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Terça-feira, 07 de maio de 2024

Notícias | Política BR

Mangabeira Unger

Trabalho com governos estaduais poderá pautar próximas eleições

Preocupado com o número de projetos a serem desenvolvidos até o fim do ano, o ministro da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, acredita que o resultado do trabalho feito por ele em conjunto com os governos estaduais pode pautar os debates nas próximas eleições presidenciais. “Eu acredito que as ações precisam agora vir com a máxima densidade e rapidez ainda neste ano de 2009, antes que sobrevenha o ano eleitoral”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.


Mangabeira criticou a falta de regras na legislação ambiental brasileira e disse que um pequeno grupo de dirigentes têm poderes quase irrestritos. “Isso transforma cada licenciamento ambiental num jogo de pressão, de sufoco, de influência”.
Em relação à agricultura, o ministro se posicionou contra a existência de dois ministérios, separando o setor em agricultura familiar e empresarial. Segundo ele, essa divisão já desempenhou um papel importante, mas não é aceitável a longo prazo.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil: O senhor diz estar entusiasmado com o trabalho que vem fazendo, mas também aflito. Por que?
Mangabeira.: Agora o tempo ficou muito escasso, muito curto. Eu acho que as ações exemplares precisam agora vir com a máxima densidade e rapidez, tanto no plano das iniciativas setoriais quanto no das iniciativas regionais, ainda neste ano de 2009, antes que sobrevenha o ano eleitoral. Se nós conseguirmos alcançar o grau necessário de densidade ainda em 2009, há uma chance de isso tudo poder, de alguma forma, pautar a sucessão presidencial, o debate na sucessão presidencial, e se impor a futuros governos, ao futuro governo, qualquer que seja. E é isso que eu quero. Eu sei que é muito difícil, mas é isso que convém ao país.

ABr: Essas ações precisam alcançar o debate presidencial para não se perderem?
Mangabeira: É o que é necessário ao país. O país quer isso. O Brasil fervilha de vitalidade, de invenção, de experimentos, e está, há muito tempo, numa camisa de força, de instituições, práticas, idéias, que suprimem essa vitalidade em vez de instrumentalizá-la. O país fica sempre, na linguagem do meu amigo Brizola, costeando o alambrado, procurando uma saída. É para isso que temos que avançar nas iniciativas setoriais e regionais. Eu acho que o país está pronto para isso. O país não descrê disso, o país descrê da política, não acredita, em geral, nos políticos e não acredita nos partidos políticos. E quando o país se desencanta da política, apela para o privatismo, cada um busca salvar o seu, cada estado, cada setor, cada indivíduo. É um salve-se quem puder. Mas o salve-se quem puder não vai resolver os problemas do Brasil. O Brasil precisa de política e grande política, de política de Estado, que passa por essas inovações institucionais.

ABr: E como o governo poderia instrumentalizar essa vitalidade existente no país?
Mangabeira: Atuando. Eu trago essas iniciativas ao presidente, em muitos campos, e o presidente é que está na posição de responsabilidade para decidir qual a sequência, onde colocar o capital político. Em todas essas ações eu procuro organizar convergências, as mais abrangentes possíveis, de forças políticas e de interesses econômicos e sociais. Mas convergência não é unanimidade. Nenhuma iniciativa transformadora está isenta de conflitos e de controvérsia. Ninguém muda o mundo sem briga, e o presidente é que tem que decidir em cada caso, como decidiu no caso da regularização fundiária na Amazônia, onde pagar o preço. Onde, como, quando pagar o preço do conflito e da controvérsia. O meu papel é propor, é propor insistentemente, teimosamente, ainda que sob o risco de ser inconveniente, e tentar organizar essas convergências para diminuir o preço de conflito e de controvérsia que tem que ser pago. Esse é meu trabalho, é isso que procuro fazer.

ABr: E como o senhor o desempenha?
Mangabeira: Para fazer isso, para ver quais são as forças construtivas que já estão atuando no país, o que é que já deu certo, o que é que o país quer, quais são as convergências possíveis, eu preciso ir ao encontro do país. Não posso ficar sentado em Brasília, não posso deduzir soluções das minhas idéias doutrinárias, e por isso que estou agora nesse trabalho incessante de andar o país todo. E é fundamental, não só do ponto de vista da implementação política e da construção da base de apoio, mas também da descoberta do conteúdo. Ninguém vai descobrir o conteúdo apenas desdobrando as suas próprias idéias, precisa abordar o país, descobrir o país. O país não se conhece. Então, é uma experiência fantástica.

ABr: Qual tem sido a maior dificuldade que o senhor tem sentido no seu trabalho?
Mangabeira: Há muitos obstáculos impostos pelos partidos políticos e pelos meios de comunicação e há também os obstáculos que surgiram do próprio desencanto do povo brasileiro com a política. A maioria do povo brasileiro não acredita nos políticos, não acredita nos partidos, só que nós não somos a Suíça ou a Dinamarca. No nosso país tudo continua a depender do encaminhamento coletivo, de soluções coletivas, para problemas coletivos. Nós precisamos, desesperadamente, de política.

