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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Ouro Preto terá primeira residência no Brasil para escritores estrangeiros perseguidos

RIO - Ouro Preto, em Minas Gerais, vai acolher, a partir de 2015, escritores estrangeiros perseguidos em seus países de origem. É na cidade histórica que será instalada a primeira Casa Brasileira de Refúgio (CABRA), cujo anúncio será feito na cerimônia de abertura do Fórum das Letras de Ouro Preto, na próxima quarta-feira. O projeto é uma parceria entre a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), organizadora do Fórum, o PEN Club do Brasil e a ICORN (Rede Internacional de Cidades de Refúgio, em inglês). O Fórum, que vai até domingo, terá como tema “Escritas em transe”, com vários debates sobre os 50 anos do golpe de 1964. Entre os convidados estão Mário Magalhães, Audálio Dantas, Paulo Markun, Ricardo Kotscho e Zuenir Ventura, além de dois autores acolhidos pela ICORN: o iraniano Mohsen Emadi e a hondurenha Julia Olivera.


O projeto da casa vem sendo tocado desde o início do ano por Sylvie Debs, professora de literatura brasileira na Universidade de Estrasburgo (França) e representante da ICORN no Brasil, e o escritor e presidente do PEN Club do Brasil, Cláudio Aguiar. O lançamento da CABRA contará ainda com a presença de Helge Lund, diretor da ONG que desde 2006 oferece residências em cerca de 40 cidades. A expectativa é que o primeiro escritor chegue no segundo semestre de 2015. Até lá, espera-se que todos obstáculos burocráticos sejam vencidos. Em Ouro Preto, ele ocupará uma residência destinada a professores visitantes. O projeto prevê que o convidado dê cursos na universidade. O nome do escritor está em discussão, mas uma forte possibilidade é Koulsy Lamko, do Chade. Sylvie conta que já há conversas com instituições de Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo para multiplicar a experiência.

— Quando pensamos no perfil do escritor, avaliamos o que é bom para ele, para a cidade e para a instituição que vai recebê-lo. Essa troca é o mais importante — conta Sylvie, que foi adida cultural da França em Belo Horizonte entre 2006 e 2010 e conheceu a ONG no México, onde esteve entre 2011 e 2013. — Em Ouro Preto, vamos começar com a residência de quatro meses, o limite para um professor visitante. A partir daí vamos tentar expandir para dois anos, que é o tempo padrão da ICORN.

CONCEITO FOI CRIADO APÓS AMEAÇAS A SALMAN RUSHDIE

A origem do conceito de cidades-refúgio é anterior à criação da própria ONG. Em 1993, foi criado o Parlamento Internacional dos Escritores, em Estrasburgo, na França. Foi uma reação ao assassinato do escritor Tahar Djaout por um grupo radical islâmico na Argélia, naquele ano, e à sentença de morte contra o escritor anglo-indiano Salman Rushdie, proferida pelo líder iraniano aiatolá Khomeini, em 1989, após a publicação do livro “Os versos satânicos”. O parlamento funcionou por dez anos, sendo dissolvido em 2003, e teve como presidentes o próprio Rushdie, o nigeriano Wole Soyinka e o americano Russel Banks.

Para entrar na rede da ICORN, os candidatos — escritores, poetas, jornalistas, dramaturgos, roteiristas, blogueiros, quadrinistas — primeiro passam por uma seleção, pois o número de pedidos excede o de casas disponíveis. Assim, é preciso cumprir algumas exigências: estar, em consequência do seu trabalho, condenado à prisão ou ameaçado de morte, sequestro, agressão física ou desaparecimento; estar impossibilitado de se expressar livremente sob risco de sofrer retaliações. As candidaturas são avaliadas por um comitê do PEN Club Internacional.

O poeta iraniano Mohsen Emadi, de 37 anos, se encaixava em todas as categorias exigidas pela ICORN. Aos 16 anos ele já era uma estrela da poesia persa, ao ganhar quatro vezes seguidas um torneio nacional do gênero, quando descobriu que havia uma série de autores proscritos pelo regime dos aiatolás. Entre eles estava Ahmad Shamlou, morto em 2000, “que está para o Irã como Pablo Neruda está para o Chile”, diz Emadi. Ao se mudar para Teerã, onde foi fazer faculdade, um amigo lhe deu um número de telefone que supostamente era de Shamlou. Curioso, ele ligou e o poeta aceitou recebê-lo em sua casa, a 40 quilômetros da capital. Ali nasceu uma amizade que o marcaria profundamente.

— Ele era contra Khomeini, antes fora contra o Xá (Reza Pahlevi). Durante 16 anos, nenhum de seus livros foi publicado no país e ele continuava trabalhando freneticamente, mais de 12 horas por dia, mesmo se estivesse com dor, doente. Na época, eu escrevia poesia e achava legal. Depois de conhecê-lo, entendi que é muito difícil ser poeta, ter a força, a fé e a fidelidade que a poesia exige — disse Emadi em entrevista ao GLOBO em abril deste ano, durante passagem pelo Rio para participar da Festa Literária das Periferias (Flupp).

IRANIANO SE EXILOU NO MÉXICO EM 2012

Embalado pela amizade e o conhecimento de Shamlou, o poeta começou a traduzir autores estrangeiros para o persa, aproveitando um período de relativa abertura até a chegada do conservador Mahmoud Ahmadinejad ao poder. Em 2009, quando Ahmadinejad venceu o reformista Hossein Mousavi, Emadi ficou dois meses lutando nas ruas naquele que ficou conhecido como Movimento Verde. Correndo o risco de ser preso, deixou o país. Passou por Finlândia, República Tcheca e Espanha antes de se mudar para a Cidade do México, em agosto de 2012, onde ocupa hoje uma das casas para escritores perseguidos.

— Eu admiro muito essa parte do mundo, mas quando estava no Irã não fazia ideia de como era. Conhecia mais Portugal, que ocupou o sul do país por mais de um século, mas a literatura brasileira, por exemplo, era Machado de Assis e só — afirmou o poeta, que vem traduzindo autores persas para o espanhol e vice-versa.

No Fórum, Emadi vai participar da mesa “Exílio ou silêncio?”, na quinta-feira, às 18h, junto com Julia Olivera, poeta hondurenha que também foi acolhida pela rede da ICORN, além da mexicana Maria Tereza Atrián. Curadora do fórum, professora da Ufop e principal articuladora da criação da Casa Brasileira de Refúgio em Ouro Preto, Guiomar de Grammont aponta que a cidade histórica sempre foi palco de grandes atos políticos.

— Foi em Ouro Preto que ocorreu a insurreição mais conhecida do período colonial, a Inconfidência Mineira. É um lugar por onde passaram muitos escritores, de Elizabeth Bishop a Drummond e Murilo Mendes. Há uma grande ressonância literária. E a reitoria da Universidade abraçou de verdade o projeto de termos uma casa aqui.
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