Olhar Direto

Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Opinião

Bolsonaro não nasceu para ser presidente

O título do presente artigo expressa a frase de Fernando Henrique Cardoso em entrevista à Rádio CBN em 22/04/2019. “Ele não nasceu para ser presidente”, declarou FHC do alto de seus catedráticos conhecimentos políticos. Ainda, segundo FHC "nosso regime é presidencialista, na hora decisiva a palavra do presidente conta muito e o presidente tem se mantido em silêncio", referindo-se à conduta de Bolsonaro na tramitação da PEC da reforma da previdência no Congresso Nacional. Pontuou ainda ser Bolsonaro portador de “ideias muito atrasadas” e sobre seu partido, o PSDB, afirmou ser contrário a um processo de “direitização” do partido(disponível em www.brasil247.com. Acessado em 22/04/2019).

FHC é um político alinhado à centro-esquerda, disso todos sabem. Assim, fiel à visão de mundo esquerdista, crê, utilizando-se do conceito de centro-esquerda de Bobbio (1994) em “doutrinas e movimentos simultaneamente igualitários e libertários, para os quais podemos empregar hoje a expressão ‘socialismo liberal’”. É inegável seu alinhamento a tal tradição política quando discursa algo sobre “eu sou favorável ao mercado, sempre fui, mas você não pode fechar os olhos e achar que o mercado resolve tudo, porque não resolve”. Dura a vida de um esquerdista;sofre diariamente de “paradoxismosinfernalis”. A “esquerda raiz” tem ojeriza ao sistema de livre-mercado. Como sabem não haver, pelo menos no futuro próximo, algum arranjo que o substitua com a mesma eficiência na criação de riqueza, toleram-no sob a forma de figuras ideológicas híbridas e incompatíveis como “socialismo-democrático”, “socialismo-fabiano”, “social-democracia” etc, eufemismos criativos para justificar a intervenção do estado na economia com vistas à “justiça social”. Junte tudo, liquidifique e a retórica enche corações e mentes com esperanças que se esvaziam cada vez que a realidade bate à porta e apresenta a fatura. Vejam a situação da Grécia hoje e tirem suas próprias conclusões.

FHC critica Bolsonaro porque em sua opinião este não faz articulação política com o Congresso Nacional. O nobre sociólogo poderia nos explicar, reles mortais, qual a natureza da intervenção do Presidente da República junto ao Congresso senão aquela de explicar os pressupostos, finalidades e consequências para a República caso não haja a aprovação da referida PEC da previdência? Tarefa, inclusive, muito bem desempenhada pelo Ministro da Economia em visita ao Senado e Câmara dos Deputados.  Todos sabemos como os presidentes anteriores tratavam essa articulação política no Congresso. Não sei se Bolsonaro está certo ou errado em evitar um posicionamento de barganhas, mesmo que republicanas, com o Congresso. Pelo menos até agora ele tem sido coerente com promessas de campanha sobre como se comportaria no complexo embate entre executivo e legislativo.

Acredito que a díade esquerda – direita não está superada e ainda serve para acomodarmos as diversas visões de mundo acerca do papel do estado, dos governos e de como devemos nos organizar em sociedade. Nossa Constituição, boa ou ruim, estabelece os fundamentos da nossa República, seus objetivos, princípios fundamentais, direitos e garantias fundamentais e organização do Estado. As forças políticas, independente da matriz ideológica, devem encampar a ação política sob a égide deste documento fundamental. Jamais chegaremos a um entendimento que finalize a discussão eterna entre igualdade e liberdade, para ficar em apenas um exemplo. É um truísmo afirmar que o mercado não resolve tudo. Qualquer político conservador sabe disso. Mas é apenas o arranjo econômico baseado nos fundamentos do livre-mercado o único a gerar riquezas que retiram e já retiraram milhões de pessoas da pobreza abjeta. O custo disso? Alguns realmente serão muito ricos. Esse não é o problema. A outra opção é sermos todos muito pobres. Simples assim. Como resolver então o problema dos muito pobres e excluídos de qualquer vantagem criada pelo sistema de livre-mercado? Ora, o Estado tem que resolver esse problema com os quase 40% de carga tributária que exerce sobre o setor privado gerador de riqueza. É aqui que reside o problema da pobreza. A incapacidade gerencial da República Federativa do Brasil, apossando-se de uma parcela significativa da riqueza nacional cumprir pelo menos o objetivo inscrito no art. 3º, Inciso III da CF/88: “erradicar a pobreza (...)”. É assim que temos a famosa “esquerda caviar”, desfrutando as benesses do sistema, ao mesmo tempo em que grita cinicamente contra ele. Quando à frente do executivo nacional ou estadual, a esquerda logra em aumentar dependentes do estado quando deveria remover os obstáculos que impedem o mercado de gerar mais riqueza, empregando e produzindo a emancipação da pessoas dos programas sociais. Caso priorizassem a administração estatal na rede de proteção àqueles que efetivamente ainda necessitam da tutela estatal, os recursos apropriados via tributação seriam mais que suficientes.

