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CRISE CARCERÁRIA

Defensoria-MT pede liberdade para mais de 400 presos e membros do Comando Vermelho

04 Fev 2017 - 11:04

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Paulo Victor Fanaia Teixeira / Olhar Direto

Defensores no Fórum da Capital

Defensores no Fórum da Capital

A Defensoria Pública de Mato Grosso realizou ato na tarde desta sexta-feira (03), no Fórum da Capital, para marcar a protocolização de 383 requerimentos de relaxamento de pena para presos provisórios que lotam os presídios do Estado. O mesmo requerimento pode abarcar mais de um preso, por isso cerca de 400 pessoas devem ser contempladas, incluindo membros do Comando Vermelho.

O ato contou com a presença de 13 defensores. O documento, entitulado, "Plano de Ação Emergencial - Sistema Penitenciário 2017" é considerado "Urgente" e leva em consideração a falta de necessidade de prisão preventiva para pequenos delitos e a crise carcerária que assola o país. Os requerimentos erão conduzidos para julgamentos nas Varas Criminais de Cuiabá.

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Altamiro Araújo de Oliveira, defensor público e Coordenador do Núcleo Criminal da Capital, explica que o ato é o pontapé inicial de um plano que fora discutido com diversos órgãos, incluindo Poder Judiciário, Ministério Público Estadual (MPE) e Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT) e que busca rever a situação carcerária do Estado. “É uma ação inédita, não aguardamos sequer o início do trabalho do comitê e fizemos, com base em uma listagem fornecida pela Justiça, vários pedidos de relaxamento de prisão, reiteração de liberdade provisória e revogação de prisão preventiva”.

Ao todo, 383 requerimentos, com um ou mais pedidos, já foram protocolizados, o que significa um número ainda maior de presos com liberdade solicitada. “Precisamos rever a situação de cada preso para verificar a legalidade destas prisões, esse é o objetivo primeiro, se a cadeia será esvaziada ou não, isso é consequência dessa situação”, explica Altamiro.

O Coordenador explica que novos requerimentos serão protocolizados até o mês de março, cujo foco é beneficiar presos provisórios, isto é, aqueles que ainda aguardam sentença. O perfil dos presos contemplados nas solicitações é claro, segundo Altamiro: “todos os que estão presos de forma ilegal. Os relaxamentos que pedimos são por entendemos que aquelas pessoas ali estão presas há mais tempo que deveriam, e sem uma decisão judicial que diga se ele é inocente ou culpado. Existem pessoas ali presas há 01 mês e outras presas há quase 01 ano”, explica.

Provocado, o Coordenador insiste que o requerimento foi feito para todos os que a Defensoria considera submetidos à prisão ilegal, dentre eles, acusados de estupro, homicídio e latrocínio. “Claro que o MPE vai avaliar e a Justiça vai dizer se aquela prisão é ilegal ou não”, conclui.

Ladrão de Galinha:

O defensor José Carlos Evangelista explica que muitos destes presos contemplados nos requerimentos foram acusados de crimes de pequena importância. “Existe uma situação, por exemplo, de um crime cometido quando a pessoa estava embriagada, ela entrou em uma mercearia no bairro e retirou um vidro de desodorante, o pessoal da segurança o abordou e ele foi preso por esse fato. Não chega a ser uma questão de segurança pública, mas de saúde pública”, explica.

O defensor cita outro caso e avalia a necessidade do combate às drogas. “Uma senhora entrou no mercado e pegou uma picanha, talvez nunca na vida dela ela tivesse comido uma picanha e decidiu pegar, mas foi presa por esse fato. Outros ainda em decorrência do vício da droga, eles roubam para trocar por droga, ou seja, muito mais que encarcerar é desenvolver um hospital para tratamento no vício da droga, enquanto não enfrentarmos isso continuará uma ciranda, prende um, solta outro, etc. Precisamos atacar o problema na raiz, diminuindo o vício”, afirma.

José Evangelista mostra, em suas mãos, o caso de um réu primário preso há 122 dias por um furto sem violência ou grave ameaça. “Ele poderia responder esse processo em liberdade, essa pessoa, ingênua no sistema, acaba sendo jogada no sistema prisional e será batizado pelo crime organizado, se tornando um soldado do crime. Precisamos resgatá-lo”, explica.

