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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Risco ambiental

'Vai acabar de uma vez': ribeirinhos alertam sobre impactos de construção de usinas no Rio Cuiabá

Foto: Michael Esquer/Olhar Direto

Edegar, ribeirinho e pescador profissional de São Gonçalo Beira Rio

Edegar, ribeirinho e pescador profissional de São Gonçalo Beira Rio

A possibilidade de construção de seis usinas hidrelétricas, pela Maturati Participações S.A. e Meta Serviços e Projetos LTDA, no leito do Rio Cuiabá tem despertado a preocupação da comunidade de ribeirinhos de São Gonçalo Beira Rio, em Cuiabá. Entre artesãos, pescadores e donos de peixarias, a opinião é a mesma: os empreendimentos devem piorar a qualidade da água e diminuir, ainda mais, a população de peixes da região, além de contribuir para a degradação de um ícone da cultura cuiabana. 


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“Pra gente é um caso triste, pra gente que é ribeirinho aqui, praticamente vai acabar com o rio de uma vez, porque os peixes são para transitar no rio e a usina impede os peixes de transitar. Vai prejudicar todo mundo na beira do rio e os ribeirinhos tão tudo triste de saber”, conta ao Olhar Direto, Gilmar Correia da Silva, 77 anos, ribeirinho e dono de uma peixaria na comunidade. 

Com projetos de construção previstos para os municípios de Cuiabá, Várzea Grande, Acorizal, Jangada, Rosário Oeste e Nobres, as usinas devem ser instaladas utilizando a pressão do represamento da água pela inexistência de queda d’água na Capital. Apesar de ainda não ter sido aprovada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT), a construção desperta medo naqueles que dependem direta ou indiretamente do rio.

“Aqui no São Gonçalo Beira Rio chega a passar mais de 20 mil pessoas no final de semana, por causa dessa natureza que ainda existe, as matas, o rio, e o lugar rústico, que ainda é um pouco parecido como era antes, isso que o povo gosta de ver. Não é lugar luxuoso, ambiente fechado, pessoal gosta disso aqui, de ver a beira do rio, nós dependemos dessa margem de rio aqui sem ela nós não sobreviveremos mais também”, desabafa Edegar Rodrigues de Barros, ribeirinho e pescador profissional de São Gonçalo Beira Rio. 

Nascido e criado na comunidade, Dalmi Lúcio de Almeida, 80 anos, é outro entre vários ribeirinhos que já se aposentou da pesca. Ao relembrar os tempos de abundância que presenciou no Rio Cuiabá, ele compartilha a visão pessimista de um cenário que pode se tornar ainda pior nos próximos anos. 

"Hoje você não toma banho no rio mais por causa da poluição. As draga tão acabando com todo o rio, agora ainda vir usina, aí o Pantanal vai acabar, vai acabar o rio. O peixe hoje não tem nem 10% do que tinha e se vier as usinas ai vai acabar o resto, que o peixe não vai ter jeito de subir pra poder depois descer pra desovar. Já não tem peixe mas aí piora mais ainda”.

Alice Conceição de Almeida, ribeirinha e artesã, também é outro exemplo. Com 74 anos, nunca morou em outro lugar que não fosse sua comunidade. Em seu relato, ela explicita outra aflição da comunidade tradicional de São Gonçalo Beira Rio: a sustentabilidade da cultura, ligada essencialmente ao símbolo representado pelo Rio Cuiabá. 

“A gente tem artesanato, tem a cultura, e isso pra nós é maravilhoso, é uma coisa que a gente sempre tem que tender a preservar, que é o que a gente tem. Apesar que o rio já tá bem destruído, mas pra nós é importante, pra gente que viveu tomando água do rio pra nós é importante”, compartilha. “O que a gente quer é que isso não aconteça, que o governador tenha essa consciência de não aprovar esse projeto que tem pra construir essa usina”.
 
Da esquerda para a direita, Alice, Dalmi, Gilmar. (Foto: Michael Esquer/Olhar Direto)

Além do rio, o Pantanal também deve ser impactado 

Para o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Ibraim Fantin da Cruz, doutor em Recursos Hídricos — integrante de grupo técnico contratado pela Agência Nacional de Águas (ANA) que realizou um estudo inédito de identificação de locais que são prioritários para conservação na bacia do Alto Paraguai, do qual o Rio Cuiabá faz parte—, a construção das usinas devem potencializar os impactos tanto em Cuiabá, quanto no Pantanal, bioma que depende diretamente do rio. 

