Olhar Direto

Quinta-feira, 02 de maio de 2024

Opinião

A erradicação do trabalho escravo contemporâneo também é agenda ESG

Dia 28 de janeiro, é comemorado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Segundo dados divulgados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2022, foram encontradas 2.575 pessoas em situação de escravidão contemporânea, o maior número desde 2013 quando foram 2.808.O país resgatou 60.251 trabalhadores desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, em maio de 1995, que é a base da luta do país contra o sistema escravocrata. Durante esses 28 anos, foram pagos 127 milhões de reais em salários e valores devidos aos resgatados.

130 anos depois da Lei Áurea, o Brasil ainda trabalha para eliminar o trabalho escravo do território nacional. A lei que aboliu a escravidão em 13 de maio de 1888 nada fez para impedir que essa prática vergonhosa continuasse. Entrando em meados do século 21, ainda encontramos muitas pessoas trabalhando e vivendo em condições análogas ao trabalho escravo, variando de liberdade restrita a nenhuma dignidade. Considera-se trabalho prestado em condições análogas à de escravo o trabalho resultante, conjunta ou separadamente, de: submissão do trabalhador a trabalhos forçados; submissão do trabalhador a jornadas exaustivas; exposição do trabalhador a condições degradantes de trabalho; restrição de movimentação do trabalhador, seja por motivo de dívida , ou restringindo o uso do trabalhador de qualquer meio de transporte, ou por qualquer outro meio de mantê-lo no local de trabalho; a vigilância aparente do empregador ou seu preposto no local de trabalho para mantê-lo no local de trabalho; o empregador ou seus prepostos em posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador para mantê-lo no local de trabalho.

A persistência do trabalho escravo contemporâneo está intimamente ligada à questão da responsabilidade corporativa na gestão da complexa e entrelaçada relação entre empresas e mercados, consumidores, meio ambiente, mundo do trabalho e sociedade em geral. Tudo isso constitui aspectos de sustentabilidade e perpetuidade dos negócios no contexto da cadeia competitiva global. A exigência de aumentar a transparência nas relações entre os diversos elos da cadeia produtiva tornou-se uma obrigação para as empresas que buscam essa sustentabilidade socioambiental, de se enquadrarem nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e nos princípios sobre práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) da ONU, bem como nas legislações brasileiras.

O melhor entendimento do complexo funcionamento das cadeias globais e das formas de violação dos direitos humanos pode permitir o desenho de mecanismos preventivos e a busca de soluções para programas que explorem grupos vulneráveis, além de influenciar as políticas públicas e o engajamento da sociedade civil. No que diz respeito ao setor produtivo, esse novo ambiente coloca as empresas e seus dirigentes no centro dos diversos setores que direta ou indiretamente levam a essas violações, convidando os países a trabalharem juntos para encontrar soluções em uma estratégia global. Esta não é apenas uma tendência interna, o mundo está assistindo a uma intensificação das políticas de combate à escravidão, ao tráfico de pessoas e ao trabalho infantil.

No Brasil, segundo dados divulgados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2022, foram encontradas 2.575 pessoas em situação de escravidão contemporânea. No último ano, foram realizadas 462 operações nas 27 unidades da federação e apenas nos estados de Alagoas, Amazonas e Amapá não foram encontrados casos. Minas Gerais permanece como o estado com maior número de operações e maior número de trabalhadores resgatados. Mato Grosso que até 2021 era o segundo estado com o maior número de trabalhadores resgatados do trabalho escravo no ranking nacional, com 6.184 pessoas libertadas em 225 casos. Em 2022 os dados foram bem diferentes, em virtude das ações realizadas pelo Governo do Estado tivemos uma grande diminuição em relação aos anos anteriores, foram resgatados 33 trabalhadores.

Dessa forma, para continuar encadeando globalmente, o empresariado brasileiro deve mudar a lógica que fomenta a desigualdade e a desumanização em seu modelo de negócios, inclusive para melhorar sua permanência e competitividade no comércio exterior. Deve inovar e adotar novas políticas de governança e gestão, pois as demandas internacionais já estão pressionando pela melhoria das condições de trabalho, remuneração, proteção de direitos e valorização da dignidade humana, transparência e visibilidade.

Portanto, o desafio é coletivo e devemos tomar a iniciativa de agir para enfrentar essas violações. E, nesse caso, as empresas interessadas em avançar na agenda de melhoria das condições de trabalho e da sociedade em geral, podem e devem fazer a diferença. Construir um Brasil livre do trabalho escravo contemporâneo exige conciliar as responsabilidades das grandes, médias e pequenas empresas em todas as etapas da cadeia produtiva, tanto na qualidade e governança corporativa, quanto na proteção dos direitos humanos e promoção da dignidade e trabalho decente.


Autoria: Naryanne Cristina Ramos Souza, quilombola, advogada e consultora em diversidade e inclusão, sócia-fundadora da empresa Nós Certificadora, mestranda em Estudo de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal de Mato Grosso e Perita em Direitos de Comunidades Discriminadas no Trabalho e Descendência ( Global Forum of Communities Discriminated on Work and Descente).
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