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Mais de 2 mil advogados estão na mira do Tribunal de Ética em MT; Veja Lista

29 Jan 2017 - 17:02

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/OD

Presidente do TED, João Batista Beneti

Presidente do TED, João Batista Beneti

Com experiência na advocacia de mais de 40 anos, o profissional João Batista Beneti preside o Tribunal de Ética de Disciplina (TED) da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT), que tem a responsabilidade de apurar, julgar e condenar administrativamente advogados que eventualmente cometam faltas éticas no exercício da profissão. Em  Mato Grosso, dos 25 mil inscritos, 2,5 mil ou exatamente 10% estão sob investigação. Oito profissionais estão em processo de exclusão, por faltas das mais variadas, mas principalmente retenção ilegal do dinheiro do cliente. Veja lista aqui que a OAB disponibiliza de casos de advogados suspensos ou excluídos. 

O Tribunal, apesar de muito efetivo e profissional, ainda é tido pelo cidadão como confuso, isto porque não diz exatamente como e quando realizar uma denúncia contra um profissional. Para isso, Olhar Jurídico conversou com o advogado, que apresentou, com linguajar simples e com riqueza de detalhes o que se passa naquelas salas do TED. Com a palavra, João Batista Beneti.

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Apresente-nos o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-MT:

“O TED é mais consultivo e diretivo do que um Tribunal que aplica penalidades aos advogados. A maioria não sabe que somos um Tribunal de consulta, que orienta o cidadão sobre como atuar na advocacia. Somente em última condição aplicamos penalidades às faltas cometidas pelos advogados”.

Quais as infrações cometidas por advogados?

“As infrações mais comuns que existem são os casos de apropriação de valores aos clientes. Ocorre o seguinte: enquanto advogado você tem poderes para transacionar no processo. Por exemplo, você recebe o alvará daquela liquidação de sentença em favor do cliente e repassa apenas uma parte do valor, uma parte indevida. Você pode receber os valores, mas faz uma prestação de contas ao cliente dizendo: ‘olha, seu valor é X e o meu é 20%, estou fazendo a retenção e estou lhe passando’. Essa retenção só pode ser feita, também, se autorizada. Não posso reter valores, pois eles não pertencem ao advogado, mais ao cliente”.

Essa, então, seria a infração mais recorrente...

“Sim, essa é a infração mais recorrente, principalmente cometida por advogados novos, que se iludem e pensam: ‘não, isso é tranquilo e depois vou lá pagar’. Isso vai passando e vira uma bola de neve, chegando a essa situação. Isso chega ao TED e nós instauramos um procedimento contra esse advogado”.

E então?

“Ele sendo penalizado, com uma suspensão ou qualquer coisa que o valha, ele deverá devolver aquela diferença para o cliente. Essa penalidade perdura até que se faça a prestação de contas ao cliente. Cito um exemplo: se o advogado foi penalizado com 90 dias de suspensão e durante esses dias ele não devolver o dinheiro ao cliente, essa suspensão perdurará”.

Em relação à questão dos honorários. Como a OAB trata a questão dos honorários acima de percentuais de 20%? Em outras palavras, existe um limite, 40% ou 50%?

“Se o contrato for verbal, o Tribunal de Ética admite até 20%. Vamos admitir que o advogado recebesse o valor da ação e devolveu para ele 70%, ou seja, se apropriou de 30%, mas não havia contratação por escrito. O cliente então leva o processo ao Tribunal, que faz um trabalho de autuação perante o advogado e ele deverá explicar esses 30%. Se ele não provar que contratou com seu cliente, por escrito, aquele valor, será reduzido a 20%. Essa é a regra geral. Porém, se você contratar 30%, 40% por escrito, esse contrato será respeitado, pois é a vontade das partes”.

E 50%?

“Você não pode ultrapassar 49%. Por que se não aí você pode pensar: ‘poxa vida, é ilegal?’. Ilegal não é, mas passa a ser imoral, você receber mais que seu cliente. Essa prática abusiva o Tribunal tem repetido veementemente”.

Quais seriam outras infrações?

“Veja bem, há outras infrações, como aquelas cometidas quando um cliente atravessa uma petição tendo já um procurador nos autos".

Como explicar em outras palavras?

