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Cerca de 10% da população de Cuiabá foi para as ruas protestar contra corrupção

Da Redação - Jardel P. Arruda

Cuiabá adormeceu com a certeza de ter passado por um dos seus dias mais importantes e de que a Assembleia Legislativa, conhecida como “Casa Cidadã”, nunca foi tão visitada em um único dia quanto nessa quinta-feira (21). Se todo país foi marcado por um dia de protestos, a capital de Mato Grosso registrou a maior proporção de manifestantes: cerca de 10% da população saiu às ruas para protestar contra a corrupção, segundo dados da Polícia Militar confrontados com o último censo do IBGE.

A princípio, a Polícia Militar estimou a presença de pelo menos 20 mil pessoas na concentração do ato marcado para começar as 17h, na Praça Alencastro, em frente a Prefeitura de Cuiabá. Pelo menos cinco vezes mais que o total de pessoas reunidas no movimento do dia anterior, quando estudantes secundaristas se uniram para pedir melhorias no transporte público. Mais tarde esse número pelo menos dobraria.

A quantidade de pessoas no local foi o suficiente para surpreender a imprensa presente, visto que ninguém se recorda de qualquer manifestação com esse número de participantes em Cuiabá. As pessoas eram tantas que transbordavam da Praça Alencastro para a vizinha Praça da República e por todas as ruas adjacentes, indo do Cine Teatro até além do calçadão da Ricardo Franco.



Ainda na concentração era possível notar algumas das características marcante do movimento. A massa era heterogênea, formado por pessoas avulsas, desiludidas com o sistema político brasileiro, sindicatos e lutas encapadas há anos, juventudes partidárias da esquerda e da direita, movimento estudantil e outros tantos.

Cada grupo organizado com uma liderança própria, com seu próprio alvo, com seu próprio protesto, tentando fazer o próprio discurso se sobressair sobre o outro, mas em geral abafados pelos avulsos, ou pela tentativa de outro grupo de tentar liderara a massa. Por fim, ninguém liderou ninguém.

E a cada minuto que passava mais pessoas chegavam por todos os lados, sozinhas, em grupos ou “batalhões”. Um trio elétrico estacionado ao lado da concentração acabou sendo hostilizado pela massa que repudiava qualquer possibilidade de alguém discursar para se auto-promover. A estrutura ao menos serviu para fotógrafos e cinegrafista terem ideia de como já era grande o movimento.



Se as pessoas são muitas, a paciência é pouca. Rapidamente o grupo se pôs a marchar em direção a Avenida Tenente Coronel Escolástico, a Prainha. Primeiro aos poucos. Andando alguns metros e parando em seguida para dar oportunidade ao trânsito a frente se organizar. Até que, por fim, entraram na Prainha, interrompendo de vez o fluxo de carros, seguindo adiante como uma grande serpente feita de pessoas, gritos e protestos.

A frente do grupo seguiam várias viaturas dos agentes de trânsito da prefeitura de Cuiabá. Depois um cordão de alguns manifestantes que tomaram a frente da segurança que, para impedir qualquer acidente, impunham um limite de velocidade ao avanço de quem vinha de trás.

Um viaduto e a bandeira gigante

E enquanto o grupo seguia marchando pela Prainha, mais pessoas se uniam ao movimento. Pessoas que chegavam em grupos, vindos do sentido contrário ou pelas ruas laterais da caminhada, ou indivíduos que decidiam de última hora, ao ver o protesto passar, a também fazer parte daquele ato inédito em Cuiabá.

Logo no entroncamento da Prainha com a Avenida Mato Grosso, aonde começa a Avenida Historiador Rubens de Mendonça, a Avenida do CPA, o sol já havia se posto. Sob o manto azulado do começo da noite, as faixas e cartazes brilhavam com a iluminação artificial das lâmpadas públicas.



Em seguida começava a subida da Av. do CPA, justamente em um curva em forma de ‘S’. Lá subi em um muro para tentar fazer uma foto melhor de toda extensão do movimento. Enganei-me ao imaginar que poderia ver todo grupo. Na verdade, uns cinco minutos depois de a “cabeça” do movimento passar por mim, ainda parecia estar apenas no começo. Desci correndo com medo de não conseguir alcançar a dianteira novamente.

A subida da avenida então se acentuou e a velocidade da marcha diminuiu um pouco. As palavras de ordem não diminuíam. Cada trecho daquela multidão com sua própria reivindicação. Cada uma atacando seu alvo favorito. Hora o prefeito Mauro Mendes. Hora o deputado José Riva. Hora o governador Silval Barbosa. Os três “preferidos” dos manifestantes. Mas claro, também sobrou para o deputado Marcos Feliciano e o projeto de “cura gay”.

Enquanto a marcha seguia estrada acima, muitos fotógrafos se posicionaram acima do viaduto da Avenida do CPA. De lá era possível ver “O Gigante acordado” se aproximar com os cartazes e faixas reluzentes, em uma massa de pessoas aparentemente interminável. Quando os manifestantes começaram a passar debaixo do viaduto nada do fim da fila de pessoas aparecer no horizonte, quase todos ali de cima soltaram um “uau”, ou algo similar.

De repente surgia a vista de todos a bandeira do Brasil “gigante”, estendida sobre vários manifestantes, tremulando como se estivesse viva, a se aproximar também. Quando ela passava por debaixo do viaduto era possível ouvir um grupo de pessoas, próximos a ela, cantando o hino nacional. Naquele momento já era possível se perder sobre para qual lado do viaduto haviam mais manifestantes. A Avenida do CPA parecia estar tomada de sua base até a curva onde fica o supermercado Comper.



