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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Doença do sono causa acidente de carro e mudança de profissão

O universitário Renato Alders, 23, passou a adolescência sendo chamado de preguiçoso e vagabundo. Dormia em qualquer lugar, independentemente do barulho: na balada, no bar, na praia, no meio de uma conversa com amigos. As piadas, naturalmente, eram -e ainda são- rotina. "Todos os meus amigos têm alguma foto em que estou dormindo, encostado em algum canto, na escola, deitado na areia", enumera.


Os constantes cochilos na sala de aula fizeram com que o pai o tirasse dos treinos de atletismo por achar que o esporte era o responsável por deixá-lo cansado. Não adiantou. Quanto mais ele dormia, mais sentia necessidade de descanso.

Aos 18 anos, após ver um programa sobre sono na TV, Renato começou a suspeitar de que poderia sofrer de uma doença. Procurou um instituto especializado nesse tipo de distúrbio e recebeu o diagnóstico: tem narcolepsia, problema genético caracterizado por sono excessivo, entre outros sintomas.

Um deles o universitário conhece bem: a cataplexia, ou perda do tônus muscular causada por alguma emoção forte. "Se alguém fala alguma coisa engraçada e começo a rir, fico fraco. A cabeça cai, tento falar alguma coisa, mas não consigo, a voz sai embolada", descreve.
Ele também tem, principalmente quando come muito à noite, alucinações. São pesadelos que parecem reais. "Meus sonhos se confundem muito com a realidade. É como se eu estivesse vivenciando aquilo."

Acidente

O diagnóstico e um tratamento com remédios ajudaram a diminuir os sintomas e o estigma. Mas a narcolepsia atrapalhou e ainda atrapalha bastante a vida de Renato.

Ele já dormiu ao volante, um dos grandes perigos para quem é narcoléptico. Amassou o carro duas vezes e, em outra ocasião, bateu numa moto. "Fiquei sem saber o que tinha acontecido, se era culpa minha ou dele."

Na faculdade de fisioterapia, a sala escura para uma projeção de slides funcionava como um sonífero. Dormia nas aulas e no laboratório de anatomia.

Desistiu da profissão com a qual sonhava por causa do distúrbio. Queria se especializar em atender crianças e idosos, mas temia machucá-los. "Um dia, visitei um hospital neonatal, vi as crianças, totalmente frágeis, e pensei: Como vou poder ser um profissional com uma fraqueza dessas? Se estou segurando um idoso e dou uma risada, posso ficar fraco e deixá-lo cair. Posso queimar alguém com um dos aparelhos que preciso usar. Cheguei em casa chorando", conta.

Hoje, estuda comércio exterior. "É algo que depende mais de mim. Fico no escritório, no telefone, não coloco a vida de ninguém em risco."

De vez em quando, dá uma cochilada -e o mais curioso é que dez ou 20 minutos são suficientes para deixá-lo revigorado, "como se tivesse dormido oito horas seguidas".

Na faculdade, quando começa a "pescar" ou "a não falar nada com nada", os colegas já o orientam a dormir e o acordam após 15 minutos. "Sinto o corpo muito cansado, descanso 20 minutos e acordo zerado."

Os remédios diminuíram os episódios de sono, alucinações e cataplexia. Ele tenta, também, controlar a alimentação. "Ficava ansioso, comia demais e sentia preguiça. Aí dormia e sentia fome. Meu pai brincava que eu tinha dois ciclos de vida: dormir e comer."

Apesar de tanto sono, quando se deita, à noite, Renato não consegue dormir por mais de duas horas seguidas. "Acordo muito. Tento me forçar a ficar na cama para voltar a dormir."

Trata-se de algo comum entre os narcolépticos. "Estudos recentes mostram que esses pacientes tendem a ter o sono mais fragmentado do que quem não tem a doença", afirma Dalva Poyares, neurologista do Instituto do Sono e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Ela diz que a narcolepsia se caracteriza pela entrada anormal no sono REM (quinta fase do sono, na qual ocorrem os sonhos). "Em geral, essa fase aparece após uma hora e meia de sono. No paciente com narcolepsia, o sono REM subitamente aparece no meio da vigília."

É isso que explica a cataplexia: nessa fase do sono, o corpo entra em atonia muscular, ou seja, a musculatura fica "desativada" para evitar que a pessoa se mexa e reproduza os movimentos que faz durante o sonho. No narcoléptico, a atonia pode aparecer na vigília.

As alucinações também têm a ver com as anormalidades do sono REM nesses pacientes. "O sonho acontece quando a pessoa ainda não está dormindo completamente, então parece muito real", diz Poyares.

Ela diz que a narcolepsia não é uma doença grave, mas é muito incapacitante. "A pessoa sofre muito. Pode ter problemas sociais, familiares e no trabalho." Apesar de não haver cura, é possível controlar bem os sintomas com o tratamento, diz.

O problema surge com mais frequência após os 20 anos de idade e afeta aproximadamente uma em cada 2.000 pessoas.
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