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Domingo, 28 de abril de 2024

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O POP não poupa ninguém

Arquivo Pessoal

Tem certas coisas que chegam a nos impressionar com seu alcance popular. Tipo aqueles vídeos que viralizam na internet onde gente boba se comporta de maneira ridícula. E ai, da noite para o dia, aquele completo desconhecido ganha fama, popularidade, comerciais e passa até a cobrar cachê por breves aparições em baladinhas locais. Em se tratando de cultura POP, tudo pode estourar – exatamente como a sonoridade da palavra exprime. E num piscar de olhos, o bobo se torna divertido, o ridículo vira curioso e todos somos pegos de surpresa com a nova celebridade da vez.

Hoje contamos com a Internet para assegurar que qualquer um (sem eufemismos, certo?) pode se tornar muito mais do que espera ou mereça. Mas falar da questão da popularidade em tempos contemporâneos é muito simples. Numa terra onde Justin Bieber só existe por conta do Youtube, não há nada de tão glamouroso em fazer sucesso on-line. Como a música dos Titãs já anunciava em 2001, muito antes do surgimento do site de compartilhamentos de vídeos, A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana possui seu breve espaço no tempo. E em uma era onde não importa a contradição, mas sim a televisão, todos se acostumam e já não se encantam tanto com essa bagunça que exalta o ridículo e menospreza o talentoso.

Mas nos anos 80 não era nada assim. Sem o Youtube ou Google, a televisão era crucial para a popularidade de qualquer pessoa. Talvez seja essa centralização do poder cultural em apenas uma mídia que contribuiu para o culto à celebridade. Não era fácil chegar à TV. Então, quando se estava lá, era sinal de que você havia chegado em algum lugar. Quem estava na TV era POP, adorado, observado e admirado. E quando Michael Dorsey não tem sucesso em seus projetos e seu jeito difícil passa a impedir que ele ganhe novos trabalhos, o ator decide deixar de ser Michael, para se tornar Tootsie (1982).

Enquanto estar na TV é o sonho de todos aqueles que almejam uma carreira no ramo artístico, Michael (Dustin Hoffman) se vê em uma sinuca de bico. Seu temperamento fechou todas as portas de trabalho em Nova York, mas as contas não deixam de vencer mês após mês. Com esse entrave em mãos e disposto a não se desligar da carreira de ator, ele decide encarar uma personalidade feminina, uma espécie de pseudônimo real, onde assume para si uma identidade do sexo oposto, a fim de conquistar um papel em uma novela típica americana, no melhor formato dramático, seguindo as veredas da interminável Days of Our Lives (no ar desde 1965).



Tootsie, seu pseudônimo, é completamente o oposto de Michael. Adorável, divertida, fácil de lidar e com uma personalidade encantadora, ela é capaz de atrair a atenção para sua atuação. E tal conquista, que parte naturalmente de sua postura, lhe confere uma popularidade crescente. E seu papel, que antes era de apoio, toma proporções gigantescas, transformando-a no tipo de celebridade que vende tudo: desde refrigerante a óleo lubrificante.

A relação quase tridimensional entre Tootsie e Michael se torna um pouco mais complexa quando o ator se apaixona por sua colega de elenco Julie Nichols (Jessica Lange), formando um quase triângulo amoroso invisível. Ninguém sabe do rosto por trás da maquiagem de Tootsie e esse segredo é capaz de comprometer não apenas o trabalho de Michael, mas seu amor recém-nascido pela jovem atriz.

No decorrer do filme Tootsie, vemos a cômica tarefa de viver uma vida dupla, principalmente para um ator sem qualquer perspectiva de um futuro brilhante. Seu sucesso estrondoso é inesperado, colocando em evidência para si mesmo as suas falhas como homem e seu triunfo como mulher. Ironicamente, tudo aquilo que Michael – verdadeiramente – não era é o que o torna tão popular entre crianças, donas de casa e apaixonados por uma boa novela.

Mas, muito mais que a popularidade, Michael vai descobrindo com profundidade a complexidade da mulher, tão incompreensível para a maioria dos homens – que nos julgam complicadas demais. Ao se posicionar como uma mulher (diante da necessidade e da reviravolta de sua carreira) e não como um homem-vestido-de-mulher, ele passa a adquirir uma perspectiva mais ampla a respeito do sexo oposto e de si mesmo. Seu gênio difícil entra em choque com a fragilidade de seu pseudônimo real e sua arrogância se desfalece diante da leveza que lhe foi conferida ao assumir Tootsie como seu ganha-pão.

E a questão não é Michael ser menos homem. Pelo contrário, sua compreensão mais aberta da mulher o ajudou a ser um homem melhor. E isso foi passado como um grande ensinamento para Dustin Hoffman, que em uma entrevista no ano de 2012 para a AFI (Artists Film Institute), se emociona ao falar da imensidão da comédia para sua vida. O filme, que fora eleito como a segunda melhor comédia de todos os tempos pelo mesmo instituo, ultrapassa os limites propostos.

Ao relatar que só aceitaria o papel caso os testes de maquiagem dessem bons resultados o tornando em uma mulher e não em uma espécie de travesti, Dustin se perde em suas lágrimas ao reconhecer que não era – genuinamente – uma linda mulher, mas que era interessante o suficiente para ser atraente. E ele vai ainda mais longe, ao continuar dizendo que os padrões de belezas impostos o fariam rejeitar esta mesma mulher que ele interpreta, por falta de atrativos físicos. Ele ainda finaliza reflexivo, ao dizer que perdeu a chance de conhecer mulheres incríveis, puramente pela “lavagem cerebral” que o condicionou a estes certos padrões de beleza.

A popularidade de Michael como Tootsie tem um reflexo positivo para o personagem, que abandona qualquer machismo ou atitude pretenciosa, típica de sua personalidade temperamental. No entanto, vemos que essa popularidade conceitual e significante para o aprimoramento do caráter humano se perde hoje, se desfazendo daquela reflexão profunda que a mudança da água para o vinho é capaz de gerar em nós. Não que tudo esteja perdido. Mas nossos olhos são mais guiados para o ridículo, à medida que abafam não só o talento, mas aquela popularidade que merece ser aclamada.



Em Tootsie não apenas damos risadas. Aprendemos um pouco mais sobre a questão de – literalmente – estar na pele do outro. Os elementos POP fazem parte da concepção da protagonista, capaz de gerar um elo de ligação com o espectador. Mas essa conexão se torna mais profunda, quando Michael decide revelar Tootsie, mostrando o quanto aprendeu com a experiência. E em meio a uma época onde somos rodeados por pseudo-celebridades que mal sabem da onde vieram e desconhecem profundamente para onde estão indo, acompanhamos a progressão de um POP vazio, sem lições aprendidas, que se contenta com o dinheiro no bolso e os 15 minutos de fama. Precisamos de mais Tootsies entre nós.

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