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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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medida cautelar

Justiça atende pedido do MPE e determina afastamento de prefeito e secretário de saúde

Foto: Olhar Direto

Justiça atende pedido do MPE e determina afastamento de prefeito e secretário de saúde
O juiz da comarca de Juscimeira, José Eduardo Mariano, determinou afastamento do prefeito da cidade, Valdecir Luiz Colle (PR), o ‘Chiquinho do Posto,’ e também do secretário de saúde, José Ozete Freitas, dos respectivos cargos. O afastamento atendeu pedido de liminar em Ação Civil Pública. A ação foi protocolada após investigação do Ministério Público Estadual (MPE) que identificou 11 irregularidades na área da saúde. Chiquinho é o presidente da Associação Matogrossense dos Municípios.

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Em trecho da decisão – que ainda será publicada na data de 12 de agosto de 2014 - no Diário da Justiça Eletrônico (DJE) – consta que “O Ministério Público constatou práticas abusivas da Prefeitura Municipal e da Secretaria de Saúde local, inclusive com a cobrança para realização de exames médicos, por exemplo raio-X, o que dera causa à propositura de ação civil pública, ante os atos omissivos e comissivos”.

O magistrado ainda fundamenta a medida citando “com efeito, não restam dúvidas de que, o afastamento cautelar é medida drástica, que deve ser tomada com todas as cautelas necessárias, diante de prova inequívoca de que a continuidade do agente público no cargo acarretará o comprometimento da instrução do processo, seja pela supressão de provas documentais, seja pela coação a testemunhas ou pela gravidade das irregularidades. Em análise sumária, sem apreciar definitivamente o mérito da causa, deve o Judiciário tutelar os interesses maiores da coletividade a amparar a pretensão individual de uma das partes”, diz trecho da decisão publicada pelo site Folhamax.

A reportagem tentou, reiterada vezes, contato com 'Chiquinho do Posto'  (por celular final  28) assim como na sede da Prefeitura da cidade para que comentasse a decisão. A reportagem também tentou contato (por celular final 83) com o chefe de gabinete, João Batista Oliveira, também sem sucesso. 


Confira abaixo a íntegra da decisão:

VEJA A ÍNTEGRA DA DECISÃO
Autos n° 512-65.2014.811.0048 – Cód. 24375
VISTOS.

Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público de Mato Grosso em desfavor de José Odete Freitas e Valdecir Luiz Colle, sob argumento de ofensa aos dispositivos legais da Lei nº 8.429/92.

Alega na exordial que os Requeridos sempre deixaram de tomar as providências urgentes, sem responder ofícios quando requisitadas medidas imprescindíveis pela Prefeitura, inclusive com plena dificuldade do Ministério Público em obter contato, via telefone.

Constatou-se através o Inquérito Civil nº 31/2014 que os Requeridos chegaram a demorar por mais de ano a responder ofícios do Ministério Público requisitando providências, com a demonstração de má vontade em trabalhar com eficiência ou muita má gestão do Sr. Prefeito Municipal em não controlar e/ou exonerar seus funcionários.


Alegou o Ministério Público, também, que em sede de ação própria já foi pleiteado um melhor atendimento aos pacientes de hemodiálise que necessitam do transporte público para se deslocarem até a cidade de Rondonópolis/MT para tratamento, bem como uma maior segurança com os veículos utilizados para tanto.

Deflagrou o Ministério Público constantes práticas abusivas da Prefeitura Municipal e da Secretaria de Saúde local, inclusive com a cobrança para realização de exames médicos, por exemplo raio-X, o que dera causa à propositura de ação civil pública, ante os atos omissivos e comissivos.

No tocante aos medicamentos, afirmou o Ministério Público que somente após longas cobranças nos últimos 18 (dezoito) meses é que se dera uma melhora considerável frente à Portaria nº 172 SES/MT, porém, com falta de alguns medicamentos imprescindíveis à farmácia básica, regulações e médicos.

Ainda, relatou que mesmo diante do TAC firmado entre as partes, o requerido deixou de cumprir integralmente no prazo acordado, inclusive com pendências até a presente data.

Assim, após as provas colhidas em sede administrativa, o Ministério Público constatou quanto ao requerido José Ozete Freitas os atos ímprobos de distrato rude com alguma parcela da população local, especialmente aos pacientes de hemodiálise.

