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Sexta-feira, 17 de maio de 2024

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Ex-ministro da Agricultura diz que vai faltar terra para o agronegócio em cinco anos

Foto: Divulgação

Alysson Paolinelli - ex-ministro da Agricultura

Alysson Paolinelli - ex-ministro da Agricultura

Ministro da Agricultura no governo do general Ernesto Geisel (de 1974 a 79), deputado federal constituinte (de 1986 a 90), professor da Universidade Federal de Lavras (MG), ex-presidente da CNA e atual presidente executivo da Abramilho, o engenheiro agrônomo Alysson Paolinelli, mineiro de 75 anos, 5 filhos e 14 netos, concedeu entrevista à Agro DBO, conduzida pelo nosso editor executivo, Richard Jakubaszko. Paolinelli acredita, como produtor rural, que o Brasil tem de tomar juízo e conhecer melhor nossos biomas, e faz diversas sugestões e críticas ao governo federal, aos produtores e pesquisadores, com a mística de ter sido um dos melhores ministros da agricultura de nossa história recente.


Agro DBO – O Brasil do agro já chegou ao futuro? Já somos o país do futuro? O celeiro do mundo?

Paolinelli – Sob o aspecto de produção eu diria que sim, mas pra chegar lá nós temos muito que caminhar.
Acho que nós já fizemos o principal, pois desenvolvemos uma tecnologia que é a primeira do mundo para a
região tropical do planeta. Por sorte nossa, essa tecnologia é muito mais avançada do que a desenvolvida na
quadrimilenar agricultura temperada. A agricultura temperada tem problemas seríssimos com relação à
sustentabilidade, sistema produtivo, degradação, recomposição da fertilidade, e nós estamos fazendo tudo
isso quase que sozinhos, e vamos avançar muito nessas áreas.

Agro DBO – E como nos manteremos nesse patamar?

Paolinelli – O primeiro ponto é que nós não conhecemos os nossos biomas. Nós sabemos sobre o Cerrado, a Mata Atlântica, e sobre o Pampa, mas nada sabemos sobre Amazônia, o Pantanal e a Caatinga, estranhamente,
e que têm sido relegados. Então, eu acho que temos ainda muita coisa pra fazer, temos muito que caminhar.

Agro DBO – Na Amazônia vai ser difícil trabalhar com o novo Código Florestal, pelo menos em termos de agricultura de escala...

Paolinelli – Não sei, eu também tinha essa dúvida... Veja, quando o Geisel me chamou para ser ministro da Agricultura, eu comecei a ler os documentos e trabalhos, e fiquei apavorado, só se falava em Transamazônica,
Perimetral Norte, etc. Eu fui a ele, com muita franqueza e disse: olha, eu não sei se vou ser um bom ministro, eu não conheço nada de Amazônia, já fui lá várias vezes, mas não conheço aquilo em profundidade. Ele me disse, naquele jeito explosivo dele, até que enfim alguém aqui diz alguma coisa lógica.

Pediu-me pra procurar quem entendia e disse “aí veremos como é que nós vamos resolver isso”. Eu tinha um amigo, Paulo de Tarso Alvim lá no sul da Bahia. Ele era um dos homens de maior clarividência do Brasil, um cientista com cursos de pós-graduação nos EUA e Inglaterra. Procurei o Paulo e disse pra ele dos problemas do governo, da Transamazônica, tinha aquela história do Médici de “integrar a Amazônia pra não entregar”, e contei pra ele que estava preocupado, e que achava perigoso, por não saber mexer naquele gigante que é a Amazônia.
Paulo me disse que achava que eu era um sujeito sincero, mas não tanto. E me disse ainda que ele também não conhecia, apesar de estar por lá há 21 anos. E emendou ainda que ninguém conhece aquilo lá. Também me disse que a única coisa que conhecia era uma tese sobre energia, de 1974, por causa do choque do petróleo. A Amazônia produz das 6 da manhã até às 6 da tarde toda a energia que o mundo precisa. E nós não sabemos tirar um quilowatt de lá. Fiquei espantado, perguntei se ele falava isso ao presidente, ele confirmou, e eu o levei lá.
O presidente Geisel entendeu tudo. Aí nós criamos 6 centros de pesquisa da Embrapa por lá. Depois que saímos do governo deu tudo pra trás. Por quê? É que não havia prioridade. Dos que eu levei pra lá, a maioria saiu também, foram para empresas privadas. E até hoje nós não botamos um sistema para pesquisar aquilo lá, não sabemos como buscar o conhecimento sobre a região e nem de fazer o manejo dos recursos naturais. E o que é isso? É o conhecimento do solo, da água, das plantas e dos animais. A gente tem que aprender a manejar isso.

