Olhar Conceito

Domingo, 28 de abril de 2024

Colunas

Uma história sobre um trem, uma ponte e um pôr do sol

Arquivo Pessoal

O trem balançava devagar. Cada girar de roda era um infinito que se passava sem muita pressa, várias e várias vezes. O condutor era um velho senhor cujos cabelos brancos e as rugas no rosto não se preocupavam em tentar esconder a idade e a paciência. Os olhos, fixos no horizonte, enxergavam caminhos muito bem conhecidos e experimentados, como quando era jovem, que decidiu se aventurar mundo afora só para ver até onde iria chegar.

Não muito longe no horizonte os olhos treinados viram uma longa ponte antiga, que era a fronteira entre o continuar da vida e um grande precipício de trezentos e quarenta metros que significaria uma aventura emocionante com grande descarga de adrenalina, e uma morte certeira. A mão que guiava o trem formigou, e com o abandono da hesitação, os vagões foram ganhando velocidade. As rodas giravam cada vez mais rápido, o barulho de ferro sobre ferro aumentava, o balançar era o de um navio contra fortes ondas.

O trem foi se aproximando da ponte em grande velocidade – tudo poderia acontecer; o trem poderia tombar antes mesmo da ponte, ou poderia cair pelo desfiladeiro. O velho condutor queria uma última aventura, e aquela seria a escolhida. Trem a máxima velocidade, fumaça sendo jogada ao céu formando novas nuvens densas, alguns segundos sobre a rotina desconhecida…

Entrou como se fugisse na ponte. Um balançar mais forte foi sentido, mas não o suficiente para causar algum dano sério. Janela afora ele via, a um lado, um pequeno rio que corria longe fazendo caminhos tortuosos por entre paredes vermelhas; a outro, o mesmo rio encontrava-se com o mar, onde se misturava em mistério. O sol se pondo devagar enaltecia o solo vermelho, realçando uma sensação quase onírica. Alguns vagões pulavam.

Estava na metade da ponte, mas via o final não muito longe. O ferro resmungava por quanto tempo aguentaria desaforos; os vagões clamavam por liberdade; a mão firme segurava a velocidade. A emoção da incerteza.

Correndo pelos trilhos, a fumaça atravessou a linha de chegada sem avarias. O velho senhor, sorridente e com o coração batendo-lhe a garganta, reduziu gradualmente a velocidade, até as rodas voltarem a fazer o mesmo girar infinito de antes. Puxou um pequeno banco de madeira e sentou nela, relaxando. Os braços cruzaram-se procurando conforto em si mesmos, enquanto os olhos voltavam-se para os morros vermelhos à direita – o sol já quase se escondia atrás deles. Alguns pássaros azuis voavam em desordem calculada; pequenos arbustos verdes secos surgiam vez ou outra.

Os olhos lembravam-se do rio tortuoso, do precipício escavado, da união das águas. Aquela foi uma grande aventura; a emoção que sentira foi inexprimível, sendo o retrato mais fiel o brilho no olhar. Já o trilho e os vagões, a velocidade, a incerteza, a calmaria… Aquilo era sua vida, e o sol se punha.

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