“Eu contratei com você, sou seu advogado e, de repente, você outorga procuração para outro advogado, pois ele fez mais barato para você. Como eu fico? Esse advogado que se sente prejudicado pode ingressar com procedimento junto ao TED, que será interpelado para dar explicações: por que ele recebeu aquela procuração sabendo que no processo já existia um advogado? Ora, não existe processo sem advogado, e se o processo já existe é porque alguém outorgou procuração para um advogado”.

Qual o procedimento regular para substituir um advogado?

“Comunicar por escrito a revogação de poderes do advogado e acertar os honorários até então combinados”.

E quem define o valor desse honorário, no caso?

“É um acordo entre as partes. Se eu fiz determinado trabalho para você e já cumpri 70% do combinado, teria sido um valor pré-acertado. Se não, manda-se para o TED e nomeamos três relatores para estudar quanto ele poderia receber em cima da contratação, em razão do serviço já prestado. Arbitra-se um valor. Basta um requerimento ao TED”.

Quanto tempo dura um processo no TED?

Considerando o direito de defesa, apresentação de provas e colheita de provas testemunhas até a chegada da sentença, em média, de oito a dez meses, um ano. Alguns demoram mais, pois advogados fazem aventuras jurídicas, ingressam com petições e você precisa abrir prazos, etc. Precisamos cumpri-los. A partir de janeiro deste ano serão prazos estipulados em dias úteis, e não mais corridos”.

Como o cidadão comum acompanha esse processo?

“Somente as partes, os procuradores e as autoridades judiciais acompanham. Suponhamos que você entrou com processo contra determinado advogado. Você tem que ir ao TED, não adianta ser por telefone, pois não sabemos quem está atrás da linha. Então você recebe a informação, seu advogado e a autoridade judicial, ou juiz. O promotor não, nem o delegado. Não há acesso. Pela internet não existe disponibilidade. Você pode fazer um acompanhamento semanal lá mesmo no Tribunal, onde transmitimos por escrito ou verbalmente”.

E como faço para denunciar um advogado?

“Normalmente, quando uma parte se sente prejudicada procura outro advogado, que redige um requerimento ao TED e a gente faz isso. Outro caso é quando o Poder Judiciário manda um oficio ao TED sobre um fato envolvendo um profissional. Lá temos um atendimento ao público, atendemos no ano passado 350 pessoas que vão e reclamam, pois não sabem onde procurar seus direitos. Procurem o TED. Toma-se, por termo, a representação, ele apresenta documentos pessoais e apresenta provas que tiver, cópias do processo, contratos que tiver com o advogado e o relato, propriamente dito, do que ocorreu com aquele advogado”.

Então não precisa necessariamente de outro advogado?

“Não precisa e acrescento: o processo é totalmente gratuito”.

Existe uma publicação do resultado final de todo esse processo, correto? Como ele é apresentado?

“Quando já tramitou todo o processo e o advogado é suspenso, transitado em julgado, no mesmo dia a informação irá para o site da Ordem. Estará lá: ‘advogado suspenso, qual infração cometeu, o artigo infringido, etc’. Essa mesma informação é transmitida ao Poder Judiciário. Se o advogado for de outro Estado também transmitimos isso para outros Estados. Há publicidade. Mas somente quando transitado em julgado”.

E quando ainda não?

“Ah, aí muitas vezes o sujeito pensa: ‘poxa vida, o cidadão foi suspenso pelo TED, mas está advogando. Sim, porque ele foi suspenso no TED, mas recorreu para o Conselho Estadual, em grau recursal, com efeito suspensivo, então você continua podendo advogar. Se o Conselho referendar aquela condição do TED, ele continua se recorrer no Conselho Federal, que seria nossa última instância. Confirmada a suspensão, a partir daquela data é aplicada a penalidade ao cidadão, que é automaticamente suspenso. Enviamos a decisão, a ele, por escrito e isso vai para o site”.

Para o réu, ter um advogado suspenso no meio do processo é um prejuízo grande, não?

“Na realidade ele poderia alegar a nulidade dos atos, pois o advogado não poderia praticar atos da advocacia. Se eu estou advogando para você, mas estou suspenso, meus atos são nulos. Se, de repente, for bom para você, você pode alegar que seu advogado está suspenso e pedir que se decrete a nulidade de todos os atos praticados por ele até então. Vai muito da pessoa”.

Não há como isso, de alguma forma, paralisar o processo?

“Não, não há como”.

Quantos advogados estão sendo investigados hoje?

“A Ordem hoje conta com mais ou menos 25 mil advogados, temos aí 2,5 mil processos em tramitação”.