No que se refere ao requerido Valdecir Luiz Colle, o próprio afirmou ao Ministério Público que o Secretário Municipal de Saúde “não entende muito” da área, mas seria bom para conseguir recursos à prefeitura, o que não vem ocorrendo; afirmou o requerido, também, em sede de campanha eleitoral em 2012, ante o clamor público, que caso eleito não iria nomear o Sr. José Ozete Freitas como Secretário Municipal de Saúde, o que não ocorreu.

Apontou o Ministério Público, além do acima esposado, que houveram irregularidades no concurso para o cargo de professor no ano de 2013, resultando na oitiva de todos pelo órgão ministerial, sendo que seria função da Prefeitura assim o fazer, mas não o fizeram.

Diante do todo alegado, o Ministério Público pleiteou, em sede de liminar, o afastamento cautelar dos requeridos de suas funções, sem prejuízo da remuneração, até o deslinde final da demanda.

Juntou à exordial os documentos necessários e primordiais a propositura da demanda.

Vieram-me conclusos.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

A análise probatória feita pelo Ministério Público, com base na vasta investigação que promovera, demonstra a existência dos atos de improbidade administrativa mencionados, ao menos para o fim de se dizer existir prova inequívoca da verossimilhança da alegação.

A urgência na decisão tem a ver com o fato de que, uma vez cientes os demandados, poderiam desfazer-se dos seus bens, tornando inócua a decisão que viesse a ser tomada futuramente.

Não é de se olvidar que, pode o Juiz, com fulcro no poder geral de cautela que lhe confere o art. 798, do Código de Processo Civil, determinar as medidas provisórias que julgar adequadas para assegurar a eficácia da prestação jurisdicional, desde que confluentes os requisitos previstos em lei: fumus boni iuris e periculum in mora.

In casu, o afastamento provisório dos requeridos, que são servidores públicos municipais, não possui o condão de violar o contraditório, a ampla defesa ou o devido processo legal, uma vez que tal prática somente se efetiva quando constatada a iminente possibilidade de lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público e à instrução processual, inteligência do art. 5º, XXXV da Constituição Federal, bem como pelo poder geral de cautela inerente a todo e qualquer magistrado, conforme acima já ventilado.

Ademais, a apreciação de liminares é ato discricionário do juiz e sua eventual reconsideração no âmbito do agravo de instrumento exige flagrante afronta a preceito legal, manifesta teratologia do julgado ou abuso de poder, qualidades que, aparentemente, segundo os elementos existentes nos autos, a decisão impugnada não apresenta.

Pelo contrário, o ato decisório possui nítido caráter de acautelar o ente de direito público de sofrer prejuízo, caso se reconheça a ilegalidade da ação do Prefeito e do Secretário Municipal de Saúde.

Se não bastasse tudo isso, consoante prescreve a regra inserta no parágrafo único do art. 20 da Lei nº 8.249/92, caberá o afastamento liminar do agente público do exercício do cargo quando a medida se fizer necessária à instrução processual. Por outro lado, dispõe no mesmo sentido, o art. 12 da Lei Federal nº 7.347/85, ao dizer que poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo, como no presente caso.

Eis o teor dos dispositivos acima mencionados, in verbis:

Art. 20 - (...)

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Art. 12 - Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita agravo.

Ao comentar o que dispõe o supracitado parágrafo único do artigo 20 da Lei nº 8.242/92, MARINO PAZZAGLINI FILHO, ensina que: “(...) Por outro lado, o parágrafo único do artigo em exame autoriza o afastamento liminar, decretado pela autoridade judicial ou administrativa, do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, tanto na fase investigatória quanto na judicial, sem prejuízo de sua remuneração, quando essa medida (excepcional e draconiana) se fizer necessária à instrução processual”. (in Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Ed. Atlas, 3ª edição, 2007, pág. 222)

O mesmo autor, em outra obra, esclarece que: “(...) o Ministério Público demonstra a possibilidade de se conjugar o preceito do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92 com o art. 12 da Lei nº 7.347, permitindo o afastamento liminar do agente público do exercício do cargo sem justificação prévia (fls. 196/197): Com certeza, como a ação civil proposta, no caso, pelo Ministério Público, será a ação civil pública, o diploma especial incidente será a lei Federal nº 7.347/85, sem prejuízo da aplicação das regras do Código de Processo Civil, naquilo que for compatível.” (in Improbidade Administrativa, Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, Ed. Atlas, 1999, pág. 192)

In casu, o juízo prévio de probabilidade e verossimilhança das alegações deduzidas na inicial demonstram a presença de indícios de que os Requeridos, aparentemente, praticaram atos caracterizadores de improbidade administrativa, violando os princípios da legalidade, moralidade, probidade e eficiência.

