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Terça-feira, 16 de abril de 2024

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Sem tratar de longo prazo, acordo do clima será fraco, diz cientista alemão

Quando o a Cúpula do Clima de Copenhague, em 2009, falhou em produzir um acordo global para redução de emissões de gases do efeito estufa, a desconexão entre a mensagem dos cientistas e a ação dos formuladores de políticas ficou clara: as trajetória de emissões está na rota de elevar o planeta a um acréscimo de temperatura acima de 2°C, limite considerado perigoso.


O IPCC (painel do clima da ONU) já pedia um corte brusco na produção de CO2, mas ninguém sabia exatamente se tal medida era tecnicamente e economicamente possível. Em 2012, então a SDSN (Rede de Soluçôes para Desenvolvimento Sustentável), criada pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, assumiu a tarefa. Uma de suas missões seria a de avaliar a viabilidade da receita prescrita pelos cientistas.

Uma das iniciativas da rede, o DDPP (Deep Decarbonizatio Pathways Project), analisou a situação atual e concluiu que ainda é possível deter o aquecimento de 2°C. Para tal, será preciso impedir o planeta de estourar o “orçamento de carbono”, ou seja, emitir mais que cerca de 500 bilhões de toneladas de carbono nas próximas décadas. Mas é possível ficar dentro desta meta, mudando o sistema energético do planeta, sem afetar a economia global.

Um dos articuladores do trabalho foi o químico e economista alemão Guido Schmidt-Traub. Em entrevista ao G1, o pesquisador fala sobre suas expectativa para a Cúpula do Clima de Paris, em dezembro próximo, que tentará conseguir o que a cúpula de Copenhague não conseguiu --um acordo do clima que coloque o planeta no rumo certo. Para isso, porém, SchmidtTraub afirma que Paris precisa abrir um trilho de discussão para tratar do longo prazo. Sem isso, as negociações acabam perdendo o sentido.

Leia abaixo a entrevista:

G1 - Muitas pessoas estão pessimistas em relação à possibilidade de o planeta ainda se manter abaixo do limite de aquecimento considerado perigoso. Como vocês chegaram a essa mensagem otimista, mostrando que isso é possível?
Guido Schmidt-Traub - Nós trabalhamos com cenários que reduzem a emissão de gases de efeito estufa de forma alinhada ao objetivo de ficar dentro dos limites de 2°C, consistente com as definições do IPCC. Depois, vimos como isso poderia ser implementando no nível de países porque, obviamente, não temos um sistema de energia global. A descarbonização profunda terá de ser implementada por cada país.

Nós temos 16 grupos de cientistas que estão trabalhando nisso de maneira independente uns dos outros, de baixo para cima. Cada país constrói sua própria trajetória. Mas eles estão trabalhando juntos para entender quais são os limites globais. Estamos usando o orçamento de carbono para os limites de 2°C do IPCC e estamos olhando para as emissões cumulativas daqui até 2050 que poderiam ser toleradas ao máximo, sem estourar o orçamento.

G1 - Vocês estão dizendo que a meta de corte CO2 é tecnicamente possível, mas não se arriscam a dizer se ela é politicamente viável. Existe ainda uma grande diferença entre aquilo que os países podem fazer e aquilo que eles estão de fato dispostos a fazer?
Guido Schmidt-Traub - Nós lidamos com os 2°C como um limite, não como uma meta. Na verdade, nosso objetivo era simular como atingir a menor mudança possível no sistema climático. Nós chegamos a essa conclusão no nosso relatório de 2014, e ela se repetiu agora no de 2015 com mais certeza – por que levamos em conta os objetivos de crescimento econômico e desenvolvimento dos países. Dizer que é tecnicamente possível ficar aquém dos 2°C não é pouca coisa, porque ainda há muita gente que acha isso impossível.

A questão sobre se isso é possível de implementar politicamente, claro, é diferente. Mas a sequência lógica é que demonstremos primeiro a viabilidade técnica, porque se esta não existir, a viabilidade política não existe.

Todos as nações endossam os 2°C como o limite superior, mas poucos sabem o que isso significaria para seus próprios países. Os políticos precisam ter a resposta para essa questão se quiserem se comprometer na luta contra a mudança climática. Eles não gostam de falar sobre problemas para os quais eles não têm soluções. O que nós estamos fornecendo agora para cada uma das grandes economias é uma ou mais trajetórias mostrando como tornar isso possível.