O defensor acrescenta aos riscos de se manter preso um acusado como este. “Muitas vezes as organizações acabam fazendo ameaças aos parentes dele aqui fora, quando não exigem dinheiro dos familiares, acabam ameaçando: ‘olha, vou garantir aqui sua existência e sua vida, mas lá fora você vai fazer uma empreitada para mim, sob pena de morrer’. Ou seja, muitas vezes ele acaba sendo batizado forçosamente, é isso que precisamos evitar que réus primários tenham contato com este mundo (do crime organizado)”, assevera.

Por fim, Evangelista apresenta outra possível explicação para os pequenos furtos, como o caso em questão. “A Defensoria tem reiterado que muitas vezes o cara que roubou uma galinha, um desodorante, uma carne ou um quilo de feijão, pode ter feito isso por necessidade, o filho pode estar com fome, passando dificuldades em casa, na família, passando fome mesmo”, insistiu, reiterando a importância da substituição do presídio pela tornozeleira eletrônica.

Comando Vermelho:

A maior polêmica relacionada aos requerimentos de soltura envolvem os defendidos do profissional Zacarias Ferreira Dias, que são acusados de atuarem em organizações criminosas, incluindo a perigosa facção criminosa Comando Vermelho de Mato Grosso (CVMT). O defensor, que apresentou 14 pedidos de soltura, garantindo que pelo menos cinco deles se referem a membros do CV, nega que se trate simplesmente de solicitar soltura, sem qualquer cuidado extra.

Quando a magistrada Selma Rosane Arruda, da Sétima Vara Criminal, determinou a soltura, em dezembro de 2016, de 14 membros do Comando Vermelho, determinou aplicação de medidas cautelares diversas à prisão, como tornozeleira eletrônicas e proibições de ausentarem da comarca. O defensor, todavia, lembra que a própria magistrada negou a liberdade para estes cinco presos que hoje figuram novamente nos requerimentos protocolizados nesta sexta-feira (03). O defensor solicitou extensão de decisão, ou seja, se a liberdade fora deferida para aqueles 14 (do ano passado), que também sejam para estes agora, que apresentam semelhanças em seus casos.

À época, para indeferir a soltura destes cinco, Selma havia considerado a periculosidade dos réus, mas Zacarias contrapõe e lembra que nenhum acusado pode ficar atrás das grades para sempre. “Evidente que o tempo vai passando, ora, o preso provisório não pode ficar indefinidamente preso, ainda mais agora que já chegou o final da instrução penal”, explica.

Opinião Pública:

A defensora Erinan Goulart Ferreira avaliou os requerimentos feitos pelo órgão e se adiantou à eventual crítica da opinião pública. “Há certa resistência do senso comum na sociedade, ela precisa entender que estamos postulando a liberdade de pessoas que não deveriam estar presas e observar que é essa mesma sociedade de bem, que pagam tributos, que estão arcando com os custos de uma pessoa presa. Cada preso, segundo estudos da Univerdade de São Paulo (USP), custam em média R$ 1.500 mil. Recursos que poderiam ser usados de outra maneira”, avaliou.

Adiante, explica que a população deveria defender medidas como esta. “Manter presídio apenas em casos excepcionais é uma forma de gerir melhor o dinheiro público, pois dentro da unidade prisional o Estado precisa arcar com a saúde do preso, com a estrutura física do presídio, com a estrutura de atendimento jurídico e toda uma leva de direitos que representam um alto custo. Existem alternativas onde o Estado consegue o mesmo resultado sem ter o mesmo gasto, como o monitoramento eletrônico”, avalia Erinan Ferreira.

Sobre os casos de reinteração criminosa por monitorados com tornozeleira, a defensora contesta que eles sejam regra. “São uma minoria na estatística, praticamente insignificante, se assim for o Estado teve como monitorar e agir imediatamente. As estatísticas demonstram que os casos de retorno de pessoas com tornozeleira são mínimos, não podemos levar a exceção pela regra”, avalia.

Erinan Ferreira conclui sua manifestação. Manter essas pessoas nos presídios “é munir o crime com novos membros”. “Aquele que entra no sistema prisional pela primeira vez é uma presa fácil, depois que ele sair de lá, mesmo cometendo crime de menor importância, ele sai cooptado pelo crime, sem conseguir se desvincular desse passado. Nossa preocupação é que estejamos, com prisões desnecessárias, fortalecendo as organizações criminosas. Pessoas realmente perigosas, envolvidas com muitos crimes de alta periculosidade, não serão beneficiadas com a liberdade, não é esse o perfil que estamos procurando”, encerra. 
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