no reconhecimento das vítimas, e admitiu que foram momentos bastante difíceis.

— Nunca vou me esquecer de uma jovem que possuía uma tatuagem no braço, mas que era impossível de ver por causa de queimaduras, e o rosto estava preto de fuligem, com a boca desfigurada. A família não pôde reconhecê-la, e teve de ser levada para identificação por papiloscopia.

Em outro caso, conta ele, uma menina se recusava a identificar o irmão, voltou e pediu para vê-lo novamente, não querendo acreditar que estava morto.

— Depois de cinco ou seis horas lá dentro, tive que dar uma saída — disse.

Seu filho, igualmente médico, trabalha no Hospital Universitário de Santa Maria, que também acolhe feridos do incêndio na boate Kiss.

— Lá também há casos de infecções por inalação de fumaça. E, desde o dia da tragédia, 25 jovens já foram internados tardiamente com sintomas de pneumonite. Não dá para imaginar o que essas pessoas viveram dentro daquela boate.


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