"O interesse maior aqui está relacionado à sensibilidade ambiental da nossa bacia. Não é qualquer bacia, nossa bacia integra o Pantanal, o Pantanal é um sistema frágil, que depende das águas. A característica essencial é essa sazonalidade, essa variação de secas e cheias que mantém a sua biodiversidade, então associado a essa biodiversidade, você tem toda uma cultura associada a esse sistema”, esclarece Fantin.

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“Quando a gente fez o zoneamento, a proposição sobre a viabilidade, a sustentabilidade dessas usinas, a gente identificou que a implementação dessas usinas aqui pro Cuiabá traria um risco bastante grande para sustentabilidade do Pantanal”, comenta. “A gente precisa olhar o Pantanal em termos de serviços ambientais que ele está promovendo. Você tem o uso finalístico da água, que a gente precisa do consumo, mas depende também de todo o sistema, o funcionamento do Pantanal depende dessa água. Perturbações implementadas dentro da bacia podem trazer um risco iminente e impactos negativos relevantes para toda a comunidade”. 

Quanto à denominação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), classificação das usinas previstas para o Rio Cuiabá, o pesquisador explica que esta definição está atribuída unicamente a sua potência, que não deve exceder os 30 MW. Fantin, porém, destaca que isso não exclui o impacto acumulado, uma vez que são várias obras planejadas para um dos maiores rios da Bacia do Alto Paraguai. 

“O rio Cuiabá em si não tem nada de pequeno, então você imagina uma estrutura para barrar um rio como o rio Cuiabá, um dos maiores rios da bacia com grande volume de água, variação bastante significativa dos níveis da vazão. O que eles definem pra falar uma PCH é a potência. Como ele tem uma potência menor, eles consideram como pequena, mas a estrutura em si, ela será um empreendimento bastante importante [em termos de tamanho]”.
 
Pescadores podem ser um dos mais afetados. (Foto: Michael Esquer)

Governador diz que é papel da Sema aprovar obras

A Sema-MT está avaliando e deve encaminhar em breve para o Palácio Paiaguás a votação para a liberação das seis usinas hidrelétricas no leito do Rio Cuiabá. Taxado como polêmico por vários deputados, porém, o projeto não deve passar pelo crivo de comissões da Assembleia Legislativa. Isto porque para o governador Mauro Mendes (DEM) não é papel da Casa de Leis aprovar esse tipo de proposição. 
 
"Essa lei de aprovar usina na AL [Assembleia Legislativa] é um absurdo. O Supremo já derrubou essa lei. Não é papel da AL aprovar licença ambiental. Isso acontecia nos tempos em que todos sabem o que acontecia aqui, de negociação para extorquir empresários”, disse. “A Sema que tem competência para avaliar isso. Eu não conheço o projeto, mas não sou eu, o governador, que irá entrar no mérito, no impacto, nos riscos, pois tem muita gente que fala sem conhecer. Eu não conheço, por isso não vou dar opinião. A competência disso é da Sema e dos técnicos que lá trabalham", completou o governador no dia 7 deste mês.

O que diz a pasta

A fim de questionar o posicionamento da pasta sobre a manifestação contrária de ribeirinhos, entre outras organizações socioambientais quanto ao avanço do projeto, a reportagem procurou a Sema, que disse que o processo de licenciamento das usinas ainda não passou por nenhuma análise e encontra-se sobrestado — parado, à pedido do solicitante. 

“A Sema-MT informa que o processo de licenciamento de seis Pequenas Centrais Hidrelétricas no Rio Cuiabá ainda não passou por nenhuma análise, e no momento está  sobrestado (paralisado, a pedido do solicitante) para que ele apresente novos documentos e estudos que estão pendentes no processo. Cabe ressaltar que a Sema preza pela transparência, e faz parte do processo a realização de audiências públicas, momento em que serão colhidas as contribuições da sociedade. Esclarecemos que após a consulta pública, a análise técnica e legal será feita pela Sema para que não ocorra prejuízos para o meio ambiente e comunidade envolvida”, disse em nota enviada à reportagem.
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