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Domingo, 19 de maio de 2024

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Embrapa está revendo presença na África, diz presidente

Na segunda parte de sua entrevista à BBC Brasil, o presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, diz que, após expandir sua atuação pela África nos últimos anos, em movimento alinhado com a ofensiva diplomática do Brasil na região, a estatal está revendo sua estratégia para o continente.


“Queremos intensificar esse trabalho (a atuação da Embrapa na África), mas ele tem que ser intensificado de forma inteligente”, disse Lopes. “Não faz a sentido a Embrapa dispersar sua ação num grande número de países, fragmentando os recursos que são sempre escassos.”

A operação da Embrapa na África é a face mais visível da internacionalização da companhia. A estatal tem hoje quatro grandes programas no continente (no Senegal, em Moçambique, Mali e Gana), além de projetos de pesquisa em ao menos outros 18 países. A empresa também atua em nações latino-americanas, caribenhas e em Timor Leste.
No entanto, em outubro de 2012, críticas do Conselho de Administração da estatal à forma como a expansão internacional estava sendo conduzida foram apontadas como a principal razão para que o então presidente da companhia, Pedro Arraes, pedisse demissão.

Na própria África a atuação da Embrapa enfrenta a oposição de alguns grupos. Em Moçambique, a ONG Justiça Ambiental diz que agricultores locais não foram consultados sobre os trabalhos da companhia e temem ser desalojados em favor de grandes produtores estrangeiros. Lopes diz, porém, que pequenos produtores também serão beneficiados pela ação da empresa.

Leia os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – Qual o objetivo da internacionalização da Embrapa?

Maurício Antônio Lopes - O processo de internacionalização começou desde a criação da empresa, quando se fez a opção por contratar um grande número de profissionais enviados ao exterior. Em meados da década de 90, ampliamos e fortalecemos o nosso programa de cooperação internacional.
Já fizemos parcerias com instituições nos Estados Unidos, França, Holanda, Reino Unido, Alemanha, Coreia do Sul, China e, muito brevemente, estaremos também no Japão.
O grande objetivo desse projeto é permitir que a Embrapa esteja mais intimamente conectada com as instituições que estão na fronteira do desenvolvimento e da inovação na área agropecuária.

BBC Brasil - E quanto à crescente atuação da Embrapa na África?

Lopes - Esse trabalho faz parte de uma segunda vertente de cooperação da empresa, que se dá com a lógica da transferência tecnológica.
Muitas das conquistas do Brasil no desenvolvimento de uma agricultura adaptada aos trópicas podem servir a países que ainda não alcançaram sua segurança alimentar.

BBC Brasil – A empresa tem encontrado dificuldades para operar lá?
Lopes - Operar na África é um grande desafio, não só para o Brasil, mas para qualquer país e qualquer instituição, do ponto de vista da infraestrutura, da logística, do suporte que se pode encontrar em países africanos. Além das questões políticas com as quais nós, uma instituição de pesquisa e desenvolvimento, não podemos nos envolver diretamente.
A Embrapa não vai para a África apenas com sua agenda de pesquisa e transferência tecnológica: vai em sintonia com uma agenda definida pelo governo brasileiro através da sua Agência Brasileira de Cooperação (ABC).
Para ganharmos mais flexibilidade e agilidade, temos dialogado com FAO (Agência da ONU para Alimentação e Agricultura), que já tem toda uma rede estruturada de operação na África.

Internacionalização da Embrapa provocou críticas de especialistas
Queremos intensificar esse trabalho, mas ele tem que ser intensificado de forma inteligente. Temos que definir uma agenda muito clara e factível. Não faz sentido a Embrapa dispersar sua ação num grande número de países, fragmentando os recursos que são sempre escassos.
Estamos agora num processo de revisitar a estratégia e agenda de atuação da empresa na África para então definirmos mais claramente objetivos, países e projetos onde a empresa possa realmente dar sua contribuição.

BBC Brasil - Quais são os países prioritários e quando esse trabalho terá resultados?

Lopes - Já estamos operando em vários países com resultados muito bons. Por exemplo, estamos no chamado "Cotton Four", que são Benin, Chade, Mali e Burkina Faso, os principais produtores de algodão na África Ocidental.
Temos outra iniciativa muito importante com o envolvimento de Brasil, Moçambique e Japão, no projeto do corredor de Nacala, em Moçambique, que é uma região de 14 milhões de hectares com características muito semelhantes às do cerrado brasileiro.

BBC Brasil - O projeto beneficiará produtores locais?

