Um olhar sobre como o poder está presente em todas relações, entre elas as afetuosas. Cabeça a Prêmio é a observação sobre quando a imponência dá lugar a decadência, aspecto mais interessante do filme.

O mais acertado do filme é a escolha de Fúlvio Stefanini (Caixa Dois) para interpretar o patriarca de uma família que pecuarista que mantém o luxo por meio de contrabandos e assassinatos. Sua figura gorda é um achado dramatúrgico. Representa tanto a opulência de outrora quanto a dificuldade de carregar o próprio peso do poder em um mundo que desaba. Ele não se agüenta, perde o controle sobre os outros e sofre para carregar o mundo sujo que ajudou a construir.

Mas Cabeça a Prêmio tem uma questão que a narrativa não resolve. O impacto do cenário fronteiriço, a família decadente, os capangas e o contrabando, são poderosos no começo (que nos apresenta o panorama) e no fim (espelho e resolução dos conflitos iniciais). O desenvolvimento, que privilegia o romance entre o piloto da família (Daniel Hendler) e a filha do patriarca (Alice), é bem mais frio.

Marco Ricca fala melhor de poder do que de amor. O miolo do filme não empolga, talvez pelo tamanho distanciamento que a direção pede do espectador. Mas por que essa distância para um filme que fala de amor? Se amor é aproximação, por que nos pedir afastamento? Por que não nos chama nem à empatia ou à antipatia? Saímos sem odiar ou amar. Saímos frios.

Cabeça a Prêmio, assim como Feliz Natal, de Selton Mello, é mais um dos filhos da Lucrecia Martel de Pântano. Uma vez mais, a piscina volta como o espaço de afogamento de um projeto de família e de vida. É filho também do Beto Brant de Os Matadores.

À Ricca, que em todas as apresentações de seu filme em festivais faz questão de ressaltar a felicidade de ter feito um filme como diretor de cinema, faltou uma coisa: laçar o espectador e nos mostrar que existe mesmo sangue circulando nas veias de Cabeça a Prêmio.