Especificamente sobre a condução da reforma da previdência, o Presidente tem seguido o que lhe compete e encontra-se estabelecido no Art. 84, Inciso III da CF/88, ou seja, “iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição”. Para tanto, propôs a PEC da reforma e encaminhou ao poder legislativo cumprir sua parte, qual seja, discutir e votar em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos e três quintos dos votos dos respectivos membros (Art. 60, § 2º). Décadas de um política promíscua baseada no “toma-lá-da-cá”, utilizada, inclusive por FHC e levada às últimas consequência pelos (des)governospetistas criaram no senso comum a ideia de que essa é a postura correta do Presidente da República nas relações com o Congresso Nacional. Bolsonaro, pelo menos até o presente momento, tem adotado encaminhamentos no sentido de “quebrar” essa lógica nefasta, raiz da corrupção que corroeu os pilares da República.

Não sei se alguém “nasce para ser presidente”, pode ser que sim e talvez Bolsonaro não tenha nascido para isso. Não importa. O fato é que o sistema o elegeu (democracia) e poderá retirá-lo via impedimento ou não reeleição. Poderíamos dizer o mesmo de todos os ex-presidentes. Apenas nas monarquias determinadas pessoas já nascem para governar. Bolsonaro, também é um fato, gera temores ao discurso da esquerda, uma vez que até o momento não demonstrou traços de perpetrar qualquer política de cunho proto-fascista, nazista ou mesmo de extrema-direita. Muito pelo contrário, recentemente aprovou o “décimo-terceiro” para o programa “bolsa-família”, política de natureza social. Nesse sentido, esvaziou o discurso esquerdista, aumentando o ressentimento e a “bateção de cabeça” nos já combalidos partidos de centro-esquerda e extrema esquerda.

O PT entregou uma nação falida em diversos aspectos. Economicamente quebrada e socialmente entregue ao relativismo moral de um discurso eivado de vícios e contrários ao sentimento conservador de uma maioria. Subverteu o papel do estado estabelecido pela Carta Magna, ao tempo em que, escondendo-se atrás de um discurso populista e demagógico de “proteção aos pobre e oprimidos”, construía uma teia de relações com setores privados, estabelecendo uma relação simbiótica entre estado e empresários corruptos que abasteciam o sistema de perpetuação no poder. Bem, essa história já está bem registrada.

Bolsonaro é um político e como tal “representa a natureza humana como ela é, com seus defeitos e qualidades. Nem mais nem menos” (Graham Wallas, apud Bolívar Lamounier, 2016). Este pensador destacou acertadamente que uma coisa é a política real que acontece no parlamento e órgãos de estado e outra é a percepção que a opinião pública tem dela. Minha percepção é que Bolsonaro ainda está se “acomodando à liturgia do cargo”. Tenta ser fiel ao discurso que o elegeu evitando “trair” seus eleitores. Parte significativa destes eleitores eram anti-petistas, não importa. A realidade é muito mais complexa do que os critérios e valores colocados sob o espectro de esquerda e direita. O fato é que alguns pressupostos devem ser aceitos como inegociáveis, sob pena de desmoronarmos sob conjecturas que jamais se conciliarão. Assim, entendo que democracia representativa como sistema de governo, livre-mercado, devido processo legal, segurança jurídica e rede de proteção social básica proporcionada por um estado necessário e não um monstruoso “leviatã” devem balizar a arena na qual os debates ideológicos acontecem, assim, encerro com as palavras de Bolívar Lamounier (Obra Liberais e Antiliberais, 2016) para quem o “funcionamento da ordem democrática requer um alto grau de responsabilidade e autorrestrição por parte dos principais protagonistas (individuais e coletivos)”. Ou seja, todos precisam fazer a sua parte do contrato social, especialmente as cláusulas não escritas.
 

Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
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