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FOTOJORNALISMO X JUDICIÁRIO

Censura: o “por outro lado” da Justiça que tirou o sono dos Jornalistas de MT

24 Jan 2016 - 17:06

Da Redação - Paulo Victor Fanaia Teixeira

Foto: Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto

Censura: o “por outro lado” da Justiça que tirou o sono dos Jornalistas de MT
É cedo para falarmos em censura? Talvez... Mas sabe aquela velha lição que diz: “Jogue um sapo na panela quente e ele pula, em fuga. Mas jogue-o na panela fria, esquentando-a aos poucos e, com o tempo, nem perceberá que foi cozido”? Pois bem... Um texto jurídico nunca é algo fácil de ser decifrado. Normalmente as manifestações mais importantes vêm destacadas, em letras grandes. Todavia, às vezes, em meio a uma montanha de complexas frases e elaborações que recheiam os autos de um processo criminal, ou no meio do vai e vem de argumentos e decisões, um fato quase passa despercebido e o sapo cai na panela fria.

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Com um texto 99% democrático, mas com aquele 1% de “por outro lado”, a Sétima Vara Criminal assustou a imprensa mato-grossense com a proibição da produção de fotos dos réus da “Operação Sodoma”, que foram ouvidos em audiência na última terça-feira, 19 de janeiro, os quais figuram entre eles o ex-governador do estado, Silval Barbosa. Desfecho negativo para uma tensão que percorreu os corredores do judiciário do Estado e da imprensa ao longo da semana.

Jornais sem fotos... réus sem imagens... esquecimento... e quando percebermos, o sapo foi cozido! Para sair da panela enquanto é tempo, o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso emitiu nota de repúdio à proibição da Justiça. Abertura de Precedente? Eles avaliam que sim. Entenda a trama:

Capítulo Um: Defesa de Cursi critica imprensa, chama ação de "nula" e denuncia rombo na legalidade do processo por juíza

Dia 15 de janeiro, o advogado de defesa de Marcel de Cursi, Roberto Tardelli, envia à imprensa artigo criticando o papel da mesma. “Ética no processo” bradava o texto. Resumidamente: Tardelli queixava-se do fato de o despacho da juíza, datado em 11 de janeiro, ter sido noticiado, incluindo em Olhar Jurídico, antes mesmo de ter sido disponibilizado aos advogados no sistema processual do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (ETJMT). “É dizer, antes de impulso processual, impulsionou-se a mídia, fato, admitamos, lamentável”. O que ele considerou ter representado “uma ferida aberta no processo”.

Ainda, considerou que a divulgação “abre espaço para especulações irresponsáveis sobre qual teria sido a intenção do réu, transformando a defesa em um reality-show que jamais será animado por nós”. E conclui que “não se pode confundir a verdade publicada pela imprensa com a verdade pública do processo, cujos desdobramentos, longe do sensacionalismo barato, atingem a coluna cervical do processo”. Texto Publicado em OJ em 14 de janeiro, às 14h.

Capítulo Dois: no mesmo minuto, a decisão é noticiada: Juíza nega pedido para decretar segredo em ação que prendeu Silval

Argumenta a juíza Selma Arruda que o processo obedece ao princípio da publicidade, segundo o qual todo processo é público. “Tal princípio é um requisito de democracia e de segurança das partes”; “A garantia da publicidade é constitucional e ocorre com o escopo de garantir a transparência da justiça, a imparcialidade e a responsabilidade do juiz”, constam nos autos. E argumenta: “A limitação à regra da publicidade deve obedecer, pois, o interesse público e não o particular”.

Foram citados os artigos 792 e 189 do Código de Processo Penal, dos quais aquele aponta em sua primeira frase: “As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos”.

A juíza considerou que “o interesse individual do réu de ver preservada a sua imagem [...] não pode prevalecer, eis que se trata de direito de menor relevância, quando comparado ao interesse público de ver solucionado e esclarecido o fato que é objeto de julgamento".

Além disso, Cursi seria considerado pessoa pública e portanto, conforme entendido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm diminuído seu direito à intimidade. ”É exatamente a qualidade de pessoas públicas envolvidas nestes autos que lhes impõe o dever de enfrentar o processo sem qualquer restrição de sigilo”, consta nos autos.

Capítulo Três: Conjunções Adversativas

A justiça determina, na mesma decisão, que a imprensa não poderá fotografar Marcel de Cursi durante as audiências de instrução realizadas em fevereiro. “Por outro lado, vejo que a defesa protestou pela não divulgação da imagem do réu nas datas aprazadas para a audiência de instrução, em que certamente a imprensa se fará presente”, consta nos autos.

