Maria Araújo, 40, chega em casa e encontra a janela da sua sala arrancada. Algumas coisas pequenas estão quebradas e o pai alcoolizado, agressivo, disparando ameaças de morte e agressão. Depois de todo o trabalho para tentar acalmá-lo do surto psicótico que ele estava sofrendo, Maria entra no quarto dele e encontra cinco facas afiadas guardadas debaixo do travesseiro dele.
Essa história de sofrimento faz parte da vida cotidiana de Maria. A cada dia que chega em casa, no bairro Morada do Ouro, região norte de Cuiabá, ela não sabe se tudo está normal ou “de pernas para o ar”. Isso se repete desde que o pai dela perdeu a esposa e caiu em depressão profunda aliada ao alcoolismo que, hora ou outra, acabam em surtos que põe em risco a vida dela, dos familiares, vizinhos e dele mesmo.
Aí é chegada a hora de procurar um atendimento. Ajuda de urgência. E nesse momento Maria sofre em dobro porque o Centro Integrado de Apoio Psicossocial (CIAPS) Adauto Botelho, único hospital especializado com pronto atendimento para pacientes psiquiátricos em todo Estado, fechou as portas, e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município, que seria a alternativa, não está preparada para receber essas ocorrências.
“Antes eu não dava valor nenhum para esse tipo de hospital. Não fazia diferença. Mas aí eu comecei a passar por problemas dentro da família e agora dou valor, passei a entender. Agora, sem o Adauto, não tenho lugar para tratar o meu pai. Eu estou desesperada. E na UPA eles só medicam e mandam embora. Não ajuda”, lamenta Maria, ao lembrar das dificuldades para tratar o pai.
O CIAPS Adauto Botelho fechou a unidade de pronto atendimento e a de internação há cerca de 60 dias. Desde então, quem procurava o hospital para casos de emergência precisa ir à UPA da Morada do Ouro ou procurar a Policlínica do Coxipó, que possui médico psiquiatra à disposição, onde além dos profissionais não estarem acostumados a lidar com esse tipo de situação, pouco fazem além de medicar e despachar o enfermo tão logo ele tenha sido medicado.
Em outra parte de Cuiabá, outra Maria, nesse caso Maria Mércia da Silva, 53, passa por um drama parecido. Mas no caso dela, ao invés do pai estar doente, são as duas irmãs mais novas que precisam de atendimento.
Moradora da zona rural da Capital, em várias ocasiões Mércia precisou procurar uma das irmãs, nove anos mais nova que ela, dentro da mata, escondida, sem comer e sem dormir. Isso quando ela conseguia, pois às vezes, como uma fera, a irmã se mostrava tão agressiva que chegava ser necessária ajuda externa.
A outra irmã, a mais nova (de 33 anos), tem menos problemas com surtos esporádicos, segundo contou Mércia. Contudo, todo ano, ela precisa ser atendida para não passar por algo parecido. “O hospital sempre ajudava. Agora estou desesperada. Como o governo deixa acontecer isso? Como vão ajudar essas pessoas que passam por isso? Minha irmã está lá, na chácara, se escondendo e ninguém consegue fazer nada”, lamuriou-se Mércia.
Casos semelhantes, tão ou ainda mais sofridos como o de Maria Araújo e de Mércia Silva, acontecem em todo Mato Grosso, que tinha no CIAPs Adauto Botelho a única referência para tratamento psiquiátrico. Com ele fechado, com uma UPA sobrecarregada de outros tipos de emergências e sem profissionais acostumados a lidar com pacientes psiquiátricos, além dos Centros de Atenção Psicossocial limitados a atendimentos laboratoriais, a ajuda para essas pessoas é praticamente inexistente.