Em relação ao periculum in mora, como bem preceitua Humberto Theodoro Júnior, em sua obra Processo Cautelar, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar às circunstâncias de fato favoráveis à própria tutela. E isso pode ocorrer quando haja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo principal.

HELY LOPES MEIRELLES (in Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, SP, 25ª edição, p. 70) assim esclarece a matéria:

"Os agentes públicos, gênero que acima conceituamos, repartem-se inicialmente em cinco espécies ou categorias bem diferençadas, a saber: agentes políticos, agentes administrativos, agentes honoríficos, agentes delegados e agentes credenciados, que, por sua vez, se subdividem em subespécies ou subcategorias, como veremos a seu tempo".

Portanto, os “agentes políticos”, entre os quais os prefeitos, são espécies do gênero “agentes públicos”, aplicando-se a todos eles, consequentemente, o parágrafo único do art. 20 da Lei nº 8.429/92.

Transposta essa particularidade, vê-se dos autos que a ação civil pública cautelar ajuizada pelo MP, onde foi prolatada a decisão ora agravada, teve sua origem no inquérito administrativo por ele instaurado sob o nº 04/2000

Ora, estabelece a CF/88, relativamente ao contraditório, à ampla defesa e o devido processo legal, o seguinte, relativamente à matéria:
“Art. 5º. – (...)

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O texto é por demais claro, não podendo ser desconhecido: o processo administrativo instaurado não podia prescindir, em momento e fase nenhuma de seu sua tramitação, seja no levantamento documental ou testemunhal de dados, da participação do acusado, a quem a lei constitucional assegura o direito ao contraditório e à mais ampla defesa.

Assim ensina HELY LOPES MEIRELLES:

"A responsabilidade civil do Prefeito pode resultar de conduta culposa ou dolosa no desempenho do cargo, desde que cause danos patrimoniais ao Município ou a terceiros. Essa é a regra geral, a que se sujeitam todos os agentes ou prepostos da Administração Pública (...). Mas, o princípio se bem que extensível aos agentes políticos, só lhes é aplicável com as adaptações exigidas pela mesma natureza das funções que exercem.

Ao Prefeito, como aos demais agentes políticos, se impõe o dever de tomar decisões governamentais de alta complexidade e importância, de interpretar as leis e de converter os seus mandamentos em atos administrativos das mais variadas espécies. Nessa missão político-administrativa é admissível que o governante erre, que se equivoque na interpretação e aplicação da lei, que se confunda na apreciação da comveniência e oportunidade das medidas executivas sujeitas à sua decisão e determinação. Desde que o Chefe do Executivo erre em boa-fé, sem abuso de poder, sem intuito de perseguição ou favoritismo, não fica sujeito à responsabilização civil, ainda que seus atos lesem a Administração ou causem danos patrimoniais a terceiros. E assim é porque os agentes políticos, no desempenho de suas atribuições de governo, defrontam-se a todo momento com situações novas e circunstâncias imprevistas, que exigem pronta solução, à semelhança do que ocorre na Justiça, em que o Juiz é obrigado a decidir, ainda que na ausência ou na obscuridade da lei. Por isso mesmo, admite-se para essas autoridades uma margem razoável de falibilidade nos seus julgamentos.

O Prefeito, portanto, não se equipara aos funcionários públicos, para fins de responsabilidade civil. ... Como agente político, o Chefe do Executivo local só responde civilmente por seus atos funcionais se os praticar com dolo, culpa manifesta, abuso ou desvio de poder. O só fato de o ato ser lesivo, não lhe acarreta a obrigação de indenizar. Necessário se torna, ainda, que além de lesivo e contrário a direito, resulte de conduta abusiva do Prefeito no desempenho do cargo, ou a pretexto de seus exercício". (in Direito Municipal Brasileiro, 4ª edição, Editora Revista dos Tribunais, SP, p. 1981)

Realmente é tormentoso o enfrentamento da matéria objeto da lide, porque o trato da coisa pública dá margem a interpretações as mais variadas. Daí a dificuldade, muitas vezes, de chegar a uma conclusão sem divergências em matérias que tais.