A boa notícia é que essas trajetórias não vão quebrar a economia, não vão frear o crescimento do PIB. É possível fazê-las sem mudar a estrutura da economia de maneira profunda, porém, mas ela gera cobenefícios. Não estamos dizendo que será fácil, mas é um futuro que vale a pena buscar.

G1 - Além das forças políticas, as forças econômicas e de mercado não poderiam se interpor ao objetivo que vocês delinearam no estudo?
Guido Schmidt-Traub - Quando dizemos que impedir os 2°C é tecnicamente possível, não excluímos a economia. Uma das premissas, por exemplo, é que não haja aposentadoria precoce de tecnologias, ou seja, que cada usina elétrica construída funcione por toda sua vida útil. Não estamos recomendando que se fechem todas as novas termelétricas a gás até certa data, porque isso é ditado pelos negócios. Além disso, nos concentramos em tecnologias já disponíveis. Fizemos algumas previsões sobre como os preços delas vão evoluir. Tivemos muito cuidado em certificar que cada um dos cenários fosse um que nossas equipes para cada país pudesse defender diante dos formuladores de políticas de seus governos. São cenários bem realistas. Essas trajetórias possuem bastante rigor, e precisamos de uma discussão pública ativa agora sobre como  implementá-las.

G1 - O DDPP não é o primeiro estudo a dizer que descarbonizar o setor produtivo será bom para a economia. O relatório britânico New Climate Economy demonstrou isso de maneira contundente neste ano. Por que a mensagem não está chegando aos formuladores de política?
Guido Schmidt-Traub - Estamos dizendo que é possível e levará a um futuro melhor para nós e para nossos filhos. Não dissemos que sera fácil. Há pessoas que acreditam que será fácil e que aquilo que nos impede hoje são apenas os interesses em conflito. Isso é uma simplificação exagerada. Isso será uma transformação profunda no sistema de energia de cada país. Vai ser assim no Brasil, na Índia e na China, mas claro, precisa ocorrer primeiro e sobretudo nos países desenvolvidos. Nunca é fácil. Por causa dos interesses em conflito, será preciso mudar a maneira com que eles funcionam. Mas será tecnicamente viável e economicamente mais fácil.


Ficamos gratos ao ver que o New Climate Economy é consistente com o nosso estudo.  Eles se concentram em como contextualizar uma narrativa política a partir de tudo isso. É muito importante fazer com que formuladores de políticas entendam isso. Nós estamos nos concentrando em trajetórias de longo prazo. Por que os formuladores de políticas não estão falando sobre isso tanto quanto deveriam? Há muitas razões. Uma das razões importantes é que eles não tem uma noção de como poderia ser uma solução. Políticos não gostam de falar sobre problemas para os quais eles não têm solução. Por isso esse tipo de trabalho que nós fazemos é tão importante.

G1 - É possível chegar a cortes de emissões mais profundos do que aqueles necessários para impedir o aumento de 2°C?
Guido Schmidt-Traub - Talvez. Nós tentamos ser muito conservadores em nossas premissas. A maneira com que conduzimos o estudo foi pedir para cada equipe de cada país fazer sua análise, depois somamos todas. Quando sai um resultado alto demais, devolvemos e fazemos sugestões. Ás vezes um país adotou alguma estratégia que pode ser boa para outro. Não começamos a trabalhar limitados por valores, e é por isso que conseguimos projetar as emissões totais como uma trajetória em queda, mas elas certamente podem cair ainda mais.

Por enquanto, nossa mensagem importante é que os 2°C são factíveis. Acho que é nisso que deveríamos nos concentrar. Se nós todos seguirmos essa trilha, não tenho dúvida de que haverá oportunidades para que inovações possam fazer isso ocorrer de forma mais rápida e profunda, mas não é algo que nós queremos enunciar ainda.

G1 - As propostas que os governos estão apresentando agora às vésperas da cúpula do clima de Paris não estão de acordo com o que a ciência diz que devemos fazer para impedir os 2°C. E  não estão alinhadas com o que o DDPP projeta. Como é possível haver espaço para otimismo nesse contexto?
Guido Schmidt-Traub - A abordagem correta para que não estouremos o orçamento de carbono é ter uma trajetória de longo prazo, assegurar que ela esteja de acordo com o objetivo de longo prazo, para depois definir as medidas políticas e objetivos de curto prazo.
Mas não é assim que as negociações climáticas têm funcionado até agora. Parte do resultado disso é que os INDCs [promessas nacionais de corte de emissões] que vemos agora já criaram fama por serem insuficientes para que fiquemos abaixo dos 2°C. Eles são insuficientes até mesmo para cumprir objetivos de curto prazo de cortes de emissão. Certamente, então, são insuficientes para responder à questão da transformação de longo prazo.

