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Domingo, 28 de abril de 2024

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Liberdade de Expressão

Jornalista brasileiro que foi condenado a prisão por texto de ficção será ouvido na OEA

Foto: Reprodução

O Jornalista José Cristian Góes, no destaque o desembargador Edson Ulisses

O Jornalista José Cristian Góes, no destaque o desembargador Edson Ulisses

O jornalista José Cristian Góes será ouvido nesta terça-feira (29) em audiência pública na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington. Ele falará sobre os processos criminal e cível que o desembargador Edson Ulisses, vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, e o Ministério Público Estadual movem contra ele.

Na semana passada a Turma Recursal dos Juizados Especiais de Sergipe manteve, por dois votos a um, a condenação do jornalista à prisão — convertida em serviço à comunidade — por injuria contra o desembargador Edson Ulisses, em texto que não cita seu nome.

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O relator do recurso na Turma Recursal, juiz Helio de Fiqueiredo Mesquita Neto, foi voto vencido. Para ele, houve prejulgamento da causa e violação a ampla defesa, devendo ser a sentença anulada.

No mérito, Mesquita Neto considerou que não houve injúria, tendo o jornalista apenas exercido a liberdade de expressão assegurada pela Constituição Federal.

Na sentença mantida foi aplicado o entendimento de que ainda que um texto não faça referência nominal a uma pessoa, o contexto em que foi escrito e as provas testemunhais são suficientes para que a injúria seja caracterizada. Além disso, a sentença concluiu que o jornalista extrapolou a liberdade de manifestação e violou o direito à intimidade.

De acordo com informações organização não-governamental Article19, que atua em defesa da liberdade de expressão em vários países, o jornalista também vai falar de outros casos de jornalistas processados e condenados em Sergipe por crime de opinião. Ele vai sugerir que membros da CIDH da OEA façam uma audiência pública em Sergipe, envolvendo as mais diversas entidades da sociedade civil.

O advogado do jornalista, Antônio Rodrigo, deve ingressar com a última apelação ainda junto ao Tribunal de Justiça de Sergipe nesta semana. Caso a condenação seja mantida, será apresentado o recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), com o acompanhamento e assinatura de vários advogados de entidades nacionais e internacionais que lutam pela liberdade de expressão e de imprensa. (Com informações do Portal Comunique-se)

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Veja o texto que levou a condenação de Góes:

Eu, o coronel em mim

Mando e desmando. Faço e desfaço

Está cada vez mais difícil manter uma aparência de que sou um homem democrático. Não sou assim, e, no fundo, todos vocês sabem disso. Eu mando e desmando. Faço e desfaço. Tudo de acordo com minha vontade. Não admito ser contrariado no meu querer. Sou inteligente, autoritário e vingativo. E daí?

No entanto, por conta de uma democracia de fachada, sou obrigado a manter também uma fachada do que não sou. Não suporto cheiro de povo, reivindicações e nem com versa de direitos. Por isso, agora, vocês estão sabendo o porquê apareço na mídia, às vezes, com cara meio enfezada: é essa tal obrigação de parecer democrático.

Minha fazenda cresceu demais. Deixou os limites da capital e ganhou o estado. Chegou muita gente e o controle fica mais difícil. Por isso, preciso manter minha autoridade. Sou eu quem tem o dinheiro, apesar de alguns pensarem que o dinheiro é público. Sou eu o patrão maior. Sou eu quem nomeia, quem demite. Sou eu quem contrata bajuladores, capangas, serviçais de todos os níveis e bobos da corte para todos os gostos.

Apesar desse poder divino sou obrigado a me submeter à eleições, um absurdo. Mas é outra fachada. Com tanto poder, com tanto dinheiro, com a mídia em minhas mãos e com meia dúzia de palavras modernas e bem arranjadas sobre democracia, não tem para ninguém. É só esperar o dia e esse povo todo contente e feliz vota em mim. Vota em que eu mando.

Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo.

Na polícia, mandei os cabras tirar de circulação pobres, pretos e gente que fala demais em direitos. Só quem tem direito sou eu. Então, é para apertar mais. É na chibata. Pode matar que eu garanto. O povo gosta. Na educação, quanto pior melhor. Para quê povo sabido? Na saúde...se morrer “é porque Deus quis”.

Às vezes sinto que alguns poucos escravos livres até pensam em me contrariar. Uma afronta. Ameaçam, fazem meninice, mas o medo é maior. Logo esquecem a raiva e as chibatadas. No fundo, eles sabem que eu tenho o poder e que faço o quero. Tenho nas mãos a lei, a justiça, a polícia e um bando cada vez maior de puxa-sacos.

O coronel de outros tempos ainda mora em mim e está mais vivo que nunca. Esse ser coronel que sou e que sempre fui é alimentado por esse povo contente e feliz que festeja na senzala a minha necessária existência .


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