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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

Opinião

Taiguara, Lennon e o idiota ofensivo

Um dos ensinamentos que os cabelos grisalhos me trouxeram é esse: não existe idiota inofensivo. Todo idiota é nocivo, perigoso, às vezes letal.

Primeiramente, esclareço que não me refiro à acepção mais frequente do vocábulo: pessoa que carece de inteligência, tola, ignorante, estúpida, vaidosa, pretensiosa. Reporto-me às raízes etimológicas da expressão.

Idiota, neste artigo, remonta ao grego antigo “idiotes” que indicava as pessoas que cuidavam apenas de seus interesses pessoais, em contraposição àqueles que se dedicavam à coletividade (“polis”), denominados “politikon”.  Políticos eram aqueles que empregavam seu tempo, energia, habilidades e inteligência em causas de interesse público, como a defesa, a justiça, a administração etc. Idiotas, por sua vez, viviam somente para si mesmos.

Assim, na melhor tradição grega, considero idiotas aqueles que são omissos e/ou indiferentes, tanto diante de graves questões públicas, a exemplo das mudanças climáticas e do racismo, como de episódios de injustiça ou violência contra os mais frágeis que ocorrem nos ambientes de trabalho, doméstico etc. Ao presenciar uma situação de assédio moral ou de agressão física, o idiota é aquele que finge não ver e não ouvir. Esse idiota foi personagem da música “Nowhere Man” de John Lennon: “He's as blind as he can be / Just sees what he wants to see”.

O idiota é aquele que jamais irá intervir para interromper uma violência, pois “não gosta de se envolver”. O idiota é aquele que jamais irá denunciar ou testemunhar. Só que, ao fugir dos problemas, geralmente esses se agravam e causam maior dano a outras pessoas e a sociedade.

O idiota age assim – ou melhor, não age – por uma combinação de covardia, egoísmo, conformismo, oportunismo, preguiça e, no limite, psicopatia. Em regra, o idiota é medíocre em tudo o que faz. É idiota, mas não é bobo, pois é bajulador dos poderosos e a sua omissão militante ao jamais emitir uma crítica ou ponto de vista próprio o faz “ficar bem com todo mundo” e lhe permite alcançar posições a que jamais ascenderia por mérito.

Sim, o idiota é sedutor e engambela muitas pessoas, de variadas idades, mas imaturas emocionalmente, que consideram “maravilhoso” aquele ser gelatinoso que nunca tem opinião, não assume posição, não abraça nenhuma causa e foge de qualquer polêmica.

Em um dos seus mais memoráveis sermões, o padre Antonio Vieira destacou que a omissão é o pecado que mais facilmente se comete, porque se faz não fazendo, e mais dificilmente se reconhece. E no Dia do Juízo Final, “se vos há-de pedir estreita conta do que fizestes, mas muito mais estreita do que deixastes de fazer”. Para os omissos, sentencia Vieira, não há salvação possível.

Em “Odeio os indiferentes” Antonio Gramsci assinala: “Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida.” Sua análise mostra como a apatia e a omissão na esfera pública favorecem a ascensão ao poder de formações autoritárias e extremistas. De fato, a omissão sempre beneficia o status quo e o conservadorismo. Se dependesse de gente desse tipo, ainda estaríamos na escravatura e sem o direito de voto para as mulheres. Como Gramsci, não pretendo desperdiçar minha compaixão com os indiferentes.

O genial compositor Taiguara, de quem tive a honra de ser chamado amigo, certa vez cantou: “A pior morte que existe é se viver inutilmente”. O idiota é alguém que vive inutilmente.

Um conselho: afaste-se dos idiotas. Eles não são inofensivos.

Luiz Henrique Lima é Doutor em Planejamento Ambiental, professor e escritor.
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