Os pilotos que estavam no comando do voo 447 da Air France podem ter sofrido desorientação espacial nos momentos que antecederam a queda do Airbus no Oceano Atlântico, em 1º de junho em 2009. O problema faz com que pilotos e copilotos tenham uma ilusão de referência durante o voo, fator considerado contribuinte para acidentes aéreos, e deixar os comandantes sem a sensação de queda, por exemplo.
Isso pode ser agravado pelo fato de os pilotos tere enfrentado dificuldade de acessar os dados dos instrumentos automatizados do avião e estarem sem referência visual confiável.
"O que aconteceu foi uma desorientação espacial. Eles perderam a referência pelos instrumentos, eles ficaram desorientados. Se olharmos em um relógio, eles deveriam estar no ponteiro das duas horas e caíram no ponteiro das nove horas. Tecnicamente, eles caíram na proa 270 graus magnéticos, que é a Oeste, e deveriam estar na proa 20 ou 30, que é a Nordeste, na direção da Europa", disse o médico aeroespacial Paulo Demenato, credenciado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Ele afirmou ainda que o Airbus voou para o mar. "Na verdade, eles não caíram, eles entraram voando no mar. Os passageiros encontrados estavam afivelados. Foi um acidente que pode ser chamado de Controlled Flight into Terrain (CFIT) [Voo Controlado ao Solo]. Eles estavam com 55% da potência de turbina no momento da queda. Os pilotos estavam voando mesmo. É impressionante o que acontece. Para sair disso, só olhando para os instrumentos do painel. Hipoteticamente, eles nem teriam sentido frio na barriga."
O médico acredita que os tripulantes e passageiros do voo 447 morreram no momento do impacto da aeronave com a água. "Acho que eles passaram os 3 minutos e 30 segundos vivos. A desorietanção espacial é isso mesmo, os pilotos não sabem que estão caindo. Os pitots [sensores de parâmetros, como altitude e velocidade] congelaram e o painel de informações teria apagado, apresentado problemas", disse Demenato.
A tese dele pode explicar a possibilidade de os pilotos pudessem não ter compreendido corretamente que a aeronave entrou em stall (perda de sustentação) e por isso adotaram procedimentos equivocados que podem ter levado à queda do avião. "O papel do piloto é fazer julgamento. Quem estava na cabine [do Airbus] julgou errado. O procedimento de perda de painel é treinado em simulador, não é novidade para pilotos, e eu tenho certeza que eles fizeram. Quero acreditar nisso", afirmou o médico aeroespacial.
Relatório da investigação
Conforme dados divulgados nesta sexta-feira (27) pelo BEA (Escritório de Investigações e Análises da França), que apura a tragédia, o alarme de stall tocou várias vezes durante os 3 minutos e 30 segundos que durou a queda. Primeiro, houve uma falha nos pitots, sensores de parâmetros, como altitude e velocidade, que passaram a enviar informações erradas à cabine. A Air France divulgou um comunicado confirmando a falha nos sensores.
Segundo o BEA, o último registro da caixa-preta é que o Airbus estava a uma velocidade de cerca de 200 km/h (10.912 pés por minuto).
Reação equivocada dos pilotos
Conforme o presidente da Associação Brasileira de Pilotos e Proprietários de Aeronaves, George Sucupira, a tendência do piloto quando o avião está em stall é jogar o nariz da aeronave para baixo, ganhando assim velocidade e conseguindo obter a sustentação.
Mas os pilotos do AF 447 fizeram um procedimento diferente do padrão entre os pilotos em caso de estolagem da aeronave, conforme especialistas e técnicos em investigação de acidentes aeronáuticos ouvidos pelo G1. Os pilotos do Airbus do AF 447 determinaram em todos os momentos que fosse elevado o nariz da aeronave, segundo o BEA.
Os pilotos receberam duas indicações de velocidade diferentes por pouco menos de 1 minuto, possivelmente devido ao congelamento dos pitots.O texto divulgado pelo BEA não faz nenhuma análise sobre os fatos, apenas descreve como os pilotos agiram após o congelamento dos pitots, quando teve início a tragédia.
Informações erradas de velocidade
Como a caixa-preta registra informações de apenas dois pitots, o BEA divulgou que dois dos três pitots do Airbus congelaram. O terceiro pitot, que fica no lado direito da aeronave, possivelmente também deve ter tido problema. Eles passaram a enviar informações erradas à cabine. Neste instante, às 2h10min05s, o piloto automático desliga-se automaticamente e o alarme de stall dispara pela primeira vez.
Os pilotos perceberam que estavam com informações erradas sobre a velocidade e assumem manualmente o comando da aeronave. O piloto fala “eu tenho o comando” e sempre comanda a aeronave para subir. Onze segundos depois, diz: "perdemos as velocidades".
A velocidade nos mostradores caiu muito, conforme o BEA. Em seguida, o piloto que estava no comando da aeronave tentou chamar várias vezes o comandante de bordo, que estava dormindo.
Perda de sustentação
Às 2h10min51s, o alarme de perda de sustentação tocou várias vezes. Às 2h11min40s, o comandante de bordo retornou à cabine, mas não chegou a assumir o comando. E, nessa ocasião, os valores de velocidade pararam de ser registrados. O Airbus entrou em stall totalmente e o avião começou a cair em uma velocidade vertical de mais de 10 mil pés por minuto, sempre mantendo a posição horizontal. Às 2h12min02s, o piloto no comando disse: “eu não tenho mais nenhuma indicação”.
O BEA não informou se os pilotos entenderam de forma errada o alarme de stall e se haviam recebido treinamento para atuar em situações anormais e de pane como essa. Em nenhum momento os pilotos conseguem recuperar a perda de sustentação da aeronave.
O presidente da Associação Brasileira de Pilotos e Proprietários de Aeronaves comenta um outro fato que pode ter contribuído para a queda. Um voo da Ibéria que fazia o mesmo trecho e havia decolado pouco antes do AF 447 deslocou para leste, pouco antes da tempestade. Já o avião da Air France virou para oeste, mais para dentro da tempestade.
A Força Aérea Brasileira informou que não iria se manifestar sobre o relatório divulgado pelo BEA. O Ministério da Defesa não respondeu ao questionamento do G1 sobre se iria comentar os dados.