Mas já não era hora para se espantar com a quantidade de pessoas. Era hora de acompanhar a movimentação. Um grupo de fotojornalistas pegou um táxi para chegar a Assembleia Legislativa, o destino fina do protesto, antes do aglomerado de pessoas. Outro decidiu seguir a pé junto do protesto.

Desci do viaduto determinado a alcançar a dianteira do movimento novamente. Mas eu devia entender que se realmente quisesse fazer isso deveria ter pegado aquele táxi. O “Gigante acordado” era grande demais para ser vencido por uma pessoa sozinha. O número de manifestante já parecia ter dobrado na minha percepção.

No caminho, quem tinha sede e tentava comprar água em algum estabelecimento no caminho se deparava com lojas lotadas. A maioria delas controlava quantas pessoas entravam por vez fechando as portas quando decidiam que estavam lotados. Lotadas também estavam as sacadas dos prédios, as janelas de estabelecimentos comerciais, cheios de pessoas filmando o movimento, aplaudindo e, as vezes, gritando alguma palavra de apoio.

A “Casa Cidadã”

Depois de vencida a Avenida do CPA, o movimento entrou no Centro Político Administrativo e “montou base” na Assembleia Legislativa. As pessoas eram tantas que grupos iam ficando pelo caminho, ainda em frente a sede da AMaggi e do Cenanrium Rural, porque não cabia todo mundo no pátio da AL.

Assembleia que costuma ser chamada pelos deputados estaduais de Casa Cidadã. Dessa vez, sem nenhum deputado lá dentro, a verdadeira massa cidadã chegava a frente do edifício. Mas se estava vazia de parlamentares, havia vários policiais militares, inclusive uma força de reserva de homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope), pronta para alguma situação emergencial que não aconteceu.



Enquanto a polícia ficava aquartelada em sua maioria – um pequeno número fazia um cordão humano em frente a porta da Assembleia Legislativa para impedir uma invasão -, os manifestantes se concentravam em frente do prédio e protestavam lançando críticas contundentes, as vezes obscenas, ao deputado Riva e ao governador Silval.

O deputado então passou a dominar as palavras de ordens. Muito vaiado, acusado de corrupção e “intimado” a deixar a vida política, José Riva se tornou alvo até de uma pichação em uma das paredes da Assembleia. Em outros momentos, um manifestante projetava uma imagem contra ele nos muros do prédio.

Pouco se viu de confusão no local se levado em consideração o tamanho do ato. Um grupo de manifestantes mais exaltados quebrou alguns vidros do rol de entrada da Assembleia e outros da entrada do Instituto da Memória do Legislativo. Depois outro grupo incendiou o conteúdo de um container de lixo. Rojões também eram estourados a esmo, ocasionando o ferimento de uma pessoa.

Contudo, a cada ato desses surgia um coro de vaias. A grande maioria queria um ato totalmente pacífico, sem qualquer atitude que pudesse ser taxada de vandalismo. Tamanho era o espírito “ordeiro” e a predisposição da maior parte dos manifestantes de entregar os exaltados que mais tarde alguns dos presentes criticariam em redes sociais a passividade do ato, negando-se a chamá-lo de protesto.

Apesar das vaias aos chamados de “vândalos” pelos outros manifestantes, a única ação da Polícia Militar durante o ato foi de conter os ânimos dos pichadores e denunciar para Polícia Civil o manifestante que furtou uma bandeira de Mato Grosso das hastes da Assembleia Legislativa. 

Confusões a parte, o ato continuou com mais palavras de ordem, até que depois das 21h grande parte dos manifestantes já se dispersava. Algumas pessoas puxaram a liderança do ato e começaram, em um jogral, a discursar sobre a continuidade do movimento até que surja algum resultado prático. Eles ainda convocaram a todos para um novo ato no sábado (22) e novamente avisara:

"Amanhã vai ser maior!"

O vazio tão cheio

Antes das 22h todos os manifestantes já haviam deixado a frente da Assembleia Legislativa. Agora só restavam alguns profissionais da imprensa e a Polícia Militar, que se auto-parabenizava por ter tido uma atuação sem entrar em confronto com as pessoas do ato.

Era também a hora de ouvir as estimativas de quantos manifestantes saíram as ruas. O tenente coronel Serbija calculou 30 mil. Contudo, seria apenas uma estimativa. Do helicóptero chegaram a falar em 40 mil, enquanto outros policiais arriscavam no máximo 25 mil. A dificuldade do calculo era creditado aos muitos espaços vazios entre a grande massa.

Antes do tenente coronel, outros policiais já haviam repassado o número de 50 mil pessoas atravessando a Avenida do CPA. A confusão ficaria ainda maior depois de voltar para redação e ver as fotos de um “outro” protesto, que fez o mesmo trajeto do dia anterior. Na imagem, a Avenida Isaac Póvoas aparecia totalmente tomada por pessoas com cartazes. Algumas pessoas nas redes sociais arriscavam que a soma dos dois atos seria de 100 mil pessoas.

O último número ventilado parecia bem irreal, mas a possibilidade de Cuiabá ter reunido mais de 50 mil pessoas nas ruas passou a ser unanime para quem examinava as fotos e esteve presente nos atos. E se levar em conta o mais recente senso do IBGE, o qual confere 551.098 habitantes a Capital de Mato Grosso, esse número de manifestantes significa 9,07% do total dos moradores da cidade. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, as 300 mil pessoas em protestos significavam pouco mais de 2% da população da cidade.
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