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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Indígenas chiquitanos representam 60% das mortes por Covid-19 em cidade de MT

Foto: Divulgação

Indígenas chiquitanos representam 60% das mortes por Covid-19 em cidade de MT
Na cidade de Porto Espiridião, a 328km de Cuiabá, 60% das mortes causadas pelo novo coronavírus até o último dia 15 de julho eram de indígenas chiquitanos. Muitos deles não vivem nas aldeias, e nem todos reivindicam suas identidades indígenas. A infecção em massa, no entanto, coloca tradições, como o ‘Currussué’, em risco.


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Segundo José Roberto de Oliveira Rodrigues, que foi o primeiro vereador e prefeito chiquitano do município, a contabilização informal dos indígenas vítimas da doença tem sido partilhada por moradores e feita através dos sobrenomes. 
 
Uma das vítimas foi Maria Assunta Mendes, personagem importantes do Curussé, manifestação cultural carnavalesca. Ela recebia a festa em sua casa. Manoel Inácio Massay Mendes, seu filho, conta que a mãe estava com a diabetes muito alta e foi internada em Cuiabá. Segundo ele, o primeiro teste de Covid-19, realizado em Porto Esperidião, atestou negativo, mas ao chegar na capital mato-grossense a doença foi confirmada.

Como explica o antropólogo Aloir Pacini, que escreveu sua tese de doutorado sobre a identidade étnica desse povo, traçar um panorama do impacto da pandemia  na vida e na cultura da chiquitania é algo complexo, porque eles estão dispersos por vários municípios sem que seu território originário tenha sido demarcado, e também porque boa parte deles teve suas identidades indígenas massacradas pelo processo de colonização da fronteira do Brasil com a Bolívia.
 
"Nós temos muitos chiquitanos que não se assumem como chiquitanos. No censo de 2010 os que se disseram chiquitanos são 412, mas se a gente contar todas as famílias nas várias periferias, a gente sem dúvida chega a uns 20.000", explica.
 
Sem território demarcado, os chiquitanos estão espalhados no sudoeste e centro-sul mato-grossenses, nos municípios de Cáceres, Porto Esperidião, Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade. Na Terra Indígena Portal do Encantado (em processo de demarcação) vivem 432 chiquitanos, segundo dados de 2019 da  Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). 
 
Este povo teve sua terra ocupada por destacamentos militares, fazendeiros e outros, em decorrência do processo de colonização da fronteira com a Bolívia. "Nós sabemos que as pessoas não estão todas concentradas dentro das aldeias por diversos motivos. Existem os chiquitanos que foram coagidos pelos invasores, fazendeiros", explica Soilo Urupe Chue, chiquitano e integrante da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt).

Desta forma, os chiquitanos estão ainda mais vulneráveis. No bairro Aeroporto, em Porto Esperidião, por exemplo, toda a família de indígenas não aldeados de Aguinaldo Muquissai Massavi contraiu Covid-19. "São 32 pessoas que se identificam como indígenas no nosso bairro, na minha família somos 15, todos nós pegamos Covid", relata. Agnaldo e seu pai ficaram internados por nove dias e seu irmão cinco, mas todos se salvaram da doença.

Os números, no entanto, são difíceis de precisar. Para além da afirmação identitária, os que se entendem enquanto indígenas não aldeados estão fora do mapeamento da Sesai. Até o dia 22 de julho, a secretaria identificava 12 chiquitanos infectados e 7 casos suspeitos na T.I. Portal do Encantado. No entanto, não faz referência a outras possíveis mortes fora das aldeias.



Curussé
 
Além de Maria, outros indígenas que fazem a festa tradicional também pegaram a doença. Foram vítimas Teodoro, que era tocador de caixa do grupo Asa Branca e Antônio Lourenço, do grupo Nativo, que era festeiro e juiz da festa, aquele que determinava o ritmo dos toques. Também faleceu Luzia Sié, do grupo Asa Branca que contribuía com culinária do festejo. "Não é só a perda do cidadão chiquitano, é também uma perda irreparável da cultura", lamenta o ex-prefeito José Roberto de Oliveira Rodrigues.



Medicina tradicional
 
O estrago dentre este povo, no entanto, poderia ser maior, não fossem sua medicina tradicional. Roselino Parava Ramos, da aldeia Naltukirsch Piciorsch, se orgulha em dizer que até o momento da entrevista, dos oito infectados pela Covid-19 na T.I. Portal do Encantado, nenhum teve os sintomas graves da doença. "Foi descoberto que nossas ervas era um dos fatos que preveniu muito", explica ao contar sobre a fama dos "remédios naturais" na região.

O povo Chiquitano foi formado por mais de 40 etnias, o que resultou em uma diversidade de conhecimentos sobre as ervas e os cultivos e uma prática de plantar em qualquer quintal ou pequeno pedaço de terra que possuam. "Nós trabalhamos muito com as ervas medicinais, nossos pajés, curandeiros e parteiras conhecem muito as ervas. Nós andamos sempre preparados, consumindo no cotidiano", explica José Arruda Mendes, cacique da aldeia Acorizal, na T.I. Portal do Encantado. 

Aloir Pacini ressalta que os cuidados com alimentação e os conhecimentos das ervas são fatores importantes em como este povo tem enfrentado a pandemia. "O que é impressionante é a tradição deles de uso de chás e medicamentos naturais. Eles usam muitas plantas para cuidar da sua saúde, para banho. Eles têm conseguido manter a saúde porque eles têm uma alimentação bastante equilibrada". 


No entanto, a demora pela demarcação do território tem implicado no avanço do desmatamento e no aumento do uso de agrotóxicos sobre suas terras, o que coloca em ameaça direta esses conhecimentos medicinais. "Com o avanço dos desmatamentos nos arredores das aldeias as ervas medicinais do nosso povo ficam cada vez mais escassas", explica Saturnina Urupe Chue, da aldeia Vila Nova Barbecho localizada no município de Porto Esperidião. 
 
Perguntado sobre um sonho para o seu povo, o cacique José disse ser o território. "Defendemos nossos direitos à terra até porque o nosso povo ainda não tem nem uma terra demarcada e com essa doença somos muito prejudicados por não podermos sair para nos defender". 
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