Olhar Direto

Terça-feira, 21 de maio de 2024

Notícias | Cidades

terceira idade

Paredes coloridas escondem clima de tristeza no abrigo Bom Jesus

As paredes coloridas do abrigo Bom Jesus de Cuiabá, lar dos idosos, localizado na Avenida do CPA, dão uma falsa ilusão de alegria ao local. Porém, o mau cheiro que invade as fossas nasais ainda no pátio do abrigo já desmente toda e qualquer boa impressão que se tinha ao entrar lá.


Olhares vagos e carregados de tristeza se perdem nos fétidos corredores, nos quartos sem estrutura adequada e nas más condições dos banheiros. A esta altura da vida, os que ainda se encontram lúcidos no local, guardam os bons momentos da juventude apenas na memória.

Toda a experiência adquirida durante a vida parece já não fazer diferença ali. Abandonados e esquecidos pelos familiares, os idosos esperam o inevitável nas camas, cadeiras de roda e nos bancos do abrigo Bom Jesus.

O cenário inglório dos capítulos finais da biografia daquela gente desperta um turbilhão de sentimentos nos visitantes despreparados emocionalmente. Tristeza é provavelmente o que predomina. No abrigo, os quartos são separados por alas: masculina e feminina. O corredor das mulheres fica próximo à enfermaria. Os fedidos banheiros ficam à frente dos quartos. Já desprovidos de pudores, os idosos sequer se importam de serem flagrados nus.

A faxineira Sueli Silva conta que é contratada pela Prefeitura de Cuiabá para limpar o local com mais duas moças no plantão. Segundo ela, o ponto mais crítico no que diz respeito à limpeza são os sanitários. “Os banheiros são precários, muitos estão entupidos. O banheiro feminino é o pior”, revela.

Além do problema nos banheiros, os idosos têm de viver em quartos mal estruturados e cheios de goteiras. O cheiro de urina nos corredores é fortíssimo, é possível também constatar rastros do líquido nos corredores. Já carentes do autocontrole da bexiga, os moradores do abrigo diariamente urinam na cama. Resultado: Os colchões já estão todos mofados, úmidos e fétidos; o mau cheiro no quarto é difícil de aguentar.

Fundado em 16 de março de 1985, com terreno doado pelo governo do Estado, o abrigo tem como objetivo acolher e dar dignidade àqueles que trabalharam a vida inteira por Mato Grosso. Hoje, se mantendo com a contribuição de 70% da aposentadoria dos idosos que lá vivem e à sorte de doações, a instituição passa por vários problemas. 

O técnico de enfermagem Ivan Figueiredo, que trabalha há sete anos cuidando dos moradores do abrigo Bom Jesus de Cuiabá dá um exemplo dos problemas enfrentados diariamente. “São várias dificuldades pelo fato de ser uma entidade filantrópica”, diz. Ele conta que costuma faltar remédios antibióticos e materiais para curativos, como gazes, esparadrapos e algodão.

As más condições em que a casa se encontra, contradizem o estatuto do idoso, instituído no ano de 2003 no Brasil. Onde o terceiro artigo, por exemplo, sustenta que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”O que de fato não ocorre nas dependências do abrigo.

Um dos funcionários, que preferiu não se identificar, insinuou que há desvio de verbas das doações. Procurado pela reportagem, o atual presidente do abrigo, Coronel Altair Magalhães, não foi encontrado para responder tais críticas.

Assim como o lar dos idosos, Magalhães preside também o abrigo das crianças Bom Jesus de Cuiabá, que são um projeto único. Porém, o lar das crianças, localizado no bairro Dom Aquino, se está curiosamente em melhor estado que o lar dos idosos. Segundo Tiago Bastos, que trabalha na instituição, isso se dá pelo fato das crianças receberam mais atenção e mais doações que os idosos.

Como não podia deixar de ser, tal abandono faz com que os velhinhos queiram sair do lugar. Dona Tereza Pinati, que já não se lembra mais da própria idade, por exemplo, entre momentos de lucidez e algumas confusões que o peso dos anos lhe causam, conta que a última coisa que quer é continuar vivendo naquele ambiente.

Natural de Bebedouro – SP, ela veio para Cuiabá tentar a vida, já nem consegue lembrar há quanto tempo. Aqui, casada teve cinco filhos. Com a morte de seu marido, e com os filhos já crescidos, ela conta que morava sozinha, até um dia que acordou no hospital. “Eles tinham me tirado uma perna e me trouxeram pra cá, mas eu não quero ficar aqui, meu lugar não é aqui, eu tenho casa, o Julinho (um dos filhos) vai vir me buscar”, diz esperançosa.

Realidade diferente

Enquanto isso, ao lado do Shopping Popular, no centro de Convivência para Idosos Padre Firmo, Dona Cleoni Alves da Silva, de 65 anos vive radiante. Há cinco anos, antes de se inscrever no centro de convivência, ela não saia da cama, estava com depressão.

A quinta morte de um filho, desta vez o caçula, havia a derrubado de vez. Sem conseguir sair do quarto, ela não via mais sentido na vida. Até que um dia a levaram para se inscrever no centro Padre Firmo. Lá ela conta que sua vida mudou. Feliz, animada e vaidosa, Dona Cleoni até participou da edição do concurso Rainha da Primavera 2009, não venceu, mais isso não a abalou em nada. “Vim para participar, não para ganhar”.

O Centro de Convivência Padre Firmo atende pessoas da mesma faixa etária do abrigo Bom Jesus, pessoas a partir de 60 anos. A diferença já está no nome das diferentes entidades. Como centro de convivência, o lugar onde Dona Cleoni se recuperou da depressão tem como objetivo integrar a terceira idade socialmente, por meio de concursos de danças, aulas de hidroginástica, natação, aeróbica e atividades em geral. Lá os idosos não moram, apenas vão durante o dia para se socializar.

Já no Abrigo Bom Jesus, os idosos moram, e apesar de conviverem 24 horas por dia, a falta de assunto impera. Apáticos e envoltos pelo clima de tristeza, quase não se conversa no local. Atividades não são feitas. O sentimento pesado está sobre as costas de todos. O clima é de amargura é constante. São raros os momentos de alegria.

Durante toda a entrevista que concedeu, Dona Tereza Pinati só esboçou apenas um sorriso quando um senhor passou do seu lado e ela mostrou o urso ‘Chiquinho’ para ele, que correu o máximo que pôde (ainda que não muito rápido) para outra direção. Com um sorriso maroto, ela explicou: “Ele morre de medo do ursinho”.
Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 

Comentários no Facebook

xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet