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CGE identifica sumiço e prejuízo milionário em gestão de medicamento para doença rara

Da Redação - Wesley Santiago

Auditoria feita pela Controladoria Geral do Estado (CGE), ao qual o Olhar Direto teve acesso com exclusividade, apontou diversas irregularidades na aquisição, gestão e distribuição da Somatropina Humana 12 UI, utilizada para tratar doenças raras de crescimento, mas também por pessoas saudáveis para fins estéticos. O relatório identificou sumiço de várias unidades, dispensa em excesso de mais de R$ 3 milhões em frascos e até um servidor que era o responsável por prescrever o fármaco em sua atividade privada, mas também por avaliar e deferir as solicitações do medicamento na rede pública de Mato Grosso.

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Os auditores realizaram o levantamento no período de abril de 2017 a setembro de 2019, com observância às normas e procedimentos aplicáveis à Administração Pública quanto à legalidade, legitimidade, economicidade e quanto aos critérios da legislação vigente.

O relatório foi enviado para a Secretaria de Estado de Saúde em dezembro do ano passado e para o Conselho Regional de Medicina no início de janeiro deste ano.

Auditoria
 
A auditoria feita pela Controladoria Geral do Estado (CGE) na gestão da Somatropina Humana 12 UI revelou irregularidades nas diversas fases da gestão do medicamento. Desde a aquisição, passando pela distribuição, controle de estoque e armazenamento, até a dispensação do fármaco ao usuário final.
 
Quanto a aquisição, foi possível identificar adesão à Ata de Registro de Preços no valor de R$ 2.398.750,00 referente a 15 mil unidades de Somatropina Humana 12UI quatro meses após o término de vigência desta. Além disto, houve registro no sistema de aquisição superior àquela efetivamente realizada demonstrando falha de controle.
 
O relatório aponta ainda que, na distribuição e controle de estoque, detectou-se o registro de saída por ajuste de estoque de 1.599 frascos de Somatropina Humana 12 UI, no valor de R$ 255.664,11. O registro é realizado quando, após inventário, percebe-se que o estoque físico é inferior ao estoque registrado no sistema.
 
Além disso, constatou-se o registro de saída de 3.981 unidades do medicamento, no valor de R$ 637.273,26, oriundos do Ceadis (3.963) e do Escritório de Barra do Garças (18) que não tiveram registro de entrada nos estabelecimentos de saúde de destino.
 
Também foi evidenciado no trabalho dos auditores registros de saída de 267 unidades de Somatropina Humana 12UI, no valor de R$ 38.980,69, para estabelecimento de saúde “não informado” em que não foi possível localizar o destino.
 
No mesmo período auditado, foram realizados três registros de saída por perda, utilizado quando o medicamento apresenta alguma avaria que inutilize seu uso. Além disso, em relação a 15 unidades do produto não foi possível localizar a destinação. Estes são medicamentos que entraram no estoque da unidade, não foram dispensados, registros de saúde, mas também não constam no estoque.
 
“Adicionalmente, observou-se uma inconsistência relacionada à dispensação de 62 unidades do fármaco que foram dispensados pelo estabelecimento de saúde, mas que nunca entraram em seu estoque”, aponta outro trecho do relatório.
 
A CGE ainda descobriu que um dos servidores da Secretaria de Estado de Saúde (SES) responsável pela avaliação e deferimento das solicitações de Somatropina Humana 12 UI também fazia prescrições do medicamento, em sua atividade privada. Nesse contexto, o servidor avaliou e deferiu 5.897 frascos do medicamento, o equivalente a R$ 604.176,70, que ele mesmo havia prescrito.
 
“Por fim, no que concerne à dispensação do medicamento ao paciente final, identificou-se que 54% das APAC’s foram avaliadas e dispensadas acima do limite estabelecido no respectivo Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas – PCDT, representando um total de 18.954 frascos de Somatropina Humana 12UI dispensados em excesso, no valor de R$ 3.041.370,15”, finaliza o relatório.
 
