O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) propôs nesta sexta-feira (31) – em documento endereçado à Advocacia Geral da União (AGU) – que a portaria 303 continue suspensa até a apreciação de embargos declaratórios apresentados contra sentença no processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso da Raposa Serra do Sol, em Roraima. O prazo de suspensão terminaria em 24 de setembro.
Outro ponto do documento prevê a criação de um grupo de trabalho composto pelo Ministério da Justiça, AGU, Fundação Nacional do Índio (Funai) e representantes dos povos indígenas para discutir as condicionantes estabelecidas na portaria 303 e outras formas de viabilizar os processos de demarcação das terras indígenas (em conformidade com a Constituição Federal).
Ontem, os índios encerraram o bloqueio das rodovias BR-174 e BR-364, iniciado na última segunda-feira (27), sob a condição de que fosse realizada hoje a reunião no Ministério da Justiça, em Brasília (DF). Caciques de 20 etnias participaram da reunião. Chegando em Cuiabá, eles, que pleitearam a revogação da portaria, devem repassar a proposta às comunidades indígenas.
“Depois que eles [das comunidades] deliberarem sobre a proposta, vamos decidir se os manifestos vão continuar ou não”, disse Genilson Kezomae, um dos líderes da comissão que participou da reunião.
Na avaliação da comissão, houve um avanço. “Quando receberam aqui outras lideranças em semanas anteriores, não houve encaminhamento concreto. E hoje temos duas medidas concretas, mas que vão depender das deliberações em assembleias no estado”, complementou Kezomae.
Segundo ele, o representante da AGU na reunião concordou com o encaminhamento feito pelo ministro, mas a proposta só vai ser referendada em um diálogo entre Cardozo e o advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams. Representantes do governo não concederam entrevista.
“Até então o governo não tinha ouvido os índios. E agora se abriu a possibilidade de discussão com os povos indígenas do Brasil. Não é o que esperávamos, mas às vezes é preciso recuar um pouco, repensar e recomeçar”, observou Sonia Soazokamaero, interlocutora dos índios. Antes do início da reunião, ela chegou a informar que, caso o pedido não fosse atendido, eles bloqueariam todas as rodovias federais e estaduais de Mato Grosso.
Com a portaria, a AGU estendeu a todos os processos demarcatórios de terras indígenas as 19 condicionantes estabelecidas para demarcação da Raposa Serra do Sol em terras contínuas. O órgão argumentou estar apenas adequando a atuação de advogados públicos e procuradores à decisão do STF.
A portaria 1) proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas, a venda ou arrendamento de qualquer parte desses territórios que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pelas comunidades indígenas; 2) veda o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico da terra pelos índios; 3) e impede a cobrança, pelas comunidades indígenas, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas. Os índios temem perder espaços para o agronegócio.
Raposa Serra do Sol
O STF aprovou a manutenção da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol em terras contínuas, mas as 19 condições estabelecidas pelos ministros em 2009 ainda podem ser modificadas ou parcialmente anuladas. O processo é alvo de ao menos seis pedidos de esclarecimentos. Os embargos de declaração estão na pauta do tribunal para serem julgados em breve.
“Achei uma boa proposta [apresentada hoje pelo governo]. Mostra boa vontade [do governo] e se reconhece que há problemas na portaria e que ela não pode produzir efeitos com base em uma decisão proferida apenas para a Raposa Serra do Sol e enquanto o Supremo não diz de fato o que isso significa”, disse Deborah Duprat, vice-procuradora-geral da República.
Atualizada às 15h40.
