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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

Opinião

Brasil, Primavera de 2022.

Autor: Julianne Caju, Romualdo Venâncio e Tobias Ferraz

30 Set 2022 - 08:00

Tenho pensado muito em você ultimamente. Nos conhecemos há tanto tempo, vivenciamos tantas experiências nessa longa jornada. E há outras tantas por vir. Lembro muito bem das nossas conversas, dos nossos sonhos, da nossa sede de conhecer o mundo e o universo de pessoas diferentes que vivem aqui. Lembro muito bem de cada detalhe. Tenho tantas memórias afetivas das nossas risadas, das nossas lágrimas, das nossas angústias e dos nossos desejos. Guardo comigo imagens da gente dividindo a carteira na escola, o banco do ônibus ou o da igreja, a cadeira em alguma festinha ou o sofá na casa dos amigos. E como não lembrar da correria na quadra de esportes. 

Agora, com a passagem de setembro, vieram as primeiras chuvas, trazendo o verde e os primeiros brotos da nova florada. As estações mexem com a gente. Lembra que percebíamos cada término e início delas? Como somos parte desse todo, e a Primavera é uma estação em que tudo se renova, me deu vontade de te escrever e ressignificar nossa amizade. Talvez seja esse sentimento de esperança que a Primavera traz. Lembra que desde lá atrás já conjugávamos esse verbo? Tínhamos alegria em dizer: "Vamos ter esperança! Vamos esperançar, fazer acontecer e nunca perder os valores que nos fazem humanos". 

Então me deu vontade de te falar sobre aqueles velhos planos. Lembra das intermináveis conversas sobre um mundo sem guerra, onde cada irmã e cada irmão poderiam viver na plenitude da paz? Lembra daquele projeto de vida integrada à natureza, com gente, bicho e planta, tudo em harmonia? Falávamos sobre respeitar o jeito, o pensar e o agir de cada um. Desde que essas escolhas não machucassem, não desrespeitassem, não magoassem, enfim, não fizessem mal algum a quem quer que fosse. Sonhamos, imaginamos e construímos planos para um mundo melhor, e nos colocamos como agentes de transformação enquanto vivos estivéssemos. Ainda sou fiel a tudo isso, e sei que você também é.

É sobre esses sonhos que quero falar com você, porque, como diz a galera do Clube da Esquina, "sonhos não envelhecem". Muito pelo contrário, projetam e viram realidade. Bem como diz uma velha canção do Raul: "Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade". E ainda como diz a música caipira de Renato Teixeira que embalou alguns dos nossos encontros: "É de sonho e de pó. O destino de um só." Isso mesmo! Construímos muitos dos nossos castelos a partir daquelas conversas no calor do sol e às vezes no lumiar da noite. 

Se por um lado edificamos, por outro também embrutecemos, nos tornamos indiferentes a muitas questões da condição humana e talvez tenhamos nos desviado em alguns pontos do caminho. Ah, as encruzilhadas! E as rodas da vida! Como são traiçoeiras e ardilosas. Muitas vezes nos fazem retornar várias casas no jogo da vida. E a poeira da estrada, os tropeções, os tombos, as cicatrizes e as perdas. Afinal, viver é ganhar e perder, é cair e levantar, é errar e aprender. Mas é também seguir em frente, e isso nos une, não é mesmo?

Pois é, muitos de nós têm se distanciado por razões que beiram o irracional. Percepções e escolhas sobre política têm afastado gente que se ama, que se admira, que se respeita e que tem afeto. Quanta briga e discussão, quanto murro na mesa, quanto xingamento, quanta agressão. Quantos nós engasgados. Quanto disso vale a pena? Vale a pena?

Na minha caminhada aprendi que em política e religião não existe "pacote pronto", e que a compreensão é irmã da fraternidade e da solidariedade. Portanto, a ideia de excluir alguém das nossas vidas é tão impactante e tão grave quanto o conceito de extinção de uma espécie. Aposto bem mais na inclusão, até porque ela tem um ar de ciranda, e na ciranda a gente roda sorrindo. Acredito nos diálogos, nas trocas, nas partilhas, no velho e bom olho no olho, no reconhecer da companhia de prosa. Acredito na construção de pontes através do falar, ouvir, analisar, refletir e decidir a partir de fatos, evidências, dados, informações verdadeiras e meios que nos ajudem a escolher os melhores caminhos. Aqueles em que a espiritualidade de cada um mostre ser a estrada mais amorosa, inclusiva, respeitosa, igualitária, solidária, com mais justiça, equidade e principalmente respeito a todas as diversidades humanas. Porque eu e você sabemos quão forte pulsa a amorosidade em meio a nossas discordâncias. 

Eu te contei tudo isso para dizer que você é muito importante para mim, que nossos sonhos me trouxeram até este ponto dessa grande aventura que é a vida. E ela tem tanto para nos oferecer. Acredito que, de um jeito ou de outro, trouxe você também. Hoje sabemos a imensidão de possibilidades que existe em uma fração de segundo. E se tanta coisa é possível, nós que já chegamos até aqui merecemos a chance de renovar o abraço, de provar daquela velha cumplicidade e resgatar os sonhos. Nossos sonhos sempre foram de unir, construir, amparar, promover, confortar, fazer brotar e crescer. 

Que sejamos corajosos para semear a paz e o acolhimento. Nós não merecemos sentir o sabor amargo do rancor, a incerteza do temor e o calafrio do pavor. Queremos e merecemos o calor do amor. Não fomos preparados para pintar com cores opacas e nem para ouvir o desafinado tom da intolerância. Nesta Primavera, tão aguardada e desejada, vamos seguir como sempre, irmanados por algo maior que nós, por um propósito de real grandeza: que floresça a paz em nossos corações e mentes, como sempre foi, como sempre renovamos a esperança e o amor. 

Vamos esperançar!!! Vamos primaverar!!! Vamos amar!!! É essa a transformação que almejamos. Que nossas escolhas para os próximos representantes políticos tenham como critérios todos os valores humanos, os que realmente respeitem o jeito de ser e viver de cada um; que o primor do respeito, da gentileza e da solidariedade nos ajudem a decidir; que a democracia, a liberdade e a inclusão de todas as raças, credos e cores encaminhem nossas preferências; que as transformações por um mundo mais amoroso, mais cuidadoso, mais responsável  e mais afetuoso que todos os povos almejam comecem em cada um de nós; e por fim que consigamos votar com muita consciência, mas também possamos acompanhar de perto o mandato dos eleitos, ou seja, que assumamos de fato, o nosso direito e dever de cidadãos e cidadãs.  

Sabemos que nenhum candidato nos representa 100%, porém podemos escolher quem tem um plano de governo que mais corresponde com a práxis que verdadeiramente cuida das pessoas e não vira as costas para ninguém. Lembremos do trecho da música de Elis Regina "...Só o amor me ensina onde vou chegar. Por onde for quero ser seu par..." e também dos ensinamentos de bell hooks: "o amor é mais do que um sentimento — é uma ação". 

*Carta escrita por três jornalistas que se encontraram e reecontraram no auge da pandemia no ano de 2020, não se largaram mais e de lá para cá tentam, nos espaços que ocupam, construir pontes, destruir muros, fazer fissuras, problematizar e provocar reflexões acerca de assuntos que nos afetam de um jeito ou de outro. 


Assinam essa carta: Julianne Caju, Romualdo Venâncio e Tobias Ferraz 
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