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Domingo, 28 de abril de 2024

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Cinestesia: O retrato intimista da vivacidade de Glória

Arquivo Pessoal

Tudo soa decadente em Glória, filme chileno lançado em 2013. Os bailes dos quinquagenários, as músicas que tocam ali e no rádio, são algumas expressões notáveis desta melancolia, comum à nostalgia. Contudo, Glória (Paulina García) destoa por quilômetros. Ela porta uma vontade irremediável e incomum de viver, principalmente em sua idade – algo entre os cinquenta e os sessenta anos.

Glória não é feliz todo o tempo. É triste pelas manhãs, às vezes pelas tardes, nunca pelas noites. Frequenta bailes para pessoas de sua idade, costumeiramente ouve e canta músicas românticas enquanto dirige. Segura de si sente-se livre e à vontade para conhecer homens e se entregar a eles. É assim que conhece Rodolfo (Sergio Hernández). A ocasião deste amor traz ainda mais aspirações juvenis para a mulher. Mas Rodolfo não goza a mesma segurança, esconde o relacionamento das filhas e tem dificuldade de assumir o seu passado militar.

A atriz Paulina García é irrefutável em sua interpretação e com êxito propicia a afirmação de seu personagem. Não por a caso foi premiada em Berlim. A força desta personagem também é reafirmada na direção de Sebastián Lelio, que respeito o real e o natural em sua construção, vide as cenas de nudez e sexo, um bom gosto pelo verossímil semelhantemente visto no ensaio “Black Mirror”, do talentoso fotógrafo cuiabano Rafael Monteiro.

O comportamento subversivo de Glória é explícito. A sobriedade com que a quinquagenária se arrisca em sua busca por coisas pelas quais acredita valer a pena viver, como o amor, é simplesmente fantástica. E ela paga caro por se arriscar, “quebra a cara” e se refaz para tentar novamente em seu trabalho “Sísifo”, quando todos dizem que não há mais tempo para amar. Glória parece ter se inspirado na redenção de Fermina Daza e Florentino Ariza, e na consumação deste amor septuagenário narrado por Gabriel García Márquez em “O Amor nos tempos do Cólera”.

O longa, portanto, trata-se de um retrato intimista de uma mulher apaixonante que oferece resistência ao tempo celebrando a vida. Inspira? Ora, o que há de mais inspirador que o amor e a rebeldia? Pois é com rebeldia que Glória busca o amor.

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