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NARRATIVA COMPLETA

Roubos de celulares, ameaças e câmeras escondidas: tenente revela a face 'mafiosa' dos grampos

28 Set 2017 - 18:07

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Reprodução

José Henrique Costa Soares

José Henrique Costa Soares

Se não constassem da decisão que deflagra a “Operação Esdras”, nesta quarta-feira (27), os fatos narrados pelo tenente coronel da Polícia Militar José Henrique Costa Soares, que você verá à seguir, seriam dignos de um thriller policial. À delegada Ana Cristina Feldner, responsável pelas investigações dos grampos em Mato Grosso, o militar revela uma trama obscura e inacreditável, envolvendo câmeras escondidas, conspirações de Estado, perseguições, substração de celulares e ameaças de morte.

Os diálogos foram apreciados pelo desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) Orlando Perri. Confirma a íntegra da narrativa, com trechos retirados do próprio depoimento.

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“Além do risco concreto de reiteração da prática de delitos, entendo que a prisão preventiva dos envolvidos se patenteia imprescindível para assegurar a integridade física e moral não só da testemunha, José Henrique Costa Soares, como também de seu filho, porquanto há base empírica a comprovar que o ‘grupo’ sabe que ela não está mais interessada em dar continuidade ao plano outrora arquitetado, consoante se extrai de seu depoimento gravado pelo sistema áudio visual, em 18/9/2017”, afirma Perri, ao introduzir o tópico que narra em detalhes a conversa travada entre Soares e Ana Cristina.

Uma caminhada no Parque Mãe Bonifácia: 

Narra Soares que iniciou tratativas com o major da PM Michel Ferronato na manhã de domingo, dia 17 deste mês, no Parque Mãe Bonifácia. O major garantia uma boa promoção caso Soares cumprisse o combinado e fizesse “a exibição e a exposição da imagem do desembargador”. “Seria feita por meio daquele equipamento?”, interrompe a delegada. A testemunha narra o plano: faria uma gravação de Orlando Perri por meio de equipamento instalado em sua farda pelo sargento da PM João Ricardo Soler.

Entenda: Soares havia sido convocado para atuar como escrivão no inquérito dos grampos. O objetivo da suposta organização criminosa era cooptá-lo para que usasse farda "especial" com câmera escondida. O objetivo seria registrar o desembargador Orlando Perri em algum momento delicado, forçando sua suspeição.

Mas, por que, afinal, Soares aceitou o plano secreto? 

"Fácil foi subjugar o tenenente coronel Soares, um homem cuja situação de dependência química – que busca superar – o fragilizava e o colocava de joelhos. Sabiam 'eles' do seu estado emocional delicado, franzino nas circunstâncias de quem lutava para se reerguer. A própria abstinência de drogas já o debilitava emocionalmente. Conhecendo seu calcanhar de Aquiles, tornou-se presa fácil do grupo, tanto que acreditou na provável invencionice de a Secretaria de Segurança Pública ter “posse de interceptações e vídeos que revelavam sua dependência química. Totalmente dominado e constrangido, (Soares) aquiesceu ao diabólico plano", revela Perri.

As tratativas com Ferronato, naquela caminhada no Parque Mãe Bonifácia, foram interrompidas pela suspeita de que Soares estivesse portando celular, como de fato estava. “Já havia combinado que não poderia ter o celular. Diante disso ele começou a ficar desconfiado, e desconversou, começou a desconversar a respeito do assunto”. Levar celular em caminhada no Parque Mãe Bonifácia? “Soares acabou por denunciar a si próprio”; “Foi aí que a pulga se colocou atrás da orelha do grupo”, diz Perri.

Almoço turbulento:

Naquele mesmo domingo, coronel Soares almoçou na residência do coronel Evandro Alexandre Ferraz Lesco, a fim de repassar informações sobre os últimos acontecimentos das investigações. “Esse encontro era, por certo, do conhecimento de outros integrantes do grupo, até porque nele se faria as tratativas finais do complô, visto que entravam em semana decisiva, especialmente para os interesses do Secretário de Segurança, Rogers Elizandro Jarbas”, acrescenta Perri.

No começo do almoço, Lesco foi amistoso. Após uma ligação telefônica – ao que tudo indica – do então secretário de Estado de Segurança Pública Rogers Jarbas, “o tratamento, que antes era cordial, modificou-se radicalmente”.

A testemunha conta: “Entrei no condomínio, e o cumprimento que eu tive com o Lesco foi como de normal, amistoso, sempre sorridente e tal, e eu fui justamente para almoçar e conversar com ele a respeito de tudo que estava acontecendo”.

Depois da ligação, “eu já estava indo embora. Então o que eu fiz, eu resolvi ir ao banheiro novamente e parar a gravação. Já estou indo embora, né? Peguei, fiz, desliguei a gravação, salvei o arquivo que havia gravado. Neste momento, quando saio do banheiro, volto pra mesa; neste momento, passado algo em torno de três minutos, mais ou menos, algo em torno disso, ou menos que isso, ele recebe essa ligação. Eu não ouvi o teor da conversa, eles falaram rápido e o Lesco só com o gesto de ‘uhum’, foi bem rápido neste diálogo, só mencionou: ‘pois não Secretário, pode falar Rogers’, nestes termos. Por meio deste diálogo, eu identifiquei como sendo o Secretário de Segurança Pública. A partir deste momento, ele já desligou o telefone, a ligação encerrou, ele já me tratou de maneira muito diferente. Muito diferente. Já seco, falou que eu deveria sair do ambiente porque ele iria receber uma outra pessoa. Apertou minha mão de maneira bem seca, e fui embora. Eu achei muito esquisito”.

