Olhar Direto

Segunda-feira, 29 de abril de 2024

Opinião

Emenda 125/2022 e a racionalização do recurso especial

Recentemente entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 125, que criou o requisito da relevância para admissão do Recurso Especial, aquele endereçado ao Superior Tribunal de Justiça, de forma semelhante à repercussão geral, nos recursos para o STF.
 
A medida, que exige do recorrente a demonstração da relevância social, econômica, política ou jurídica das questões debatidas no caso, claramente visa limitar o número de recursos especiais que são apresentados ao Superior Tribunal de Justiça, buscando reduzir o problema de congestionamento da Corte, que atualmente sofre com a multiplicação demasiada dos processos.
 
Para se ter uma ideia, o STJ julgou 3.711 processos em 1989, primeiro ano de seu funcionamento. Dez anos depois, em 1999, julgou 128.042, até atingir 560.405 processos em 2021. Foram 856 recursos especiais em 1989, chegando a 100.665 em 2018. No ano passado, foram 72.311 recursos especiais julgados.
 
Os dados revelam um aumento de 19 vezes na quantidade de recursos julgados anualmente pelo STJ em pouco mais de 30 anos. A quantidade de ações aumentou ainda mais: foram 350.000 em 1988 e 25.800.000 de novos casos em 2020, significando um aumento de 73 vezes.
 
Espera-se que esse novo mecanismo promova a racionalização do Recurso Especial, afastando-o da função de “3ª instância judicial”, para se limitar às questões mais relevantes, que transcendem o próprio interesse das partes, além da uniformização dos temas por meio de julgamentos vinculantes às demais instâncias do Judiciário.
 
Oportuno ressaltar que alguns temas passam a ter uma relevância presumida, não precisando da demonstração pelo recorrente, como é o caso de ações penais, ações de improbidade administrativa, ações geradoras de inelegibilidade política, ações cujo valor da causa ultrapassa 500 salários mínimos ou, ainda, quando a decisão que se recorre contrariar jurisprudência dominante do STJ.
 
Disso se percebe que, afora a relevância econômica que estabelece um valor de alçada [500 salários mínimos], e a relevância jurídica de se modificar decisões contrárias à Corte, quanto aos demais temas predominam causas que, muitas vezes, figuram como partes os próprios agentes políticos [penal, improbidade, inelegibilidade], o que indica a maior facilidade de admissão de recursos pelo STJ em processos desta natureza.
 
No caso da repercussão geral, adotada pelo STF em 2004, precursora desse modelo de limitação recursal por relevância dos temas, a Corte chegou ao menor acervo de processos em tramitação desde 1996. Após 15 anos da alteração, o Ministro Luiz Fux expôs que a quantidade de processos no Supremo caiu de 118,7 mil para atuais 11,4 mil processos. Além disso, a aplicação automática das teses de repercussão geral reduziu drasticamente o acervo de recursos não só no STF, como também em todo o Judiciário brasileiro.
 
O case de racionalização dos recursos no STF serviu de parâmetro e inspiração para a nova medida, agora voltada ao STJ, para reduzir o número excessivo de processos e recursos na Corte. Mas também é certo que a solução encontrada busca atacar o efeito (recursos), sem atacar a causa (excesso de judicialização).
 
Sobre essa admissão, discordamos de Luiz Rodrigues Wambier no sentido de que a emenda culminará na estadualização da interpretação da lei federal, visto que os recursos admitidos pelo STJ, no geral, tem passado por um filtro de relevância, ainda que não formal. A grande maioria dos recursos especiais não tem sido conhecidos e julgados em seu mérito na Corte, de modo que, para efeitos práticos, permanece a decisão emitida pela Corte Estadual, não nos parecendo que isso representará uma omissão do dever constitucional do STJ de uniformizar a lei federal, ou mesmo uma diferença substancial dos entendimentos que serão emitidos.
 
De todo modo, o tempo e a prática processual é que, unicamente, poderão nos conferir as respostas se essa alteração produzirá os efeitos desejados, mantendo o acesso das partes ao Poder Judiciário, mas em tempo mais célere que o atual, prejudicado que é pelo elevado número de processos.
 

Carlos Perlin é advogado, ex-Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MT (2016-2021) e Procurador do Estado de Mato Grosso.
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