ABr: Em relação à Amazônia, é possível conciliar o desenvolvimento econômico da região com as questões ambientais?
Mangabeira: Em relação à regularização ambiental, há um problema não só na Amazônia como no resto do país. Há um problema premente e um problema sistêmico. O problema premente é que grande parte da população da Amazônia e do país - a população rural, os produtores agrícolas - se encontra numa situação de ilegalidade. Porque foi jogada, retrospectivamente, na ilegalidade. Aí é preciso entender o que aconteceu na Amazônia, que é o exemplo mais dramático. O Estado brasileiro, até o final da década de 70 chamou gente do Sul e do Sudeste do país e exigiu que desmatasse, como condição de acesso à terra e ao crédito. A partir da década de 70, houve uma reviravolta radical no conteúdo das leis. O país passou a construir leis ambientais que no papel, e em geral só no papel, são as mais exigentes do mundo. Fez isso, para ser muito franco, em primeiro lugar, para satisfazer a opinião estrangeira e de uma forma frequentemente irresponsável.

ABr: E como mudar essa situação?
Mangabeira: Nós precisamos de um regime no qual, de fato, os brasileiros possam viver e trabalhar, e preservar a sua natureza sem par. Nós não precisamos de um teatro para inglês ver. Quando as leis mudaram, a população da Amazônia ficou presa na porta rotativa, jogada numa ilegalidade maciça e retrospectiva, da qual agora precisamos resgatá-la. E uma das maneiras do resgate é organizar mecanismos financeiros e formas de apoio técnico para que, quando as reservas não possam ser estabelecidas nos locais originalmente previstos, sejam estabelecidas em lugares vizinhos.

ABr: Para isso é necessário alterar o Código Florestal Brasileiro, de 1965?
Mangabeira: Agora vem o problema sistêmico. Precisamos de uma reconsideração radical das nossas chamadas leis ambientais. E o gancho pode ser o problema dos licenciamentos. Primeiro precisamos insistir num regime que seja para valer. Não é para fazer bonito. É para organizar algo que de fato sirva para conciliar os nossos interesses em preservar e em desenvolver. O segundo requisito é que deixe de ser o que é hoje. Nós temos procedimentos, mas temos pouco direito. O que ocorre é que há uma delegação de poderes administrativos quase irrestritos a um pequeno elenco de potentados administrativos: o dirigente do Ibama, o dirigente do Instituto Chico Mendes, dirigente disso, dirigente daquilo. Há um não direito travestido de direito. Transforma-se cada licenciamento ambiental num jogo de pressão, de sufoco, de influência. Os ambientalistas podem gostar disso enquanto seus amigos estiverem no poder, mas não gostarão amanhã, quando o poder mudar. É uma miopia. Nós temos que sair desse lusco-fusco do não direito para a claridade de um verdadeiro direito. Organizar regra, critério e paradigma. O terceiro problema a enfrentar é sair dessa situação em que as mesmas regras de reservas se aplicam ao grande e ao pequeno, independentemente da escala. O resultado é, em muitas ocasiões, um minitabuleiro de áreas que são pequenas demais para serem úteis, quer para preservação quer para produção. O quarto problema é querer as mesmas regras para o passado e para o futuro. Uma coisa é tentar consertar o que ocorreu há 30 anos. Outra coisa completamente diferente é organizar um regime que valha para o futuro. Ninguém quer levantar esse debate porque não é politicamente conveniente. Só que é necessário ao país, e nós temos que levantá-lo e insistir num debate que, em primeiro lugar, não seja sobre a severidade ou a leniência das regras, mas sobre a existência das regras. Nosso primeiro problema em matéria do chamado direito ambiental não é que as regras sejam severas, é que elas não existem, ou pouco existem. Então, isso é um exemplo concreto do tipo de problema que tem que ser enfrentado. Pôr de lado as conveniências políticas e o politicamente correto e acender as luzes para que o país possa enfrentar os seus problemas sem rodeios, sem desculpa, sem anestesia, sem açúcar.

ABr: O senhor já disse que é contra a existência de dois ministérios para cuidar da área rural brasileira, como fazem hoje o Ministério da Agricultura e o do Desenvolvimento Agrário. O que deve ser feito?
Mangabeira: Superar. Eu acho que essa divisão desempenhou um papel importante, mas não é uma solução aceitável a longo prazo. Não há duas agriculturas no mundo. Eu tenho insistido em todo lugar que o projeto estratégico da agricultura brasileira é um terreno privilegiado para reconstrução do modelo de desenvolvimento e esse projeto tem três grandes objetivos que são indissolúveis e inseparáveis. Primeiro: começar a superar o contraste entre agricultura familiar e agricultura empresarial, ao assegurar atributos empresariais à agricultura familiar, sem que com isso a agricultura familiar tenha que perder nem o seu vínculo com a policultura nem o seu compromisso com a democratização da propriedade e a descentralização da iniciativa. O segundo grande objetivo desse projeto agrícola é a industrialização rural, a agregação de valor no campo. Nada de contraste entre cidade cheia e campo vazio. E o terceiro grande objetivo é a construção de uma classe média rural forte, como vanguarda de uma massa de trabalhadores e agricultores mais pobres que virá atrás dessa vanguarda.

ABr: E quando o senhor passa isso ao presidente Lula, como ele se posiciona?
Mangabeira: Eu converso com ele sobre isso, mas não vou comentar o que disse o presidente. Aí tem que perguntar a ele. Mas as minhas idéias e propostas são colocadas, a cada semana, nas mãos dele, quando volto a Brasília.
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