Agro DBO – E o Código Florestal? Vai limitar isso no futuro?

Paolinelli – Acho esse código uma insanidade, isso aí é um absurdo! É um negócio de malucos! Agora, para
nos mantermos no patamar de celeiro do mundo, vamos ter de trabalhar muito, muito mesmo, vamos precisar de todas as regiões, do Nordeste, do Pantanal e da Amazônia. E temos de buscar soluções e conhecimentos,
e de todas as tecnologias possíveis. Sinto isso no Cerrado, o Cerrado eu classifico como uma caixa de segredos.
Você abre a primeira e tem uma porção de presentes, mas tem uma segunda caixa fechada. Você abre a
segunda e tem novos presentes, mas tem uma terceira caixa fechada, e assim vai... Nós abrimos só a primeira
caixa, até agora. O Cerrado, agora é que está sendo explorado no segundo estágio. Nós precisamos estudar
muito isso tudo.

Se alguém quiser ver os caminhos possíveis tem de ir ao Padap - Programa de Assentamento do Alto Paranaíba (MG), implantado pela antiga Cooperativa de Cotia. Era um programa para plantar soja, milho, um pouco de frutas. Hoje no Padap se produz tudo isso e ainda hortaliças e frutas, e até café, batata, cenoura, alho. Tá entrando trigo e outras coisas mais. É aí que nós vamos ganhar a batalha. Precisamoster o conhecimento sobre os nossos biomas, e isso é infindável. Por exemplo, por que nós não produzimos algumas sementes aqui no Brasil? É porque não temos a vernalização. É aquele efeito do frio, que faz a semente entrar em dormência e desenvolver alguns aminoácidos, e depois esses aminoácidos, no momento oportuno, circulam pela planta. Isso faz a planta florescer com maior vigor. Pois nós estamos fazendo isso não pelo frio, mas pela secura, pela
falta de umidade do ar. Quer dizer, são inovações, são tecnologias que a gente vai desenvolvendo. Nós ainda
não criamos plantas adequadas para muitas das nossas regiões, adaptadas para cada bioma. Isso é ciência, que
não podemos deixar em segundo plano. Agora, falta estrutura, especialmente na área de logística e de
organização rural, nisso estamos fracos. E o Código Florestal trouxe novos limites.

Agro DBO – Com o confisco de 20% de terras para reserva legal (estatuto legal inexistente em outros
países), é viável, em termos práticos, cumprir as exigências da lei? Ou será mais uma lei que não vai
“pegar”, como foi o próprio código anterior, desde 1965?

Paolinelli – É uma lei feita na base de “achismos”. Ela não prospera. Por quê? Porque ela cria ficções e quer
transformar essas ficções em ação fiscalista. Fazer uma ação fiscalista em cima de uma verdade é difícil, mas em
cima de uma ficção é impossível. Tenho uma figura de linguagem que expressa bem isso, quando se coloca um
fiscal, ou soldado, debaixo de cada árvore pra fiscalizar. Mas vai chegar um momento em que esse fiscal vai ter de
fazer suas necessidades fisiológicas, e se ele sair vão lá e cortam a árvore. Quer dizer, precisamos demonstrar
que a árvore vale mais em pé do que abatida. Ou seja, a gente precisa achar a economicidade disso.

“Nós desenvolvemos tecnologia agrícola para os trópicos, muito mais avançada do que a quadrimilenar agricultura temperada”

Agro DBO – Foi justo esse confisco da Reserva Legal?

Paolinelli – Aí eu vou chegar à conclusão
de que poderia ser até mais. Eu brigava muito, quando ministro, porque na Amazônia era de 50% naquela
época. Por que 50%? A gente podia errar, e autorizar a desmatar em 50% uma área que nunca deveria ser mexida, ao mesmo tempo em que poderia proibir uma área que podia e precisava ser integralmente manejada,
porque tem um zoneamento, tem um estudo que recomenda isso.

Agro DBO – Essas ilhas de reserva legal, elas resolvem o problema da manutenção da biodiversidade?

