Olhar Direto

Segunda-feira, 29 de abril de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Caso mudou procedimentos de treinamento para médicos, diz especialista

Quando Libby Zion morreu, 25 anos atrás, ninguém imaginava que seu caso mudaria a história. Mas mudou.


Os esforços de seu furioso pai, Sidney Zion, colocaram em movimento uma série de reformas ao sistema de educação médica que ele acreditava ter causado a morte de sua filha.

Lembro-me vivamente do caso Zion, pois eu era um estudante de medicina quando Libby morreu. Até os dias de hoje, especialmente entre estudantes e médicos que trabalhavam em Nova York na época, o caso inspira intensas emoções e discussões fervorosas.

A causa exata da morte de Libby nunca foi descoberta, mas muitos fatores são conhecidos. Ao dar entrada no Hospital de Nova York (o atual Hospital Presbiteriano de Nova York) na noite de 4 de março de 1984, ela era uma caloura de 18 anos com febre alta e misteriosos movimentos sacudidos. Ela era alternadamente cooperativa e agitada, e tinha um histórico de depressão – tomava o antidepressivo fenelzina.

Os médicos a internaram para observação e hidratação, suspeitando que pudesse ser uma síndrome viral. Também lhe receitaram meperidina, uma droga anestésica para interromper os movimentos agitados. Os médicos que a examinaram – médicos em treinamento conhecidos como residentes – conversaram com Dr. Raymond Sherman, médico da família Zion e que aparece como responsável nos registros, que concordou com o plano. Eram cerca de três da madrugada do dia 5 de março.

Porém, Libby ficou ainda mais agitada. Quando notificado sobre isso, a residente de primeiro ano que a havia avaliado, Dra. Luise L. Weinstein, solicitou contenção física e uma injeção de haloperidol, outro medicamento sedativo. Muito ocupada cobrindo dúzias de outros pacientes, Weinstein não avaliou Libby visualmente de novo. O residente de segundo ano do caso, Dr. Gregg Stone, tinha saído para tentar dormir algumas horas, como era de costume na época.

As enfermeiras relataram mais tarde que Libby finalmente se acalmou, mas quando seus sinais vitais foram conferidos, às seis da manhã, sua temperatura beirava os 42 graus. A equipe imediatamente tentou resfriá-la. Porém, ela logo sofreu uma parada cardíaca. Apesar das insistentes tentativas de reanimação, ela não sobreviveu.

Após seu pesar e choque iniciais, Sidney Zion e sua esposa, Elsa, contrataram um advogado e começaram a investigar a morte de Libby. Quando Zion soube que sua filha havia sido amarrada e não reexaminada, que os únicos médicos que a atenderam estavam em treinamento, que esses médicos rotineiramente trabalhavam turnos de 36 horas com pouco um nenhum tempo de sono, e que o médico responsável não havia sequer pisado no hospital, sua reação mudou para a fúria.

Ele decidiu transformar a morte de sua filha numa cruzada pela reforma. Ex-advogado e jornalista de renome – havia trabalhado para o New York Times e outros jornais –, ele convocou amigos repórteres por todo o país para contar a história de sua filha. Zion até mesmo persuadiu o promotor público de Manhattan, Robert M. Morgenthau, a dar o passo altamente incomum de reunir um júri preliminar para considerar acusações de homicídio contra os médicos envolvidos.

No Colégio de Médicos e Cirurgiões de Columbia, meus colegas estudantes de medicina e eu repassamos os acontecimentos daquela noite. Teríamos solicitado as contenções físicas (amarras) e deixado de examiná-la uma segunda vez? Teríamos enviado-a para o tratamento intensivo? Teríamos imaginado uma interação potencialmente tóxica entre os medicamentos em seu corpo?

No fim, concluímos que só podia ser o destino. Nós definitivamente não conseguimos afrimar se teríamos feito algo diferente. Os jovens médicos que cuidavam de Libby Zion simplesmente estavam no lugar errado, na hora errada. Quando posteriormente tive a oportunidade de pesquisar o caso, para um livro sobre pacientes famosos, concluí que a equipe da admissão tinha um bom plano – mas havia errado em não perceber que a condição de sua paciente estava se deteriorando.

O caso de negligência médica, que foi a julgamento em 1994, acabou atribuindo culpas proporcionais ao Hospital de Nova York e a Libby Zion, por supostamente ocultar seu uso passado de cocaína. No entanto, os verdadeiros legados do caso foram as questões de horas de trabalho e supervisão para residentes.

Isso não surpreendeu a nós, nas trincheiras. Sabíamos como era ficar acordado por 36 horas direto, primeiro como estudantes de medicina, e mais tarde como residentes. Era, para definir em uma palavra, insano. Privados de sono, vagávamos pelas alas, sonhando com a hora em que finalmente poderíamos sair, alternando cochilos com rondas, gritando com pacientes e colegas e rezando para não cometermos nenhum erro muito grave. Quando a campanha de Sidney Zion decolou, senti pena dos competentes e bem-intencionados médicos que ele atacava, mas estava satisfeito com as mudanças que se iniciavam.

O estímulo à reforma era o júri preliminar, que não indiciou os médicos, mas divulgou um relatório altamente crítico sobre o hospital. Isso levou à formação de uma comissão de estado, liderada pelo médico de Nova York Dr. Bertrand Bell, que em 1987 recomendou que os médicos em treinamento não trabalhassem mais que 80 horas por semana e mais que 24 horas direto, além de receberem significativamente mais supervisão no local de médicos experientes. Em 2003, o Conselho de Reconhecimento da Educação de Graduação Médica tornou essas recomendações obrigatórias para todos os programas de residência.

Porém, isso não era o suficiente. Em dezembro passado, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos divulgou um relatório recomendando reduções ainda mais severas na carga horária e concluindo que a supervisão de jovens médicos continuava inadequada.

Levou 25 anos, mas o sonho de Sidney Zion se torna real – pelo menos em parte. Numa recente entrevista, ele me disse esperar que o financiamento para aplicar a reforma estivesse próximo. "Não conheço ninguém que ainda trabalhe 24 horas direto em qualquer outro trabalho", disse ele. "E estamos falando de pessoas que têm vidas em suas mãos."

As mudanças têm seus críticos, que dizem que o sistema "flutuação noturna", colocado em prática para permitir que os residentes durmam, deixa o atendimento desconjuntado, produzindo médicos "de turnos" que nunca aprendem realmente como as doenças complicadas evoluem nas primeiras 24 a 36 horas – as mais cruciais. Um estudo de 2007 na publicação médica The Archives of Internal Medicine, por exemplo, revelou altas taxas de erro resultantes de trocas de informação insuficientes entre médicos que alternam os turnos.

O relatório do Instituto de Medicina não ignora essas preocupações, e sugere algumas mudanças para aprimorar os novos sistemas. Mas, lembrando-me daqueles dias e noites virando xícaras de café para conseguir me manter acordado, sei que não poderíamos voltar atrás. Hoje, quando trabalho com residentes descansados, agradáveis e entusiasmados, meus pensamentos se voltam a Libby Zion. Pelo menos a causa de seu pai está viva e saudável.
Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet