Olhar Direto

Terça-feira, 21 de maio de 2024

Opinião

Adequação das Leis Estaduais

Inicialmente, é fato que, desde o ano de 2002, a legislação processual civil tem sofrido alterações pontuais, mas profundas e de suma importância. Dentre as mudanças, estão a possibilidade de concessão de medidas cautelares inominadas em processos de conhecimento (artigo 273, §7º, do Código de Processo Civil - CPC, acrescentado pela Lei n. 10.444/2002), a possibilidade de prolatação de sentenças mérito de improcedência sem a oitiva da parte contrária quando se tratar de matéria apenas de direito e houver julgados anteriores do mesmo magistrado (artigo 285-A do CPC, acrescentado pela Lei n. 11.277/2006), a modificação do processo de execução, inclusive com a sua não aplicação para o cumprimento de sentenças (Alterações do CPC pela Lei n. 11.382/2006). Todas essas alterações foram realizadas, com a nítida finalidade de aumentar racionalidade, economia e eficácia prática do processo cívil, além de, por consequência, aliviar o Poder Judiciário de procedimentos e atos que somente aumentam desnecessáriamente a lentidão da justiça.

Nesse embalo, a Lei n. 11.441/2007 e a Lei n. 11.965/2009 alteraram a redação do artigo 982, do CPC, para incluir a faculdade do inventário e do partilha de espólios serem realizados por escritura pública, sem a necessidade de intervenção judicial.

Os requisitos processuais para a realização desse procedimento seriam: o acordo em comum dos interessados (meieros, credores, devedores, legatários e herdeiros), a capacidade civil dos mesmos, e o acompanhamento de um advogado. Preenchidos tais requisitos, o tabeleão estaria autorizado a lavrar a escritura pública, sem qualquer intervenção ou necessidade de ordem judicial, inclusive constituindo-a em título hábil para o registro imobiliário. Ou seja, com o falecimento de alguém, os interessados bastariam ir ao cartório competente, com os documentos necessários, e requerer a lavratura da escritura de inventário e partilha resolver a pendência. Destarte, retirar-se-ia do Poder Judiciário o dever de processamento de inúmeros casos em que inexistes conflitos reais a serem resolvidos.

Aos desavisados, essas situações estão a um passo de serem resolvidas, permitindo ao Pode Judiciário tratar melhor de questões em que sua intervensão seja realmente necessária, pois haveria uma drástica redução de trabalho desnecessário.

Todavia, o trato legislativo não abrangeu todos os entes envolvidos, esqueceram-se de combinar com os Fiscos Estaduais. Por norma constitucional, a competência de instituição do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos - ITCD, incidente nos casos de transmissão de propriedades causa mortis, é dos Estados-Membros e do Distrito Federal (artigo 155, I, da CF/1988). Logo, desde que respeitados os limites constituicionais, são os Estados que definem o momento exato da ocorrência do fato gerador, alíqüota, procedimentos de apuração e data de pagamento do tributo.

E, apesar de passados mais de dois anos da primeira mudanda do instituto processual, as legislações estaduais referentes ao ITCD ainda não se adequaram a nova realidade processual. A atualização não trataria apenas quanto ao procedimento de apuração do imposto, mas também quanto ao prazo para se ajuizar ou não o pedido de inventário, antes de 30 (trinta) dias, agora de 60 (sessenta).

Não é incomum a impossibilidade da lavratura de tal escritura "extrajudicial" de inventário e partilha, porque a legislação do ITCD local pode exigir a realização do ajuizamento do processo de inventário/arrolamento ou a apresentação da sua sentença, para, somente nesse instante, dar início à apuração do valor devido ao Fisco Estadual. Assim, essa impossibilidade surge, justamente causada pela inexistência do processo judicial nos casos da lavratura por estritura pública de inventário e partilha.

A inviabilidade pode se tornar mais forte, ao observarmos que a prova de quitação dos tributos incidentes sobre a transmissão deve anteceder a lavratura da escritura "extrajudicial", segundo ordena o artigo 15, da Resolução n. 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça.

Nesses casos acima relatados, verificamos um verdadeiro círculo vicioso: não se simplifica o inventário e a partilia pela escritura pública porque não se pode pagar o ITCD, e não se paga o ITCD porque não há um processo judicial de inventário ou arrolamento.

Ainda, alerta-se que é interesse dos Estados a simplificação do processo de inventário e partilha, pois, também, simplificará os meios de arrecadação, além de gerar maior agilidade na resolução dessas situações de transição na vida dos cidadãos que perderam os seus entes próximos.

Por derradeiro, apenas nos é possível solicitar aos poderes constituídos e rezar pela atualização da legislação do ITCD nos Estados-Membros, sob pena de restar-nos apenas letras mortas de uma das mais interessantes tentativas de desafogar o tão abarrotado Poder Judiciário.

Gustavo Vettorato é advogado

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