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Sábado, 04 de maio de 2024

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A Busca pela Segurança Jurídica Compartilhada

Bem se sabe que a segurança jurídica representa valor essencial ao direito e à vida em sociedade. Nas palavras de Recaséns Siches, "sem segurança jurídica, não existe direito, nem bom, nem ruim, nem de classe alguma."

Intimamente relacionada à segurança jurídica está a ideia da previsibilidade do tratamento dispensado pela Administração Pública aos administrados, na edição de normas, na concessão de licenças e autorizações, e na tomada de decisões.

A garantia de estabilidade dos atos da Administração Pública propicia que todos, inclusive o empreendedor, possam planejar a longo prazo, tendo em mente o atendimento à legislação vigente. É preocupante, nesse sentido a insegurança jurídica vivenciada atualmente, a qual não está restrita à atuação do Poder Legislativo; ela é frequente também nos atos do Poder Executivo e nas decisões do Poder Judiciário.

Em nome, por exemplo, da proteção do meio ambiente, normas contraditórias e inesperadas são editadas pelos mais diversos órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal; processos administrativos aguardam - paralisados - em todas as esferas do governo, à espera de definições legislativas e judiciais; servidores amedrontados criam exigências não-factíveis; e Promotores de Justiça buscam evitar obras que julgam ilegais. O judiciário, diante desse cenário, é comumente visto como a derradeira chance de resolução do problema, acumulando-se processos sem solução em meio a recursos judiciais infindáveis.

Um dos setores que mais de perto convive com essa realidade é o setor imobiliário. É muito comum o empreendedor, após passar por um verdadeiro périplo para obter as licenças e autorizações necessárias, ver-se surpreendido com novos questionamentos administrativos não previstos durante a fase de licenciamento. Ou, o que é pior, ver-se às voltas com questionamentos judiciais visando a anular os procedimentos administrativos ou introduzir novas exigências que, no mais das vezes, acabam por inviabilizar todo ou grande partedo empreendimento.

Vivemos, assim, um estado de insegurança jurídica coletiva, o que, em última análise, afronta a segurança jurídica particular, ferindo direitos fundamentais, como os da livre iniciativa e da propriedade.

Uma forma de romper com esse círculo vicioso seria, talvez, a Administração Pública, em todas as suas esferas, perseguir com mais afinco a ideia de segurança jurídica compartilhada. A questão aqui não é somente jurídica: é também econômica e social. Resulta deste conjunto de circunstâncias que o planejamento e anegociação efetiva entre a Administração Pública e o empreendedor, dentro de um ambiente de absoluta transparência, visando ao atendimento da legislação e do interesse públicoe à busca de instrumentos jurídicos estáveis, torna-se imprescindível.

Não se trata de propor a instalação de "balcão de negócios" onde Administração Pública e empreendedor negociariam no caso a caso. O que se vislumbra é o aprimoramento dos mecanismos de cooperação entre Administração Pública e setores empresariais, ampliando os canais de discussão e comunicação, visando a conferir maior previsibilidade e estabilidade aos atos praticados pela Administração, notadamente àqueles que geram direitos e obrigações aos administrados. Um bom exemplo da interação do setor público com o privado são as Câmaras Ambientais da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, que são colegiados constituídos no âmbito da CETESB, de caráter propositivo e consultivo, que têm como meta promover a melhoria da qualidade ambiental por meio da interação permanente entre o poder público e os setores produtivo e de infraestrutura do Estado. Esse é um mecanismo que precisa ser aperfeiçoado, mas é certamente o embrião de um salutar sistema de comunicação entre os setores público e privado, na busca da compatibilização do desenvolvimento econômico e social e a preservação ambiental.

O planejamento conjunto - envolvendo a Administração e o empreendedor - nos parece ser um caminho que pode, de fato, assegurar o aprimoramento da proteção ambiental em conjunto com o desenvolvimento necessário à sociedade, o qual perpassa as tão almejadas melhorias de moradia e infraestrutura, dentre outros. Tais melhorias só se fazem a longo prazo, em um ambiente propicio ao investimento, com segurança e razoável previsibilidade. O compartilhamento de entendimentos, expectativas e responsabilidades será certamente benéfico a todos e contribuirá para conferir maior segurança jurídica à coletividade.

Walter Hellmeister Junior, consultor jurídico do Grupo de Meio Ambiente e Direito do Consumidor do Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

Renata Campetti Amaral, sócia do Grupo de Meio Ambiente e Direito do Consumidor do Trench, Rossi e Watanabe Advogados.




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