Olhar Direto

Sábado, 27 de abril de 2024

Opinião

Muita água e pouca farinha

Expandir o território mato-grossense foi e voltou a ser objeto de desejo de políticos e seus representados. Ação compreensível se olharmos para a necessidade de aumentar a produção de grãos sem que seja necessário driblar para desmatar o que não dá mais para ser desmatado...por enquanto.

Mas a arte da política é a persuasão. Fazer-se puro e revestido de interesses públicos coletivos sempre amparados por uma maioria que justifica a democracia contemporânea, quando na verdade outras e tantas outras verdades estão paralelamente confluindo como a água, retidas entre as margens de um rio, para um mesmo lugar.

Por falar em rio e temas paralelos, me veio a necessidade de acrescentar ao acima citado, por mais que pareça distantes entre si, uma visão que os aproxima, não geograficamente, mas sim por interesses econômicos que, ao contrário do que pretende a persuasão, estão diretamente ligados a uma minoria.

Permita-me o leitor aproximar os temas e para tanto necessitarei falar com energia sobre o discurso das PCHs no Vale do Rio Cuiabá, bem como a proposta do governador de proibir que um trabalhador exerça seu ofício, por meia década, oferecendo uma quantia temporária irrisória e aviltante, para que, sob a justificativa de defesa dos peixes e a garantia da perpetuação das espécies, o pescador passe a viver de lembranças do seu ofício.

Disse outro dia um representante público que as PCHs poderiam, de tão importantes, serem trocadas por placas voltaicas, já que o Estado de Mato Grosso recebe forte presença do astro que alimenta as placas e as placas armazenam essa energia em baterias. São excelentes persuasores esses políticos. Ora trocar seis por meia dúzia não é a questão, a pergunta é o que está por trás dessa necessidade urgente de gerar energia às margens do Rio Cuiabá.

Há tempos esses mesmos senhores propuseram, não sem contar um arauto de pirata que tem voz matinal exalada aos quatro cantos do Estado, a ocupação dessas margens com o plantio de soja. A justificativa, conforme o arauto de pirata, se baseava no fato de que se houvesse nova divisão do Estado, o que sobraria para Mato Grosso e principalmente para Cuiabá, a não ser o Rio (como se só ele já não é o bastante, até por nomear a Capital do Estado) sem peixes, devido a outra iniciativa assaz preocupada com o coletivo, sqn, chamado de Lago do Manso. Portanto necessário se fazia aproveitar os conhecimentos desses desbravadores do cerrado e mata amazônica, para transformar o Vale do Cuiabá em um grande e emergente produtor de grãos.

Para plantar grãos não basta somente solo fértil. Há necessidade de muito mais, desde as vias ou ferrovias até a disponibilidade de energia; porém a algo que por mais que haja energia em abundancia e solo fértil todo ano sem que necessidade adubar com intensidade e corrigir seu ph e isso se chama: propriedade da terra.

As margens do Vale do Cuiabá são há séculos ocupadas por grandes, médias, pequenas e até mesmo micro propriedades, herdadas num sobrepor de anos por parentes e negociantes que subjugaram dos guató, guaná, paiaguá, bororo. Todavia nunca se configurou como uma extensa área de monocultura pertencente a um ou dois únicos grupos que, detendo o conhecimento tecnológico e tendo poder de investimento, estariam despretensiosamente qualificados para, em nome da coletividade, enfrentar tamanho desafio e desbravar o Vale do Cuiabá, preparando o celeiro do mundo para ampliar seus silos. 

Quando as famílias que habitam aquelas margens à esquerda e à direita estiverem alijadas dos seus processos e costumes culturais e quando o primeiro que cansar desse desterro em sua própria terra, já que não poderá pescar ou plantar suas roças, trocará por promessas em sacas de soja ou até mesmo por parcos cifrões em um banco, aceitar a persuasão e ceder, os demais não conseguirão conter e seguirão o caminho que historicamente nesse país se mostra sem volta. Perderão a terra, perderão as raízes, as sacas de soja apodrecerão e os cifrões...esses são como num vendaval em uma terra devastada.

Mas não precisa ser assim, caso haja de fato vontade de persuadir e convencer aos demais que as margens do Rio Cuiabá podem e devem ser ocupadas devido ao seu alto teor de adubação natural das cheias do Rio. Para tanto basta mudar o rumo do discurso e ao invés de lutar, mesmo que veladamente, por uma ocupação das terras com plantação em larga escala que inevitavelmente poluirão antes, e depois seus poluentes se estenderão até o mar de xaraés, deixando lá o que envenena o solo para posteriormente embarcar os grãos que aqui não ficam, nos vagões e/ou carretas até os portos de Santos e Belém, aumentando a concentração de renda para poucos e acrescentando mais ao já expressivo contingente de excluídos desse processo em Mato Grosso.

Para que não seja assim basta que ouvindo o discurso do Presidente da República quando recentemente ele afirma que “precisamos plantar o que o brasileiro come” tal como mandioca, abóbora, milho, batata, cenoura, melancia, quiabo, feijão, arroz e mais; as instituições públicas e entre elas cito a Universidade Federal de Mato Grosso, a Universidade do Estado de Mato Grosso, entre tantas outras instituições de pesquisa e incentivo social, apresentem um projeto de viabilidade econômica que atenda o mercado interno e tenhamos mais do que o Pedra Noventa como cinturão verde, tenhamos também no Vale do Rio Cuiabá, assim como é no Vale do Rio São Francisco, uma demonstração de respeito à natureza, de respeito à vida, de inclusão social, de distribuição de renda a partir do trabalho, de respeito...sem persuasão.


Por José Amilcar Bertholini, doutor em história.
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