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Terça-feira, 23 de abril de 2024

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CENTRO HISTÓRICO

Cerca de 50 casarões tombados correm risco de desabamento em Cuiabá

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

Cerca de 50 casarões tombados correm risco de desabamento em Cuiabá
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e formado pelas primeiras vias urbanas da cidade, o Centro Histórico de Cuiabá possui aproximadamente 400 imóveis, sendo que deste total, 50 estão com risco de desabamento iminente. Recentemente, um trecho da rua Campo Grande, próximo ao cruzamento com a rua Pedro Celestino, teve que ser interditado pela Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) por conta de um casarão com instabilidade estrutural.


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Em janeiro de 2020, os proprietários do casarão protocolaram pedido de doação do imóvel para a Prefeitura de Cuiabá. O processo está em tramitação, mas mesmo antes da conclusão, a gestão municipal tomou a iniciativa de intervir por acreditar na importância da preservação do patrimônio histórico e cultural.



Foi contratada uma empresa com experiência em restauração de patrimônios tombados, em caráter emergencial, para estabilizar a estrutura do casarão. Desde sábado (30/01), uma equipe da empresa Archaios Engenharia trabalha na retirada dos escombros que estão empurrando a parede da fachada da casa. Dentre os procedimentos realizados também está a impermeabilização das paredes externas para que não sejam mais deterioradas pelas chuvas.

Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFMT (2018), Maria Bárbara Guimarães abordou a relação entre a preservação do conjunto tombado e o planejamento urbano em sua dissertação de mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Centro Lúcio Costa/IPHAN.

O trabalho foi realizado entre novembro de 2018 e novembro de 2019. “Foi um material que eu demorei um ano para fazer. Primeiro eu fiz a área tombada e depois a do entorno. Levantei uso e conservação do solo, período de conservação, estado de preservação de características arquitetônicas, tipologias, riscos de desabamento, gabarito”, contou ao Olhar Direto.

A arquiteta explicou um pouco sobre o tombamento do Centro Histórico. “Isso quer dizer que tem uma área de tombamento que corresponde à parte mais antiga da cidade, na qual a gente consegue ler mais informações da formação urbana e arquitetônica do século 18. E uma área de entorno, que seria de amortecimento, transição, que ajuda a preservar a ambiência da área tombada”, disse. “Também tem valor histórico, mas as regras são mais flexíveis, digamos assim”.
 
Ao longo do trabalho, Maria Bárbara observou que os imóveis em pior estado estão na região da Praça da Mandioca. “Dentro da área tombada temos aproximadamente 400 casas. Dentro disso, cerca de 20% estão vazias. Acredito que esse número piorou de um tempo para cá. A gente vê um número de casas vazias no entorno entre a Praça da Mandioca e a avenida Voluntários da Pátria. É também onde se concentra os imóveis em pior estado”.

Já na região da Praça Alencastro, onde fica a Prefeitura de Cuiabá, grande parte dos imóveis tem uso comercial. “Existem áreas com maior predominância de uso comercial, principalmente perto da Praça Alencastro, calçadões”, pontuou.

“De forma geral, o que eu concluo a partir desses dados é que existe um uso muito específico deste centro. Ele é predominantemente comercial durante a semana, no sábado de manhã. No resto do tempo, ele não vai estar funcionando porque não tem fluxo de gente ali”.

Para ela, esse período sem fluxo de pessoas acaba gerando um desperdício de infraestrutura urbana. “Isso gera problemas. Quando a gente lê essa notícias e opiniões de pessoas, que reclamam muito de moradores em situação de rua, o senso comum os coloca como os responsáveis pela degradação do centro. Mas na verdade, essas pessoas são o reflexo da degradação não só do centro, mas de toda cidade. Se é um lugar abandonado, é mais propício para essa população ficar e circular porque é onde eles conseguem”.

Esvaziamento do Centro de Cuiabá

Durante os estudos, Maria Bárbara observou o esvaziamento da região central a partir da década de 90. “Os hábitos de consumo dos cuiabanos mudaram muito, na década de 90. Da década de 70 para a frente, teve muita gente vindo de fora e a cidade cresceu demais, muito, muito mesmo, e as pessoas trouxeram hábitos de fora que foram sendo incorporados à população daqui”, relata.



O Centro de Cuiabá foi criado para oferecer comércio e outros serviços. No entanto, essas atividades foram distribuídas para outras regiões, principalmente com aberturas de shopping centers. Atualmente, a região metropolitana tem cinco unidades.

“Existe um espaço privado que oferece muito mais conforto, oferece tudo junto, muito mais fácil, sem os incômodos de um centro histórico. Não tem ninguém te pedindo dinheiro, não tem sol quente, você pode estacionar seu carro. O hábito mudou, o hábito das pessoas de consumir mudou. Você não vai em um restaurante de rua, você não vai mais em um cinema de rua, você vai em um shopping. Tem uma praça de alimentação em um shopping, tem um cinema dentro do shopping, você pode fazer tudo dentro do shopping. É possível hoje consumir e fazer qualquer coisa dentro de um espaço privado e que antes era feito na rua”, afirma.

Para ela, as reclamações são legítimas. “Só andar no centro que a gente vê que a estrutura deixa muito a desejar e é uma coisa que poderia favorecer essas pessoas a retomar esse contato com o centro. Eu vejo isso, a vida mudou e o centro passou a ter outra função. Existe uma camada da população que ainda consome no centro histórico, no centro da cidade de uma forma geral, consome na rua as coisas. Mas no geral é de uma classe de poder aquisitivo menor, porque geralmente esses comércios são de menores proporções, são de menores dimensões, são mais baratos e isso vai ficar para uma camada da população”, observa.
 
