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Sábado, 27 de abril de 2024

Opinião

A nova lista de doenças ocupacionais: burnout, abuso de drogas e tentativa de suicídio estão entre elas

Autor: Carla Leal e Lécia Nidia Ferreira Taques

23 Fev 2024 - 08:00

Como já registramos aqui nesse espaço, o Brasil, infelizmente, é um dos países nos quais mais ocorrem acidentes de trabalho, sendo o segundo com mais mortalidade se considerarmos os países do G20, grupo formado pelas maiores economias do mundo, perdendo apenas para o México.
 
Segundo dados do Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho (SMART LAB), uma pessoa morre no Brasil a cada 3h47min3s por acidente de trabalho ou de uma doença ligada ao trabalho. Só em 2022 foram registrados 612,9 mil acidentes de trabalho, os quais resultaram em mais de 2.500 vítimas fatais, número que representou um aumento de 22% dos acidentes que foram noticiados no ano de 2021. 
 
Quando falamos em acidentes do trabalho estamos falando daqueles típicos, que ocorrem no exercício da função ou em situações equiparadas por lei, como quedas em altura, ferimentos ao manipular uma máquina ou ferramenta, dentre outros, mas também nas doenças decorrentes das condições em que o trabalho é exercido, como no caso das lesões de esforços repetitivos (LER) ou naquelas produzidas ou desencadeadas pelo exercício de certas atividades, como canceres decorrentes de exposição a alguns produtos químicos.
 
Os acidentes e as doenças ocupacionais ocasionam uma repercussão muito grande para a sociedade brasileira, pois, além dos impactos negativos óbvios pela perda para cada trabalhador e para cada uma das famílias atingidas, perde-se força de trabalho de pessoas muitas vezes no auge de sua capacidade produtiva, gerando gastos para a Previdência Social, que é custeada por todos nós. Números estimados apontam que o Brasil perde cerca de 300 bilhões de reais por ano em decorrência dos adoecimentos e dos acidentes sofridos por seus trabalhadores.
 
Essas doenças ocupacionais estão relacionadas em uma lista emitida pelo Ministério da Saúde, órgão que, no final de 2023, após 24 anos, a atualizou, incorporando 165 novas patologias que causam danos à integridade física ou mental do trabalhador.
 
A listagem era composta por 182 códigos de diagnósticos de enfermidades, agora conta com 347 doenças associadas ao trabalho, entre elas a COVID-19, alguns tipos de canceres, transtornos mentais, como burnout (também conhecido como síndrome do esgotamento profissional), ansiedade, depressão, tentativa de suicídio, abuso de drogas, além de distúrbios músculo-esqueléticos, tais como inflamações em tendões, ossos, articulações, etc.
 
Segundo o Ministério da Saúde essa atualização tem como objetivo auxiliar no diagnóstico de doenças, permitindo determinar suas causas e facilitar o estudo da relação entre o adoecimento e o trabalho. Ademais, a lista serve de respaldo para a fiscalização realizadas pelos auditores fiscais do trabalho e favorecem o acesso dos trabalhadores a benefícios previdenciários.
 
Os ajustes realizados, sem dúvida, representam um grande avanço, já que refletem os riscos de saúde contemporâneos emergentes no ambiente profissional, recuperando uma lacuna de mais de 20 anos, em que as relações de trabalho sofreram diversas modificações com a evolução da ciência, conseguindo, então, relacionar o trabalho com várias patologias que antes eram diagnosticadas, mas não com essa vinculação.
 
Neste sentido, as inclusões realizadas pelo Ministério da Saúde evidenciam a correlação entre patologias, como o adoecimento mental, ansiedade, depressão e tentativa de suicídio com as jornadas extenuantes, com o assédio moral no ambiente de trabalho e com as dificuldades relacionadas à estrutura organizacional das empresas. Para além disso, demonstra que comportamentos como o abuso de cafeína, uso de sedativos, de cocaína ou de canabioides também estão associados ao desequilíbrio do ambiente laboral.
 
Na nova lista, percebe-se o destaque de doenças ligadas à esfera psicológica do trabalhador, denotando a preocupação daquele Ministério com a alta incidência dessas mazelas nos ambientes de trabalho. De acordo com os dados do Observatório de Saúde e Segurança do Trabalho, o total de auxílios-doença concedidos por depressão, ansiedade, estresse e outros transtornos mentais e comportamentais (acidentários e não-acidentários) cresceram em 2022, com mais de 200 mil novas concessões, um aumento de 3% em relação ao ano anterior.
 
É nítido que a adequação da lista tem como eixo de proteção jurídica a garantia do meio ambiente do trabalho saudável e coloca em pauta a importância de ser estabelecida uma gestão organizacional adequada que assegure o bem-estar físico e emocional dos trabalhadores, resguardando o direito fundamental a um ambiente de trabalho equilibrado.
 
Essa garantia constitucional, no contexto atual das relações de trabalho, que foram diretamente impactadas pelos avanços tecnológicos, abrange muito mais do espaço interno do estabelecimento empresarial e abarca, também, o conjunto de elementos físicos, interpessoais, técnicos e psicológicos que influenciam o trabalhador e trabalhadora no desempenho de sua atividade laboral.
 
A nova lista está em vigor desde dezembro do ano passado e resguarda o direito de toda a população trabalhadora, independentemente de estar em áreas urbanas ou rurais, ou de sua formalidade ou informalidade no mercado de trabalho.
 
Carla Leal e Lécia Nidia Ferreira Taques são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.
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