Paolinelli – Não, não resolvem. Aí é que está o erro. Porque o governo está transferindo a terceiros essa responsabilidade de tomar conta. O governo, com o poder de polícia que tem, com o poder econômico que
dispõe, não dá conta, e está transferindo a outros essa responsabilidade, e em muitos casos a quem não
é capaz. Também sou um produtor rural, produzo água, e em mais de 20% da minha propriedade (de 1.236
hectares) tem reservas naturais preservadas, mas só mantenho aquilo porque eu tenho uma segunda gaveta (outras fontes de recursos) de onde eu tiro dinheiro pra manter aquilo, mas o meu vizinho não tem
isso, e a maioria dos produtores não tem essa possibilidade.

Agro DBO – Conforme estudo revelado pela Abramilho, não restam mais do que 7 a 8 milhões de hectares de Cerrado num total de 192 milhões, dos quais 88 milhões estão ocupados por pastagens e lavouras e mais de 100 milhões de hectares com reservas florestais, indígenas e áreas urbanas. Qual é o caminho para se produzir mais alimentos? Só nos resta fé nas tecnologias?

Paolinelli – Eu acho fundamental a tecnologia pra gente manter essas áreas produtivas, sem criar nenhuma
briga com os ambientalistas. Fizemos esse estudo, abaixo do Paralelo 12, não mexemos acima disso. Trabalhamos em 450 dos 562 núcleos existentes, não são municípios. Nós estudamos essas regiões e vimos que não há muita área pra expandir. Então, a gente tem a seguinte solução: se expandir, nós temos só 5 anos pra
trabalhar, se considerarmos a média de expansão em 1,5 milhão de hectares ao ano. Não dá mais, chega-se nos 7,5 milhões de hectares que nós achamos na Abramilho. Nós vamos ter que investir muito em tecnologias
pra não perder a chance em pecuária de corte, em cultivos diferenciados, pra se obter num espaço menor uma renda maior. É o que estamos tentando fazer com a ILPf, com o programa ABC, se não fizermos isso nós não
temos saída, vamos ficar limitados, ou então vai começar a briga antes da hora, dentro de 5 anos, que é a
minha previsão.

Agro DBO – E aí teríamos que atualizar a legislação do código florestal?

Paolinelli – É claro! E até alerto pra mais: ou o Brasil toma juízo, e investe com a Embrapa, com as universidades,
com as instituições de pesquisa estaduais e privadas, maciçamente, na busca do conhecimento sobre o
manejo dos nossos biomas, ou vai ser terrível. A intocabilidade é um negócio perigosíssimo quando o mundo está começando a sentir a falta de recursos naturais. Intocabilidade é sinal de incompetência. Se você não toca, não conhece. Se você conhece, você pode tocar, porque você não vai degradar. Veja, o mundo que está crescendo, os especialistas falam que teremos 9 bilhões de pessoas em 2050, ou antes disso, o mundo não vai começar a gritar “ei, vocês aí, vocês têm reservas naturais, e não sabem mexer? Nós vamos precisar delas, e então nós vamos usar”. É esse o risco que nós corremos. Agora, corremos porque não tomamos a decisão política. O Brasil, hoje, tem condições pra isso. Quando nós fizemos a Embrapa, tivemos dificuldades, não havia profissionais. Quando eu abri o primeiro concurso da Embrapa, foi para 1.000 profissionais, e só apareceram 52 profissionais pós graduados, e 3 eram estrangeiros e 1 naturalizado. Hoje, você abre concurso para uma vaga na Embrapa, para 1 profissional qualificado, e aparecem 150 doutores. E só se passaram 40 anos. É outro país. Agora, esses doutores, de vez quando eu encontro por aí, um é motorista, outro é vendedor. Tá errado! Então, eu insisto, precisamos investir, em primeiro lugar, para conhecer os nossos biomas.

Agro DBO – O que o Governo Federal pode fazer para estimular o crescimento da produção de alimentos? Pesquisa? Seguro agrícola? Políticas agrícolas? Subsídios?

Paolinelli – Tudo isso, essa é uma fórmula que não foge à regra em nenhum lugar do mundo. Já chamei a
atenção disso em outras oportunidades. No mundo inteiro só se produz milho em grande quantidade onde o governo assumiu a posição dele. Qual é essa posição? Sustentar a safra. Com crédito, seguro, comercialização
e infraestrutura. Os EUA chegam a carregar até 4 anos uma safra, e ainda subsidiam. Então, o Brasil precisa
fazer algo. E nós já estamos trabalhando, porque aqui vai ser diferente, a iniciativa privada está vendo o que pode fazer, vai levar isso ao governo, vamos somar o trabalho, será mais racional do que aquilo que se fez na
Europa, na China ou nos EUA.