Diante destas circunstâncias, tenho para mim que o afastamento, com segregação, bem assim a contratação de outros funcionários e a continuidade de pagamento aos afastados, são fatos absolutamente não contestados, não impugnados devidamente. Portanto, presumidamente verdadeiros.

Ademais, algumas considerações importantes sobre o direito aplicável à espécie.

Está expresso na Constituição Federal, no seu art. 37, § 4º:

”Art. 37 – A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e também, ao seguinte:

§ 4.º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

O art. 4º da Lei nº 8.429/92, por sua vez, assim está redigido:

“Art. 4.º - Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”.

E os arts. 9º, 10º e 11º desta mesma Lei, dizem o seguinte:

“Art. 9.º - Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...)”.

“Art. 10 - Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...)”.

"Art. 11 - Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: (...)”.

Quanto à moralidade, parece-me importante tecer breves considerações a este princípio, o qual deve reger a conduta dos administradores e agentes públicos em geral. Para tanto, oportuna a transcrição de doutrina abalizada a respeito.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, ‘in’ “Direito Administrativo na Constituição de 1988”, São Paulo - Revista dos Tribunais, 1991, p. 37, a respeito do tema, quis a Carta Política “inibir que a Administração se conduza perante o administrado de modo caviloso, com astúcia ou malícia preordenadas a submergir-lhe direitos ou embaraçar-lhes o exercício e, reversamente, impor-lhe um comportamento franco, sincero, leal”.

No mesmo sentido, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, em “Controle da Moralidade Administrativa”, São Paulo, Ed. Saraiva, 1974, p. 207, diz o seguinte:

“De um modo geral, a moralidade administrativa passou a constituir pressuposto de validade de todo ato da administração pública. Não se trata, contudo, da moral comum, mas, sim, da moral jurídica e para a qual prevalece a necessária distinção entre o bem e o mal, o honesto e o desonesto, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, o legal e o ilegal, não obedecendo, o ato administrativo, somente à lei jurídica”.

Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, em sua obra “Improbidade Administrativa – Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público”, 4ª ed., Editora Atlas, p. 55, sobre o tema lecionam:

“A imoralidade exsurge, pois, do próprio objeto do ato administrativo, quando este afronta a honestidade, a boa-fé, as normas de conduta aceitas como legítimas pelos administrados, a dignidade humana e ética. Resulta de um confronto lógico entre os meios de que se vale o agente público e os fins colimados com o ato. Adequação, compatibilidade, em uma palavra: proporcionalidade”.

Fiz questão de referir esses princípios legais e doutrinários, porquanto, dentro desta ótica, há de se enfrentar a questão ora sub judice. E é da Lei nº 8.429/92, que se infere as espécies dos atos de improbidade. Os arts. 9.º e 10.º contemplam, respectivamente, atos que importam em enriquecimento ilícito e/ou vantagem própria, bem como com lesão ao erário público. Contempla o art. 11 do referido diploma legal, por sua vez, aqueles atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública, sendo absolutamente desnecessária a efetiva lesão ao erário ou enriquecimento ilícito.

Fábio Medina Osório, in “Improbidade Administrativa decorrente de Despesas Públicas Ilegais e Imorais: Aspectos Práticos da Lei n.º 8.429/92”, RJ, Porto Alegre, Síntese, 1997, n.º 235, p. 134-151, sobre o tema, assevera com muita propriedade:

“É verdade, por outro lado, que a ausência de lesão material ao erário tem sido tratada, não raro, indevidamente, como se nenhuma sanção pudesse ser imposta ao administrador público, o que constitui claro equívoco.

Ora, é justamente para a ausência de lesão ao erário e ausência de enriquecimento ilícito que existe o art. 11, ‘caput’, da Lei n.º 8.429/92, (...)”.

O referido dispositivo legal, assim, procurou resguardar exatamente a moralidade administrativa.