Lopes - Locais e, eventualmente, Moçambique pode atrair produtores de outras partes do mundo para aquela região.

BBC Brasil - Brasileiros também?

Lopes - Sim, mas essa é uma decisão do governo de Moçambique. A função nossa lá é operar como braço tecnológico da ABC, facilitando a identificação de tecnologias de sucesso no Brasil para teste, validação e eventual adaptação àquela região.

BBC Brasil - Quais serão os principais cultivos?

Lopes - O grande interesse é replicar uma capacidade de produção de commodities, como milho, soja e algodão. Mas temos que considerar a questão fundiária em Moçambique e levar conhecimento e tecnologia para pequenos e médios produtores.

BBC Brasil - Em que fase está o programa?

Lopes - Está sendo implantado. Temos profissionais trabalhando com o governo de Moçambique e com a Agência Japonesa de Cooperação para estabelecer as condições para teste e validação de tecnologias desenvolvidas no Brasil para aquela região. Mas esse é um projeto de médio e longo prazo.

BBC Brasil - A crescente atuação da Embrapa no exterior não tira o foco da empresa para desafios ainda existentes no Brasil? O desenvolvimento da agropecuária no país ainda é muito desigual.

Lopes - Não vejo incongruência ou incoerência. A Embrapa pode sim dar suporte a essa estratégia do governo brasileiro, mas isso não tira o foco da empresa às assimetrias no Brasil.
Temos que buscar soluções tanto para produtores que estão buscando produzir em maior escala quanto para produtores pequenos em regiões mais complexas e desafiadoras, como o Nordeste e o Norte.

BBC Brasil - Por que a tecnologia não chega a todos?

Lopes - Grande parte das dificuldades dos agricultores nessas regiões não é tecnológica. A Embrapa tem que desenvolver e adaptar tecnologias mais adequadas e coerentes com realidade desses agricultores, e estamos fazendo isso, mas é preciso também acoplar isso a um conjunto de políticas públicas que garantam assistência técnica, crédito, treinamento e capacitação.
Estamos engajados numa discussão séria no governo brasileiro para encontrar soluções que ajudem a trazer esse grande contingente de produtores para o mercado.
Não temos a visão do produtor que produz hoje o que comerá amanhã, mas do produtor que tenha condições de se inserir e participar do mercado nacional de produção de alimentos.

BBC Brasil - Como aumentar a produção agrícola no Brasil sem desmatar novas áreas?

Lopes - Precisaremos aumentar a eficiência. Estamos trabalhando na busca de modelos de produção que integrem lavoura e pecuária, ou lavoura, pecuária e floresta. Temos cerca de 70 milhões de hectares de pastagens degradadas que poderão gradualmente vir a ser ocupadas por esses sistemas.
Isso casa com outro objetivo importante: desenvolver uma agricultura mais sustentável. A agricultura ainda contribui muito com a emissão de gases de efeito estufa. Precisamos reduzir ou substituir insumos que contribuem para essa emissão.
Outro grande desafio para a pesquisa agropecuária será trabalhar sistemas poupadores de mão de obra, porque ela tende a se tornar mais rarefeita no campo.
A pesquisa terá que trabalhar sistemas de automação, equipamentos e máquinas que inclusive tornem a vida no campo mais atrativa. Do contrário, a tendência das pessoas que se tornam mais escolarizadas é migrar para as cidades.

BBC Brasil - Além da urbanização, o envelhecimento da população brasileira cria novos desafios para a agricultura?

Lopes - Sim. A crescente pressão sobre sistemas de saúde e de seguridade social mostra que o paradigma da cura de doenças deverá cada vez mais ser substituído por um paradigma de prevenção de doenças.
A agricultura será pressionada a produzir alimentos com densidade nutricional e funcional cada vez mais elevada.

BBC Brasil - Há margem para produzir mais alimentos orgânicos no Brasil?

Lopes - A produção orgânica é uma vertente importante. No entanto, temos que ser realistas. Vivemos aqui no Brasil uma realidade de clima tropical com solos naturalmente de baixa fertilidade, expostos a intempéries por milhares, milhões de anos.
Aqui temos uma grande pressão de pragas e doenças, que, devido à humidade e à temperatura, se multiplicam rapidamente. Então produzir em maior escala conforme os preceitos da produção orgânica não é algo ainda factível.
Temos, sim, que fazer com que a produção em maior escala se dê da forma cada vez mais segura e sustentável, racionalizando o uso principalmente dos chamados defensivos ou pesticidas.
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