Somatropina Humana 12UI
 
Este é um medicamento distribuído no Estado de Mato Grosso para o tratamento da Deficiência do Hormônio de Crescimento – Hipopituitarismo e da Síndrome de Turner. O hormônio de crescimento (GH) possui como principal função a promoção do crescimento e desenvolvimento corporal, além de participar da regulação de proteínas, lipídeos e carboidratos.
 
Segundo o Protocolo de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da Deficiência do Hormônio de Crescimento – Hipopituitarismo (2018), a persistência de Deficiência de GH (DGH) em crianças “implica falha de crescimento e, nos casos graves, dificuldade de manutenção de normoglicemia”. Já nos adultos, “as principais consequências são dislipidemia, maior risco cardiovascular, baixa mineralização óssea e fraqueza muscular”.
 
Por seu turno, a Síndrome de Turner, de acordo com o respectivo Protocolo de Diretrizes Terapêuticas (PCDT), constitui-se na “anormalidade dos cromossomos sexuais mais comum nas mulheres, ocorrendo em 1 a cada 1.500 - 2.500 crianças do sexo feminino nascidas vivas”.
 
Além de possuir um custo elevado, a Somatropina possui uma alta demanda no mercado devido à sua utilização para fins estéticos.
 
Tem sido comum o interesse de pessoas saudáveis em realizar “reposição hormonal”, utilizando o GH com o propósito de reduzir gordura corporal e facilitar o ganho de massa magra.
 
Essa demanda, associada ao alto custo do medicamento, favorece o incremento do risco de que a Somatropina seja desviada para fins diversos daqueles a que é destinada.

Esquema
 
Em Bauru (SP), a Polícia Civil identificou – em 2017 - dois donos de academias que compravam medicamentos desviados por uma funcionária da farmácia de alto custo que funciona dentro do Hospital Estadual. A mulher e seu companheiro foram flagrados transportando várias caixas de um hormônio usado para crianças que têm problema no crescimento.
 
O remédio apreendido com a funcionária é a somatropina, que é o hormônio do crescimento e favorece o desenvolvimento do corpo, indicado principalmente para crianças com deficiência da substância. Mas, segundo a polícia, ele estava sendo usado por atletas para crescimento muscular.
 
Quando toma-se em excesso, a pessoa pode ter edemas no corpo, dores articulares, dores musculares, formigamento de mãos, os homens podem ter aumento de mamas e uma das consequências é a diabetes, porque ele interfere no metabolismo do carboidrato.
 
Condenação
 
Em 2017, um fisiculturista de Cuiabá e um então servidor terceirizado da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MT) foram condenados pela Justiça por desviar um medicamento a Farmácia de Alto Custo, em 2009.
 
Segundo o Ministério Público, Elves Boss Mattozo e Ruy Marinho de Sá Neto agiram em conluio para desviar um remédio que seria usado pelo fisiculturista para melhorar os resultados do treino dele.
 
Ambos foram condenados em setembro de 2015 pela juíza Selma Arruda, da Sétima Vara Criminal da capital. Eles recorreram e tiveram a sentença mantida, em outubro de 2017, pelos desembargadores da Primeira Câmara Criminal de Mato Grosso.
 
Em depoimento à Polícia Civil, durante as investigações e em Juízo, ambos confessaram os delitos, apesar de Elves ressaltar que não chegou a retirar o medicamento. Apesar de similar, o relatório não aponta relação entre este caso e o identificado na auditoria.

Outro lado

A Secretaria de Estado de Saúde encaminhou a seguinte nota:

A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT), por meio da Secretaria Adjunta de Unidades Especializadas, informa que tem ciência da Auditoria nº 0068/2019 e esclarece que a análise dos eventos mencionados no processo teve início em abril de 2017. Diante do relatório, a atual gestão da SES trabalha na execução das recomendações apontadas pela Controladoria Geral do Estado (CGE) e se coloca à disposição para auxiliar em qualquer apuração relativa à questão. 

Atualizada às 15h20
 
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