Cláudio Ari Mello, na obra antes referida, p. 175, relativamente ao art. 11, da Lei n.º 8.429/92, aduz:

“Diz o ‘caput’ do preceito que ‘constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, impessoalidade, legalidade, e lealdade às instituições’. Compreende-se a referência aos ‘standards’ honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições, representativos da visão de moralidade administrativa que permeia a doutrina do Direito Administrativo. O que não é facilmente absorvido é a redução da improbidade à mera violação do princípio da legalidade, como resulta de uma leitura literal do texto legal. De fato, uma interpretação literal do art. 11 resultaria em que todo o ato de agente público contrário a legislação vigente enquadrar-se-ia na categoria de ato de improbidade administrativa, ainda que na gênese da conduta não houvesse um matiz de imoralidade. É claro que uma tal exegese não pode vingar e o dispositivo merece interpretação sistemática e teleológica. Assim, o ato de um agente da Fazenda Pública que lança um crédito fiscal inexistente, por errônea apreciação da lei, é ilegal mas não imoral, não devendo ser reconhecido como de improbidade. A violação à legalidade só constituirá improbidade administrativa quando o ato ilegal tiver motivação que atente contra as pautas de moralidade administrativa (honestidade, lealdade, boa-fé, etc.), mesmo porque uma leitura literal do artigo simplesmente tornaria inviável a administração pública (...)”.

Não se está aqui – questão de fundamental importância -, diante de um processo judicial ou administrativo, em que se possa invocar a regra do art. 5º, inc. LV e LIV, da Constituição Federal. Está-se diante de um mero inquérito civil, ou seja, um inquérito civil preparatório à ação civil pública. E o inquérito civil tem como natureza substancial a investigação, isto é, constitui-se em atos de pura investigação. Portanto, não há falar em defesa prévia ou contraditório quando se está diante de atos de pura investigação.

E isto é da natureza substancial do inquérito civil, porque não se está diante de processo administrativo. Não se pode, portanto, confundir o inquérito civil com aquele procedimento administrativo de que trata o art. 22 da Lei nº 8.429/92. No caso dos autos, tem-se um inquérito civil de cunho nitidamente investigativo e, dentre as suas características, está a de ser um procedimento inquisitivo.

Trago outra vez a lição de Marino Pazzaglini Filho e outros, na obra já citada, quando referem com bastante propriedade que o inquérito civil “é procedimento inquisitivo, porque eminentemente não contraditório, não comportando a participação dos interessados na colheita das provas, nem, tampouco, o acesso às informações que a lei considera sigilosas e àquelas cuja publicidade poderá resultar em prejuízo para a própria investigação e elucidação dos fatos. Não é punitivo, não tem litigantes e, por isso mesmo, não se lhe aplicam as normas constitucionais sobre a observância do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF)”.

Não havia, portanto, que se viabilizar a defesa ampla, porque o inquérito civil é um procedimento nitidamente de cunho inquisitivo, sem aplicação da regra do inc. LV do art. 5º, da CF a ele. E também se incidência a regra do inc. LIV, do mesmo art. 5º, da Carta Política. E por uma razão óbvia: não foi ele, agravante, privado da sua liberdade - porque, nessas circunstâncias, se exige a ampla defesa - e nem privado de seus bens.

Parece-me devam ser analisados o fumus boni juris e o periculum in mora, porque os fatos estão demonstrados e o direito está posto. Incide aos agentes políticos a regra do art. 20, parágrafo único, da Lei da Improbidade; a indisponibilidade é que está em jogo, e não o seqüestro. Portanto, é o art. 7º e seu § único, da Lei n.º 8.429/92, que tem aplicação à espécie; o direito de defesa não havia de ser dado mesmo. Mas, para argumentar, caso se entenda devesse ser dada a oportunidade de defesa, foi dada.

O fumus boni juris, como se sabe, não é um prognóstico de resultado favorável ao processo principal. Não é ele não é uma antecipação, à evidência, de julgamento, mas simplesmente um juízo de mera probabilidade. Perspectiva essa que, presente, basta para justificar a afirmação do direito.

