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Domingo, 28 de abril de 2024

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Sem auxílio e sem peixe

MPF aciona governo para pagar seguro desemprego a pescadores e manter defeso a piracema

Foto: Glaucia Paixão - Ilustrativa

MPF aciona governo para pagar seguro desemprego a pescadores e manter defeso a piracema
Estamos em plena Piracema (período de migração dos peixes para se reproduzirem). Neste período (novembro até o fim de fevereiro), a pesca costuma ser proibida e os pescadores recebem um seguro desemprego, chamado de "seguro defeso". No entanto, o governo federal criou uma portaria suspendendo esta proibição por 120 dias. Em contrapartida, o Conselho Estadual de Pesca (CEPESCA) manteve o período de defeso em Mato Grosso. Agora, cerca de 600 pescadores, além de não receberem o auxílio (de um salário mínimo), estão proibidos de pescar. Por conta disso, o Ministério Público Federal (MPF) move Ação Civil Pública contra a União e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) para que os pescadores recebam o seguro e o defeso da piracema seja respeitado. De acordo com o procurador que assina a ação, Marco Antônio Barbosa, liberar a pesca na piracema para cortar gastos "é como derrubar o prédio pra consertar o encanamento”.

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A declaração do procurador ironiza os argumentos usados pelo Governo Federal para liberação da pesca durante o período de reprodução dos peixes. Pois o ato normativo administrativo (Portaria Interministerial nº 192, publicada no dia 9 de outubro de 2015), alega ser necessário fazer um recadastramento dos pescadores artesanais, pois não se sabe se todos os beneficiários são, de fato, pescadores, o que poderia gerar um rombo na previdência. Além disso, diz ser necessária uma revisão dos períodos de defeso, pois, devido a alterações climáticas e variações ambientais, o período de reprodução pode ter sido alterado.

No entanto, de acordo com Marco Antônio, não passa de uma medida econômica para cortar gastos, já que se estimava gastar R$ 1,6 bilhão com o auxílio em todo Brasil. E ainda alerta que é uma visão imediatista que irá gerar prejuízos futuros, como a diminuição dos peixes e dificuldades para os pescadores.

“É uma medida econômica. Mas, do ponto de vista econômico, também não se justifica. Se eles liberam a pesca dos peixes que iriam se reproduzir, impossibilita o nascimento de outros peixes. Fecha o ciclo. Vai faltar o que pescar e, consequentemente, o que vender”, alertou o procurador.

As competências

A ação também aponta que a União não pode revogar o período de defeso, pois se trata de uma competência da Constituição Federal, que reza ser uma atribuição estadual.

A ação ainda cita a Lei n. 11.959, de junho de 2009, que esclarece que cabe aos Estados a definição do período de defeso em suas bacias hidrográficas. “Compete aos Estados e ao Distrito Federal o ordenamento da pesca nas águas continentais de suas respectivas jurisdições, observada a legislação aplicável, podendo o exercício da atividade ser restrita a uma determinada bacia hidrográfica”.

Amparada nesta premissa, o CEPESCA ignorou a determinação da Portaria criada pelos ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente, e manteve o período de defeso da piracema, proibindo a pesca de novembro até fevereiro, argumentando que a reprodução é essencial para a continuidade da atividade pesqueira, além, é claro, de proteger o meio ambiente.

Pesquisas recentes

A ação movida pelo MPF também ressalta que as justificativas dadas pelo Governo Federal são incoerentes, pois, ainda que haja a necessidade de um recadastramento para evitar supostas fraudes e que o período de piracema pode ter sido alterado, necessitaria de amparo científico para se fundamentar. Porém, aconteceria justamente o contrário, estas hipóteses foram levantadas para, posteriormente, se fazer uma pesquisa.

No entanto, um estudo recente divulgado pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), datado de janeiro de 2016, demonstra que “os resultados das coletas apontam que a partir do final de setembro inicia o período reprodutivo das espécies analisadas, verifica-se que a maioria das espécies que possuem desova total este período se estende até final de março”.

Além disso, o documento traz a fala do biólogo marinho Augusto Pereira, diretor de Pesquisa e Produção da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro (Fiperj), que define o defeso como “uma grande conquista, pois não só possibilita o aumento da produção como protege o meio ambiente, proporcionando a recuperação dos estoques e a manutenção da rentabilidade da pesca para gerações futuras”.

Princípio da precaução

Por fim, o documento ainda destaca o princípio da precaução, que recomenda a manutenção do período de defeso da piracema para que seja possível a recuperação dos estoques e a manutenção da rentabilidade da pesca.

“Em se tratando de meio ambiente, pondo-se em confronto uma relativa irreversibilidade com o princípio da precaução, esse princípio deve prevalecer”, conforme reconhecido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Portanto, de acordo com a ação, “a precaução só deve estar presente para impedir o prejuízo, mesmo incerto, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo”. Nestes casos, deveria vigorar o in dúbio pro natura (na dúvida, interpreta-se a favor do meio ambiente).

Assim como o periculum in mora (risco de decisão tardia), pois, “caso não se conceda a tutela de urgência, a demora na obtenção do provimento judicial acarretará prejuízos irreversíveis, tanto aos pescadores quanto ao meio ambiente”, conclui.

Desfecho

Agora, tanto a União quanto o INSS, tem até 72 horas para se posicionar sobre o ocorrido, sob pena de caracterização de revelia.

Por fim, o MPF requer que seja restabelecido o pagamento do seguro-defeso aos pescadores artesanais da bacia amazônica. Em caso de descumprimento, exige o pagamento de R$ 1 mil diariamente.

E, enquanto não há nenhuma decisão judicial, aproximadamente 600 pescadores continuam proibidos de pescar e sem receber o auxílio. E o CEPESCA tenta garantir que os peixes possam se reproduzir sem o risco de serem pescados, para não terem interrompidos o ciclo natural da vida.
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