“Deixar a imprensa livre para noticiar é uma conquista democrática. No entanto, deve sempre se pautar pela divulgação do fato com a devida proteção de imagem do sujeito detentor de garantias constitucionais, como, no caso, a garantia à presunção da inocência [...] Portanto, defiro a preservação da imagem deste réu, no momento da audiência, facultando à imprensa que permaneça na sala em que se realizará o ato, gravando e ou captando por qualquer forma as ocorrências respectivas, sem, contudo, produzir imagens”, conclui.

Capítulo Cinco: “Se ele pode, eu também posso”

Durante audiência, em 18 de janeiro, como já sabido, Olhar Jurídico se deslocou para o Fórum. Com câmeras, mas sem fotos. E o embate prossegue:

13h35: Tardeli afirmou que irá pedir a juíza para que a imprensa não possa acompanhar a audiência. Para ele, a mídia tem dificultado a criação de um ambiente processual propício e prejudicado os réus.

13h39:
Afirma que a liberdade de imprensa é um dos princípios da democracia, mas há outros direitos envolvidos no caso. No caso, o da presunção de inocência, o devido processo legal e uma prova testemunhal mais asséptica possível.

13h41
: “Tenho o temor de que as testemunhas tendo como platéia o que há de melhor na imprensa cuiabana possam se sentir intimidadas, o que turvaria a prova”, argumenta o advogado.

13h45: Para justificar a imprensa fora da sala de audiência da primeira instância do julgamento, Roberto lembra que as Supremas Cortes dos Estados Unidos e Alemanha funcionam a portas fechadas e relacionou o caso com uma cirurgia da presidente Dilma Rousseff (PT). “Se a presidente passa por uma cirurgia, você vai filmar a cirurgia? Não. Você pode ouvir o médico depois”, comparou, Roberto Tardeli.

No mesmo ritmo, dois minutos depois, a defesa de Silval Barbosa solicita extensão da proibição de fotografar réus. As 14h02, a juíza defere o pedido.

Cerca de 40 minutos depois, o assunto volta à tona. A juíza Selma afirma que considera a presença da imprensa necessária, visto que o processo não corre em segredo de justiça. “Somos agentes públicos, precisamos expor nosso trabalho".

Ressalta que qualquer testemunha pode manifestar constrangimento e requerer a retirada da imprensa da sala.

Capítulo Seis: “Homens Públicos, Interesse Público”

A Diretoria do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor / MT) não gostou nada da decisão e manifestou, em nota publicada nesta quarta-feira (20), seu repúdio:

“Marcel e outros da cúpula do governo de Mato Grosso até 2014 estão sendo julgados acusados de formar quadrilha que cobrava propina de empresários vinculados aos programas de incentivos fiscais”, aponta o texto. Desse modo, “a diretoria do Sindjor / MT invoca o direito de informação de pessoas públicas, constantes na nossa Constituição. Portanto, não só à justiça que senhor Marcel deve explicações, mas a toda sociedade que recolhe impostos e lhe confiou junto com outros secretários do governo passado o status de guardião do dinheiro público, e não sua manipulação para interesses de notório enriquecimento particular ou de grupos, como consta na denúncia inicial da Operação Sodoma”, consta na nota.

Capítulo Sete: "Dois pesos, Duas medidas?"

O promotor de Justiça, Marco Aurélio Castro, teceu análises sobre a atuação de Roberto Tardelli em sua formulação à juíza, em que solicita segredo de justiça e proibição de uso de imagens de réus e testemunhas “Eu conheço Tardelli pela imprensa. No caso da (Suzane Von) Richtofen, no qual ele era o promotor, fez inúmeras explicações à imprensa, sem limitar a atuação dos jornalistas, sempre colocando para a imprensa livre do Brasil a sua visão sobre o fato. Inclusive o vi em vários programas de TV” e compara. “Hoje, do outro lado da bancada, não ocupando mais o cargo de promotor de Justiça, mas de advogado, contraria o que sempre usou na tribuna do Ministério Público”, conclui.

Capítulo Final: Mordaça?

Precedentes são, para o direito, “resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamente, já foi resolvida uma vez por um tribunal noutro caso”. São do ponto de vista prático, decisões anteriores que servem como ponto de partida ou modelo para as decisões subseqüentes.

O sindicato dos jornalistas manifestou preocupação para / com processos judiciais de altas autoridades do Estado, uma vez que, “com o argumento do direito da personalidade e proteção da intimidade e de pessoas, coloquem, na realidade, uma mordaça na imprensa e negando informação à sociedade que paga a conta de mulheres e homens públicos”, avalia.

 
“Segredo de justiça de pessoas públicas não combina com democracia”

Por fim, concluíram que confiam na Justiça, mas longe de intimidações e pressões, exercerão seu papel, a despeito da “tentativa de esconder da opinião pública e da Imprensa julgamentos públicos e que têm que ter publicidade, por princípio legal e social do direito de informação", concluem.


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