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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Gás mais caro do país

“Cada dia ele sobe, fica difícil comprar”: conheça a rotina de quem voltou a cozinhar com lenha em MT; veja vídeo

Foto: Michael Esquer/Olhar Direto

“Cada dia ele sobe, fica difícil comprar”: conheça a rotina de quem voltou a cozinhar com lenha em MT; veja vídeo
“É muito triste, a pandemia chegou e tudo ficou caro, principalmente o gás. Cada dia que passa ele sobe, fica muito difícil comprar”. Este é o desabafo de Rafaela Rodrigues de Oliveira, 22 anos, ribeirinha e moradora do Distrito da Passagem da Conceição (região metropolitana de Cuiabá). A sua queixa sintetiza a realidade enfrentada por algumas famílias mato-grossenses que, diante dos aumentos consecutivos no preço do botijão têm se visto obrigadas a substituir o fogão a gás pelo fogão a lenha. 


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Custando R$ 125, Mato Grosso é o estado do país que possui o maior preço máximo de gás liquefeito de petróleo (GLP), o gás de cozinha de 13 kg. Os dados são da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que publica mensalmente os preços de GLPs comercializados em todos os estados brasileiros. 

“Tem vezes que não demora muito [para acender o fogo]. Tem que ir no mato, procurar a lenha, cortar com machado, ou se não tiver o machado, com facão, e aí a lenha tem que tá seca e quando chove é difícil acender porque a lenha está molhada, aí fica bem difícil acender o fogo”, conta Rafaela ao Olhar Direto sobre as dificuldades do processo que, há cerca de um mês, desenvolve diariamente cozinhando para a família.


 


Trabalhando como ajudante de descarga de caminhão em uma empresa da cidade, o marido de Rafaela é, atualmente, o único membro da família que está empregado. Do salário mínimo que recebe, cerca de R$ 1.100,00, dependem ela, as duas filhas do casal, Hadassa e Isadora, de 7 e 3 anos, e, ainda, os pais de Rafaela.

“A minha mãe tá há dois meses sem gás, eu comprei o gás pra ela, como meu pai não trabalhando, então eu comprei o gás pra ela esse mês. [Usamos o fogão a lenha para] fazer almoço, cozinhar feijão, fazer um  doce também, cozinhar legumes, essas coisas, porque se for usar só o gás não dura um mês”, comenta.

Para a ribeirinha, a principal preocupação é com o aumento que tem acontecido de forma consecutiva no valor do botijão de gás. No seu bairro, o item já teve mais de três aumentos neste ano e é agora encontrado por R$ 120. Diante dessa realidade, obrigada a abrir mão do fogão a gás, ela utiliza o fogão a lenha para fazer a maior parte das refeições da família. 

“É muito difícil, a gente começou a utilizar bastante o fogão a lenha, porque o gás tá muito caro, o pessoal aqui vende pra gente a R$ 120. Resta usar o fogão a lenha, porque quem não tem dinheiro, não tem uma renda pra comprar um gás é só o fogão a lenha”.
(Foto:Michael Esquer/Olhar Direto)

“O que você  ganha no seu salário você vai tirar só para o gás”

Há duas quadras de distância de Rafaela, mora Gonçalo de Oliveira Pinho, de 54 anos, seu pai, também ribeirinho de Passagem da Conceição. O ancião tem a mesma preocupação da filha e, assim como ela, diante dos vários aumentos no preço do botijão em Mato Grosso, também se viu obrigado a trocar fogão a gás pelo de lenha neste ano.

“Esse gás tá subindo quase toda semana, todo mês tá subindo, então vai ficando cada dia mais difícil pra nós aqui. Então o que acontece, [nós] utilizamos o fogão de lenha, mas o certo mesmo é dar uma baixada, principalmente no gás”.

Quando pensa no futuro, baseado no ritmo que vê hoje, Gonçalo diz, preocupado, que talvez não seja possível para a família voltar a utilizar o gás com frequência, como utilizavam antigamente. Assim como Rafaela, ele descreve a rotina de dificuldades que envolve desde a retirada da madeira, processo que tem que ser feito algumas horas antes do cozimento, até as horas que o processo leva. 

“Vai no mato corta madeira, guarda em um canto, de manhã cedo, tem que acordar uma hora antes para poder fazer o café", diz. "A gente vai chegar uma época em que a gente não vai mais cozinhar no fogão de gás porque o que você  ganha no seu salário você vai tirar só para o gás, só isso, e vai só o fogão de lenha”, completa.

(Foto: Michael Esquer/Olhar Direto)

Pautada no dólar, economia brasileira superfatura custos domésticos 

Para Fernando Henrique da Conceição Dias, economista mestrando em Economia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), para entender o aumento do gás, é preciso compreender, por exemplo, a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), adotada pela Petrobras. Nesse sistema, diz o pesquisador, a companhia se pauta no mercado internacional para salvaguardar acionistas estrangeiros. 

“Os preços internacionais acabam interferindo na nossa economia doméstica, justamente por causa da globalização financeira. É bem complicado, porque você tem um PIB [Produto Interno Bruto] e um IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] com números muito ruins, o custo de vida do brasileiro perdeu poder e o real está se corroendo. Quando o dólar está alto, a tendência é que a economia doméstica sofra muito com isso. A gente está, infelizmente, com o dólar que já chegou a quase seis reais”, explica Dias. 

Quanto aos mais afetados com esse momento da economia de alta da inflação no país, o pesquisador aponta que famílias como as abordadas na reportagem, se tornam as mais afetadas. Isto porque com o valor do salário mínimo, não é possível arcar com os custos domésticos básicos de uma casa. O gás (R$ 120), por exemplo, no bairro de Rafaela, em Passagem da conceição, corresponde a mais de 10% do valor bruto de um salário mínimo (R$ 1,1 mil). 

“[Além disso], ele [brasileiro] vai pagar de R$ 300 a R$ 400 para aluguel. Ele precisa sobreviver e com um salário mínimo ele não está conseguindo mais. Isso impacta muito nas famílias de baixa renda. Hoje o real é a pior moeda que tem em relação ao dólar e o brasileiro está percebendo. Alta dos alimentos, alta da energia elétrica, alta do gás na cozinha, alta no combustível. Vai chegar um momento que vai saturar, a população não vai aguentar mais”. 

Sobre o papel do Governo, o pesquisador explica que apesar da tentativa de diminuir a inflação através da alta do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), a medida é tímida e não tem tido sucesso. Ele cita ainda a desvalorização da moeda brasileira em relação ao dólar, diante, entre outras coisas, da desconfiança do plano de recuperação fiscal brasileiro e grande preocupação com o caminho contrário adotado pelo país em relação a governança climática sustentável, que, segundo ele, fazem com que o Brasil seja mal visto. 

“O que precisa ser feito é: a gente precisa fazer a lição da economia doméstica, que não está sendo feita. E a gente só faz isso com uma política de cunho social, uma política de distribuição de renda, de crédito, de custo social. Porém, isso não está ocorrendo, porque a gente está em pandemia, tem o auxílio emergencial, o índice de desemprego aumentou, a gente não está conseguindo ter força de produtividade”, finaliza.
 
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