Olhar Direto

Terça-feira, 07 de maio de 2024

Opinião

O abuso do poder diretivo no contrato de trabalho por meio da vinculação de empregados em campanha político-ideológica

Autor: Carla Reita Faria Leal e Bruna Figueiredo Oliveira Silva

26 Abr 2024 - 08:00

Como estamos nos aproximando do período eleitoral, é sempre importante retornarmos ao tema: limites do poder diretivo do empregador. Isto porque, quando este é extrapolado, pode configurar assédio político ou assédio eleitoral, com várias consequências, inclusive condenação ao pagamento de indenização.
 
Pois bem, recentemente a Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, o TST, condenou, por unanimidade, a empresa de fast food que usa como nome fantasia Habib’s ao pagamento de 300 mil reais à título de indenização por danos morais pela prática de assédio político contra os seus empregados.
 
Os fatos referem-se ao ano de 2016 quando os trabalhadores da rede tiveram suas imagens vinculadas à manifestação política efetuada pela empresa contra os dirigentes do Governo Federal da época.
 
A ação foi movida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Bares e Restaurantes e Similares de Águas de Lindóia e Região, do Estado de São Paulo, tendo em vista que a rede de fast food realizou campanha que denominou “Fome de Mudança”. De acordo com o sindicato, a ação teve por objetivo a promoção da mobilização da população para participar nos protestos de rua atinentes pedindo o impeachment da, à época, presidente Dilma Rousseff.
 
A empresa decorou as lojas com frases como “Quero meu país de volta”, providenciando, também, distribuição de adereços como fitas e cartazes aos clientes que passavam pelas filiais.
 
A defesa sustentou a não ocorrência de conotação político-ideológica na mobilização sucedida e a ausência de relação com siglas ou mesmo coligações partidárias.
 
A ação tramitou na 5ª Vara do Trabalho de Campinas (SP) e foi, posteriormente, remetida ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, devido a um recurso que foi interposto. Nas duas instâncias entendeu-se o caráter eminentemente político da campanha “Fome de Mudança”, feita contra o Governo Federal, tendo como fundamento os direitos ligados à liberdade de expressão garantidos às pessoas jurídicas. Ademais, entendeu-se que não foi possível identificar a comprovação da imposição de convicções políticas por parte da empresa aos empregados, pelo que não foi reconhecida a ilegalidade das manifestações realizadas.
 
Ainda de acordo com o entendimento do TRT15, é absolutamente legítimo o posicionamento político institucional, inclusive no que diz respeito às ações de marketing eventualmente promovidos, mas isso na hipótese de não colidirem com outros direitos fundamentais, como os dos empregados, quando daí ocorreria do abuso das liberdades, na hipótese, por exemplo, da imposição obrigatória de emblemas partidários, como broches ou uniformes. De todo o modo, a Corte Regional reputou a não comprovação de tais exorbitâncias no caso.
 
O Sindicato autor interpôs Recurso de Revista ao TST, que, por meio do acórdão proferido pela relatora do caso, Ministra Maria Helena Mallmann, entendeu que, mesmo que durante a campanha não tenha sido imposto coercitivamente aos empregados o uso de broches e demais emblemas, isso não seria o suficiente para “afastar a ingerência das rés sobre o direito de escolha dos empregados”, já que estes foram envolvidos na campanha. 
 
Ainda, aduziu que o Tribunal Regional, ao acolher a legitimidade do posicionamento político institucional, desconsiderou a adoção de políticas públicas voltadas à erradicação de práticas antidemocráticas, contrariando a configuração do Estado Democrático de Direito, que tem por fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político (art. 1º, III e V, CF).
 
Com isso, o TST entendeu que houve a configuração do abuso de poder diretivo, pois a atuação do empregador ultrapassou os limites da relação de trabalho, o que, consequentemente, ensejou a aplicação na condenação por danos morais ao caso.
 
Para fundamentar a posição, trouxe, também, preceitos como a Convenção da OIT N. 190, que dispõe sobre a eliminação da violência e assédio no mundo do trabalho e, além disso, a previsão constitucional que assegura a todos os trabalhadores um meio ambiente de trabalho equilibrado, uma vez que é essencial para a qualidade de vida do empregado (art. 200, VIII, CF).
 
Assim, é preciso frisar que, neste cenário de vésperas de eleições, uma maior atenção deve ser voltada à forma como as empresas vêm se manifestando com respeito suas às posições e opiniões político-ideológicas dentro do local de trabalho. Como pôde se ver da decisão, o envolvimento do trabalhador, no âmbito da empresa, já é ponto a ser considerado para uma possível caracterização de abuso de poder diretivo. Com efeito, o que se espera é que os empregadores se atentem a que a sua liberdade de expressão política não pode ultrapassar e ferir outras disposições constitucionais, como a que garante ao trabalhador um meio ambiente de trabalho equilibrado e livre de imposições ideológicas.
 
Carla Reita Faria Leal e Bruna Figueiredo Oliveira Silva são integrantes do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.
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