O que eu vejo como um resultado desejável e possível é que Paris construa um comprometimento, mesmo não legalmente vinculante, para que todos os países preparem trajetórias de longo prazo como maneira de solucionar o problema.
Isso precisa ser feito em nível nacional. O que isso significa para o Brasil, por exemplo? Qual deve ser a trajetória de longo prazo. Empresários precisam se envolver nisso, as empresas de energia, as empresas financeiras, junto com a sociedade civil, para dizer o que é viável.

E o mundo também precisa adotar uma estratégia para a solução do problema, claro, porque após cada um apresentar sua trajetória será preciso ver se a conta fecha. Nem isso nós temos ainda.

Uma terceira parte do problema é que países podem aprender uns com os outros. Estamos vendo isso agora no projeto DDPP, porque ainda há questões técnicas complexas para as quais queremos ter respostas melhores. Nos achamos que o DDPP possa ajudar a preencher essa lacuna por enquanto.

Minha visão é que trabalhar com trajetórias de longo prazo se torne a norma ao longo do tempo. Todo país precisa de uma trajetória de longo prazo, mas é claro que a do Brasil vai ser muito diferente da da China ou da de um país europeu desenvolvido. Todos precisam de uma trajetória.

G1 - Vocês estão lançando agora um relatório similar ao do ano passado, mas que traz conclusões em um grau de certeza maior. O que vocês aprimoraram?
Guido Schmidt-Traub - Isso foi resultado de mais um ano de reflexões e discussões profundas. O que eu gostaria de ver é os especialistas engajarem o público na discussão. Seria desejável e útil que cada país debata essas trajetórias. Se as pessoas acharem que algumas delas não fazem sentido, é preciso que digam isso, e elas serão convidadas a dar sugestões para aprimorá-las.Nós precisamos entrar num processo deliberado com foco na solução de problema. O que isso significa no Brasil, por exemplo?

Certamente, ninguém possui todas as respostas. As trajetórias que desenhamos podem ilustrar muita coisa, mas não fornecem resposta para tudo, mas elas podem formar uma base para organizar essa discussão.

No processo nós todos iremos aprender muito e veremos que a descarbonização profunda está longe de ser algo impossível. Ela também vai se tornar um método para solução de problemas para aumentar a ambição dos INDCs, porque todo mundo sabe que aquilo que será apresentado em Paris não será suficiente, mas é ótimo que todo mundo esteja apresentado alguma coisa. Todos estão apresentando um compromisso em reduzir, então isso já não é mais o mundo pré-Copenhague. Mas nenhum compromisso é suficiente ainda. Eu acho que os países desenvolvidos, particularmente, poderiam fazer mais. As trajetórias que delineamos podem ajudar a dar uma ideia de o que o aumento da ambição precisa significar.

G1 - Vocês enfocaram a discussão nos 16 países que mais emitem gases-estufa, e eles cobrem três quartos das emissões globais. O que vocês estão projetando não poderia ir por água abaixo se os países formando o último quarto falharem?
Guido Schmidt-Traub - Nós enfocamos esses países porque eles são os grandes, mas eles também são um grupo muito diverso, incluindo EUA, Indonésia, e África do Sul. Nós temos um grande desafio organizacional pela frente, que é criar algo que possa envolver 193 países. Eu acho interessante organizá-los como uma rede, como estamos fazendo agora.

Cada um foi responsável por sua própria análise no DDPP, eles são parte de um processo onde estão aprendendo uns com os outros. Existe uma pressão saudável entre colegas aqui, ninguém queria ser o país que não conseguiu traçar uma trajetória de descarbonização. E os líderes dos grupos defenderam suas soluções. Essa é uma discussão muito, muito saudável.
Para traçar a solução, algumas dúvidas eram comuns a todos. Qual será o preço de painéis solares dentro de 20 anos? Isso é importante para a Alemanha, para o Brasil e para a China.

Uma coisa que ficou clara é que é útil os países trabalharem juntos em coisas assim, e outra que ficou clara é que se todos nós nos comprometermos a fazer essas mudanças, a queda dos preços será muito mais rápida do que seria se cada um de nós fizer isso isoladamente. Então, o que eu queria oferecer é o DDPP como um método de solução de problemas. É isso que queremos promover.
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