É um número alto se comparado às demais Seccionais? Mato Grosso apresenta alto índice de profissionais investigados?

“Não, é relativo e até razoável. Temos Estados com volume até maior, em relação ao número de inscritos. A média nas demais Seccionais é de 10% a 15%. Nós estamos nessa linha”.

O que podemos falar da Prisão do presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Diamantino, Pérsio Oliveira Landim?

“O caso concreto a gente não comenta, mas podemos dizer o seguinte: as providências que a Ordem irá tomar são: requisitar a autoridade competente todas as provas do processo que foi instaurado a partir daquele momento e abrir um procedimento contra ele, para que ele apresente essa resposta a Ordem também. Não basta a resposta ao procedimento. Quando a Ordem toma conhecimento de um fato dessa natureza nós abrimos procedimento, de forma normal. Ele terá direito de defesa, apresentar suas provas e testemunhas, haverá um julgamento normal”.

Quantos foram excluídos?

“No ano passado excluímos apenas 01 advogado e, de lá para cá, temos oito processos de exclusão em julgamento. Serão julgados este ano”.

A exclusão deve ser causada por um ato muito grave, não?

“O Código de Ética diz o seguinte: se você foi suspenso 03 vezes, a 4ª suspensão já enseja sua exclusão. Se não o profissional pode pensar: ‘ah, não vai dar nada, posso ser suspenso quantas vezes quiser’. Mas não”.

E qual o lapso temporal?

“Até cinco anos. Acontece, por exemplo, de o sujeito ser suspenso em 2005 e duas agora, o lapso é muito grande, então conta-se quantas foram nos últimos cinco anos”.

Qual seria outro ato que causaria exclusão?

“Casos de conotação que repercutam contra a dignidade do ato da advocacia. Darei-lhe um exemplo forte, de um cidadão que abusou de uma menina, réu confesso, em uma cidade do interior, há uns dois anos. Nós o excluímos, pois foi um atentado à dignidade da pessoa humana e a própria classe. Outros atos como apropriação de valores vultosos ligados às pessoas e entidades, figuras da sociedade, aqueles casos que repercutem contra a advocacia. Obviamente isso irá depender das provas que tiverem se não, poderá haver apenas uma suspensão de longo prazo. A suspensão pode ir de 1 a 12 meses”.

Um profissional excluído da Seccional de Mato Grosso pode deixar o Estado e tentar entrar em outra Seccional?

“Não, pois acontecerá o seguinte: ele deverá apresentar certidões de conduta e responder ‘onde você advogou pela última vez’, ‘ah, em Mato Grosso’, ‘ok, então pegue uma certidão de lá’. Ponto, ele não poderá se habilitar”.

Existe a possibilidade de o sujeito atuar na advocacia ilegalmente com relação à OAB?

“Existe, mas nestes casos, bem a Ordem só pode punir advogado. Se um cidadão, vamos dizer, um administrador de empresas, estiver fazendo advocacia, porque pode, é um conhecimento jurídico que ele pode ter, e se nós tivermos conhecimento, isso vem para nós e nós mandamos para a Polícia Federal para apurar o crime de exercício irregular da profissão e falsidade ideológica, isso tudo, também a captação ilegal de cliente. Isso existe demais”.

O Tribunal Disciplinar já recebeu alguma denúncia de advogado que tenha entrado com arma em um presídio?

“Não, não existe essa denúncia”.

Existe certa confusão entre populares no sentido de misturar a ética do réu, cliente, com a ética do advogado, profissional que o defende. Tu concordas? Existe essa percepção dentro da OAB?

“Existe, porque existem advogados bons e aqueles que não conduzem a profissão como o código determina, estes casos que tentamos repelir e processar, procurando aplicar penalidades para que eles voltem a ter conduta normal. Se não, fazemos a exclusão do profissional. A Constituição é clara: todos têm direito a se defender, não podemos tirar esse direito do cidadão”.

Dr. João Batista Beneti: Advogado tem ética?

“Sim, existe ética na advocacia, o que existem, entretanto, são advogados mal intencionados. Eles existem, tanto é que não existissem, não haveria tantos procedimentos éticos. Precisamos reprimir essa conduta, que infelizmente existe, como qualquer profissão”.

Mas, em geral, Mato Grosso apresenta bons profissionais?

“Muitos bons profissionais. Muito bons mesmo, certamente Mato Grosso possui profissionais de renome”.
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