Agro DBO – Quais tecnologias devem ser adotadas para que se melhorem as médias de produtividade
da agricultura brasileira? Sementes? Fertilização dos solos? ILPF? Máquinas?
Manejo?

Paolinelli – Todas elas, mas para aumento de imediato chama-se assistência técnica e crédito. Acabaram com o nosso sistema de transferência de conhecimento. Eu soube que a nossa presidente está querendo voltar a implantar a assistência técnica, parabéns pra ela, porque isso é fundamental. Se a gente pegar o nível de tecnologia que nós já temos, e transferir, digamos pra 900 mil produtores pequenos, mesmo que se transfira a metade do conhecimento, a gente já duplica essa média de produtividade.
Agro DBO – O que é que tem de melhorar no seguro rural para a agricultura? O governo não deveria
também subsidiar o “seguro de renda” dos produtores?
Paolinelli – Temos que fazer o seguro rural, nós ainda não temos o seguro rural. Tem um Proagro, que
nem é seguro de crédito mais, e que fui eu que implantei em 1974. Nós temos que fazer o seguro, o de custeio
e o de renda, e temos de fazer os dois. No seguro de renda nós podemos incorporar o de custeio, mesmo que pagando um pouco mais, pra ter segurança.

Agro DBO – O que o agro tem de fazer para influenciar os sucessivos governos federais a nomearem ministros da Agricultura do ramo, e não gente de fora, oriunda da área política?

Paolinelli – Isso é difícil, infelizmente. Nós estamos numa fase muito complicada, a política deteriorou,
a gente sabe disso. Há enorme insatisfação com os políticos e os partidos, isso atrapalha muito. Hoje
temos uma proliferação de partidos, são mais de 30 partidos, e onde se faz um condomínio da base do governo, tem direito a participar do governo. Por isso, a maioria dos ministérios virou moeda de troca. O ministério da Agricultura que eu administrei foi dividido em quatro. Infelizmente, dos quatro ele é o mais fraco hoje.
Veja que no ministério do Meio Ambiente, os presidentes procuram um ministro fora dos partidos, o da Pesca
e o do Desenvolvimento Agrário também, mas o Mapa é do PMDB, e o partido dispõe do ministério da
Agricultura. Ah!, mas o ministro é fraco! É a melhor pessoa que eu já vi, mas não é do ramo. Imagino
que ele esteja constrangido, mas ele representa o PMDB, e ele tem que cumprir o seu papel. Precisamos de
alguém que recoloque isso em base mais racional. O que eu acho um absurdo é um país agrícola como o
Brasil ter um ministério da Agricultura à deriva.

Agro DBO – Sem um associativismo forte não há poder político: assim, como se pode convencer o produtor a ter mentalidade associativa, e não apenas cooperativista?

Paolinelli – Eu digo até mais, falta mentalidade participativa. O agricultor brasileiro está muito tranquilo,
porque ele vence a batalha dentro da porteira. Isso é horrível pra nós. Ele acha que está resolvendo
os problemas dentro da fazenda e de que isso tudo está bem, mas fora da fazenda ele é um fracasso,
ele não se organiza. Aí começam os nossos grandes erros. O agricultor não se organiza, e a nossa atividade já é dispersa por natureza, as nossas instituições são prolíficas, nós temos mais de 90 instituições representativas,
e nenhuma funciona ou tem representatividade.

Tenho grande respeito pela CNA, pelas rurais, pelas cooperativas, no Paraná e no Sul do país o cooperativismo funciona, mas o agricultor acha que o associativismo não funciona, que ele tá fazendo papel de palhaço, que o governo tá embrulhando. Não é assim, o produtor tem que valorizar o associativismo, a cooperativa e o sindicato, mas sinto ainda que nós não temos uma capacidade de representação política como deveríamos ter. Nós, como agricultores, temos que tomar posição política, sem isso a gente perde todas as votações no Congresso, como perdemos na votação do Código Florestal, por exemplo.

Conteúdo da revista Agro DBO, edição nº 40, que corresponde aos meses de dez/2012 e jan/2013.

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