Com efeito, não restam dúvidas de que, o afastamento cautelar é medida drástica, que deve ser tomada com todas as cautelas necessárias, diante de prova inequívoca de que a continuidade do agente público no cargo acarretará o comprometimento da instrução do processo, seja pela supressão de provas documentais, seja pela coação a testemunhas ou pela gravidade das irregularidades.

Evidentemente, tal receio deve ser plenamente motivado pelo julgador no ato de deferimento da medida liminar, com base nas provas existentes nos autos.

Em análise sumária, sem apreciar definitivamente o mérito da causa, deve o Judiciário tutelar os interesses maiores da coletividade a amparar a pretensão individual de uma das partes.

Tendo-se como verídicos os fatos relativos às constantes desobediências ao pleiteado pelo Ministério Público, administrativamente, bem como pelo mal preparo dos funcionários da Prefeitura Municipal, os atos omissivos e comissivos que afrontam a probidade administrativa, parece-me que o afastamento do Sr. Prefeito e do Sr. Secretário Municipal de Saúde é medida imperativa.

Ora, nítida a conveniência de seus afastamentos porque os fatos aconteceram no âmbito geral da Prefeitura, na intimidade da Administração. Não foram fatos externos.

Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AFASTAMENTO CAUTELAR DE AGENTE PÚBLICO - POSSIBILIDADE - INDÍCIOS VEEMENTES DA PRÁTICA DE ATOS ÍMPROBOS — NECESSIDADE PARA ASSEGURAR A COMPLETA APURAÇÃO DE FATOS GRAVÍSSIMOS. DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE - ÍNDICIOS DE DANO AO ERÁRIO E/OU DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO - DEMONSTRAÇÃO - SUFICIÊNCIA - LIMITAÇÃO - GARANTIA DAS CONSEQUÊNCIAS FINANCEIRAS DOS ATOS DE IMPROBIDADE - BENS ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEIS. O artigo 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429/1992 autoriza o afastamento cautelar de agente público, em ação civil pública por improbidade administrativa, quando presentes indícios veementes de prática de atos ímprobos e necessário à instrução processual. Para a decretação da indisponibilidade de bens, é suficiente a demonstração de indícios de dano ao erário e/ou de enriquecimento ilícito, a caracterizar o fumus boni juris, uma vez que o periculum in mora está implícito no comando legal. A medida, todavia, deve recair sobre os bens bastantes para assegurar as consequências financeiras do ato de improbidade, com exclusão daqueles considerados por lei absolutamente impenhoráveis (artigo 649 do Código de Processo Civil). Recurso parcialmente provido. (AI, 152368/2012, DRA.HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 13/08/2013, Data da publicação no DJE 07/10/2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. aplicabilidade da lei n. 8.429/92 aos prefeitos municipais. AFASTAMENTO CAUTELAR DO AGENTE PÚBLICO DO EXERCÍCIO DO CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO. ART. 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 8.429/92. POSSIBILIDADE, CASO CONCRETO. 1. O STJ já firmou posicionamento de que a Lei de Improbidade Administrativa aplica-se a agentes políticos municipais, tais como prefeitos, ex-prefeitos e vereadores. 2. A medida referida no art. 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92 somente deve ser aplicada quando houver risco à regular instrução do processo, ou seja, trata-se de uma medida excepcional. Com efeito, o afastamento, na forma como determinado na decisão recorrida, mostra-se necessário, pois permitirá uma melhor investigação dos fatos. (AI, 51601/2012, DRA.HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 30/07/2013, Data da publicação no DJE 07/08/2013)

Ex positis, e por todo o acima esposado, DEFIRO A LIMINAR ora pleiteada pelo Ministério Público, a fim de determinar o afastamento cautelar dos Requeridos José Ozete Freitas e Valdecir Luiz Colle dos cargos públicos que ocupam como Secretário Municipal de Saúde e Prefeito, respectivamente, com fulcro no art. 20 da Lei nº 8.429/92, despojando-os de qualquer função pública até o final desta lide.

Após, transcorridos o prazo de 10 (dez) dias, notifiquem-se os demandados para oferecerem manifestação por escrito, a qual poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 17, § 7° da Lei nº 8.429/92.

Intime-se o Município de Juscimeira para, querendo, se manifestar na demanda, com fulcro no art. 17, § 3º da Lei nº 8.429/92.

Ciência ao Ministério Público.
Às providências.

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