Fatos ainda mais graves ocorreriam naquele domingo:

Ainda no propósito de colher elementos de provas que confirmassem a conspirata, o tenente coronel Soares “ousou, atreveu-se e arriscou-se ao se apoderar dos celulares do coronel Lesco e de sua esposa Helen. A partir de então, aquilo que era desconfiança, tornou-se certeza: Soares havia mudado de lado”.

“Fiquei apavorado, fiquei em desespero, porque eu imaginei que o Rogers falou para ele ‘a casa caiu, esse cara mudou de lado, manda ele embora, vê aí se ele não tá gravando alguma coisa’”, narra a testemunha à delegada Feldner.

Soares não pensou em mais nada. Agiu para criar provas. “Eu pego o celular do Lesco e coloco no bolso, sem que ele percebesse”; “quando ele fala que eu tenho que ir embora, há esse lapso, que a Helen tá descendo (as escadas do apartamento), nesse momento eu pego, ele vira de costas, ele se distrai”. Diante da situação, aceita o convite para se retirar da casa de Lesco o quanto antes. “Eu queria sair dali de qualquer maneira, eu já tava correndo risco de estar ali”.

Poucos minutos antes de deixar o condomínio de Lesco, Soares se despede de Helen na garagem. “Também pego o celular dela sem que ela perceba. Pego e coloco no bolso também”. Despede-se e vai embora.

Perseguição e Ameaça: 

Para evitar a prisão de seu marido, que já usava tornozeleira eletrônica, Helen assume a missão de recuperar os eletrônicos e contata sua amiga, a advogada Samira Martins, que não apenas emprestou um celular para ligar a Soares, como também a conduziu até a residência dele, para reaver os aparelhos.

“Esta seria a última oportunidade que eu teria para estar ali na casa dele. Por isso que me veio de intuitivamente, eu tomei essa medida. Falei, o único momento que eu tenho para colher mais provas possíveis para provar, demonstrar que eu estou falando a verdade do que aconteceu”, refletiu Soares ao explicar à delegada sua decisão.

“Olha, não sei se você pegou meu celular, porque só pode ter sido você, os dois celulares daqui sumiram, eu não sei se foi você, mas só pode ter sido, porque só você esteve aqui. Eu não sei se você pegou por má-fé ou se você pegou por distração. Eu só quero saber o seguinte, devolva, porque seu filho está correndo risco de vida”, dispara Lesco à Soares.

A testemunha se dá conta que as coisas estavam indo longe demais. “Nesse momento eu já estava preocupado com minha segurança”; “fiquei apavorado, eu não sabia se pegava os celulares, eu simplesmente termino a conversa, não dou continuidade. Momentos depois a Helen fala que está procurando a casa, depois que eu ouço o áudio ela fala que está sendo perseguida, ela entra e eu fico naquele momento eu fico pensando: ‘eu entrego ou não entrego, o que eu faço agora?’”.

Seu filho corria risco de vida. “A ameaça que ele fez me deixou numa situação muito complicada, então quando ela vem de frente para mim, eu abro o portão, ela se encontra comigo, eu já mostro que está na parte do carro, na parte do banco do passageiro”.

Helen resgata os celulares e, com tom irônico, ainda “pergunta se por acaso eu não peguei mais nada por engano”. 

“Agora, desde o momento em que foi cooptado, que fui ameaçado, que eu estou tendo contato com eles, eu sei com quem eu estou me dando, este pessoal é perigoso, este pessoal é muito perigoso”, declara Soares.

Às 22h daquele mesmo domingo, “Eles precisavam do uniforme com o equipamento”, diz. Ao fundo, o Lesco grita: “Devolva!”. “A partir daí ele liga mais umas vezes e eu não atendo mais”, conclui a testemunha.

Mato Grosso, nunca mais: 

"Delegada: O senhor tem receio de sua integridade?

Testemunha: Com certeza, com certeza.

Delegada: Do que o senhor os conhece, que o senhor teve ao lado deles...

Testemunha: Capaz de tudo, capaz de tudo. Sou um arquivo vivo, que para eles tem que está morto. A partir de agora, com certeza. Não tenho garantia, a não ser que o Estado me dê garantias de que essa segurança vai acontecer, inclusive eu peço que me inclua no sistema de proteção à testemunha".

No fim de seu depoimento, o tenente coronel Soares lamenta não poder permanecer mais no Estado de Mato Grosso, posto que a "situação" envolve a atual gestão:

“Fico muito preocupado com a segurança do meu filho, eu estou muito preocupado com a segurança dele. Depois dele a minha. Eu não posso permanecer no Estado. Eu não posso permanecer no Estado de Mato Grosso, a situação envolve o poder atual. Eu peço, inclusive, minha inclusão neste programa de proteção à testemunha. Não tenho mais vida na Polícia Militar, profissionalmente falando”.

Confira abaixo a lista com todos os presos:
 
Paulo Cesar Zamar Taques
Cel. PM Airton Benedito De Siqueira Júnior
Rogers Elizandro Jarbas
Cel. PM. Evandro Alexandre Ferraz Lesco
Sgt. PM João Ricardo Soler
Major PM Michel Ferronato
Helen Christy Carvalho Dias Lesco
José Marilson Da Silva
Marciano Xavier Das Neves (*medidas cautelares).
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