“É uma espécie de status você estar no shopping, é um espaço que nem todo mundo é bem-vindo, por mais que seja de uso público, tecnicamente não tem nenhum impeditivo para você entrar em um shopping, [mas] a gente sabe que não é todo mundo que é bem-vindo e isso acaba segregando, porque tem umas pessoas que podem consumir em um lugar e outras pessoas não podem”.

“Isso é um reflexo da nossa sociedade como um todo. Agora, a gente responsabilizar as pessoas que estão em situação de rua pela degradação do centro histórico é bem difícil, eu acho que é só a ponta do iceberg, só a ponta do problema, é o reflexo de um problema maior”, diz.
 
Tombamento


Outro problema da região também seria o tombamento de alguns imóveis. “O tombamento não retira o direito de propriedade, ele restringe o direito. Então a pessoa que está lá e tem uma casa dentro da área tombada, ou uma casa tombada, continua sendo proprietário, só que ela tem o ônus de ter que manter aquele bem. Então é uma obrigação do proprietário zelar pela integridade física do seu imóvel quando ele é tomado, ou seja, quando existe um interesse público e um interesse cultural que ele esteja de pé”.


 
“A pessoa, quando precisar fazer uma pequena reforma na casa dela, pintar, ou fazer uma pequena manutenção, ela tem que pedir autorização para o órgão que tombou esse imóvel - [que] no caso do Centro Histórico é o Iphan. Isso gera muito conflito, isso gera muita complicação porque as pessoas não entendem muito bem e também acho que falta uma certa contrapartida do poder público para dar uma melhorada nesse ônus que a pessoa é obrigada a manter. O Iphan não tem recurso e não pode investir em um imóvel privado, não é função do Iphan investir na manutenção desses bens. Então a pessoa só tem a restrição e não tem benefício”, pontua.
 
Segundo ela, há alguns anos foi aprovado a isenção do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) para imóveis em condições regulares de manutenção, mas só isso não é suficiente.

“Realmente, faltam contrapartidas para o poder público de alguma forma oferecer primeiro serviço de arquitetura gratuitos ou meios de financiamento, algum subsídio fiscal, principalmente para as pessoas mais pobres. A gente está falando de um centro que é muito heterogêneo. Em alguns lugares são lojas grandes que tem condições de manter seu imóvel em condições e em outros tem lojinhas menores que são comércios familiares e tem pessoas que realmente moram em condições muito precárias no centro, que realmente não tem condições de manter, não tem condições de fazer uma manutenção periódica e a casa está, literalmente, caindo na cabeça dessas pessoas”, diz.
 
Problema complexo

Maria Bárbara cita que a situação do Centro Histórico não pode ser resumida como problema de pessoas em situação de rua, ao Iphan ou a Prefeitura de Cuiabá. “É uma série de coisas. A vida mudou, esse centro tem uma outra função hoje, as pessoas vivem de outra forma, se relacionam de outra forma com esse centro. O valor da terra também é outro, existem outros interesses que estão sendo mais explorados, digamos assim, e tem de fato a degradação física, a degradação social. Tem essa população de rua que está lá, e é um problema que ninguém quer resolver. Se falar com a Prefeitura, a Prefeitura vai mandar a Polícia, o único braço do estado que chega nessa população é a Polícia e não é assim, não é com a Polícia que você resolve esse problema, não é prendendo essas pessoas, é entendendo o que aconteceu para uma pessoa chegar numa situação dessa. Ela precisa ser reinserida na sociedade de alguma forma para que ela passe a contribuir de volta com o coletivo, mas ela precisa ser tratada como uma pessoa, não como um problema invisível”.
 
Maria Bárbara defende políticas públicas a longo prazo. “Não existe uma coisa que vai resolver, é uma série de ações de várias esferas do poder público e da sociedade também, principalmente ações continuadas, ações a longo prazo. Não é uma gestão, não são quatro anos que vão resolver ou que vão mudar a cara do centro. Pode mudar, mas são coisas que precisam ser organizadas e mantidas em um pacto por Cuiabá, não de uma gestão A ou de uma gestão B e sim das próximas 10 gestões. Isso só é possível a partir da construção de políticas públicas duráveis e duradouras”.

O papel do Iphan e da Prefeitura de Cuiabá
 
O Iphan é responsável por reconhecer o imóvel como patrimônio histórico. Além disso, ele fiscaliza e orienta o proprietário para que ele não de descaracterize. Contudo, se tratando de uma área urbana, o prefeito Emanuel Pinheiro ainda tem suas competências asseguradas, conforme a arquiteta e urbanista. “Existem instrumentos que são assegurados para o município, só o município pode aplicar e que podem favorecer sim a preservação, a valorização, a recuperação de áreas urbanas”, pondera.

Três exemplos que podem ser usados pelo Município foram citados por Maria Bárbara. A desapropriação, o IPTU progressivo no tempo e transferência do direito de construção. "É um trabalho realmente muito pesado que somente a Prefeitura tem meios legais, de fato, de mudar alguma coisa nesse sentido, mexer e desenrolar esse ‘rolo’ todo fundiário e fazer com que esses imóveis estejam disponíveis no mercado imobiliário para serem usados”, finaliza.

(Colaborou Michael Esquer)
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