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Domingo, 28 de abril de 2024

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A vida que vivemos não podemos calcular

Arquivo Pessoal

Ninguém se dá conta de que vivemos suicidamente todos os dias.
Na esperança de prolongar nossos dias, encurtamos nossas noites. De tanta esperteza ainda não despertamos.
Ficamos doentes em busca da saúde e da boa forma. De tanta cura, de tanta morte.
Em busca da boa educação, temos nos tornado ignorantes. De tanta ciência, de tanta demência.
Em busca de religião, cada vez mais nos separamos. De tanta verdade, de tanta maldade.
Em busca do pão, viramos escravos. De tanto patrão, de tanto ladrão.
Em busca de rotas, perdemos os roteiros.
De tanto seguir relógios, já perdemos os ponteiros.

São tantas buscas... Às vezes passamos a vida calculando-a como se fosse possível uma matemática. Ora somando, ora dividindo, ora num multiplicador, ora numa subtração. Mas, a vida não é uma matemática que se possa calcular. Com todos os elementos dentro e fora de seu conjunto, ela escapa as regras com todas suas exceções.

Dentre várias de suas exceções não calculáveis, estão: a doença, a inveja, o rancor, a vingança, a felicidade, a morte, o perdão, o amor, um sonho.

Quem dentre vós saberia dizer quanta dor há numa doença? Quanta verdade há numa crença? Quanta ilusão há numa paixão? Quanta vida há num coração? O que nos falta na inveja, no rancor e na vingança? Qual é o tamanho duma esperança? Qual é o peso da amizade de um amigo que partiu? Que dimensão e proporção tem uma felicidade? Quantas vidas tem sua idade? O quanto subtraímos para perdoar? E o quanto multiplicamos para amar? Quanto vale um sonho perdido?

Os amigos que fizemos e as amizades que perdemos. Os alimentos que comemos e as vontades que tivemos. O cheiro de uma flor e o sentido de uma dor. Um beijo e seu paladar, de lábios a se molhar. Um sorriso de criança, um futuro de esperança. Uma risada, uma palhaçada, uma gargalhada. Entre lágrimas de falsidades e felicidades. O fitar de um olhar, a espera dum amor voltar. Um abraço caloroso, um sorriso assim jocoso.

Os dias irão passar e a vida não poderá calcular. Toda regra tenderá a te falhar. Então porque se preocupar?

Some com seus amigos. Divida sua dor. Subtraia sua vingança e seu rancor. Multiplique seu amor.

A justiça que condena. É a mesma que liberta. O Sol que se põe hoje nascerá no amanhã. A terra que enterras mortes, ela mesma vidas geras. O fogo que transforma nossas cinzas também aquece os nossos corpos. A água que afoga também sacia a sede. Aquele vento que devasta nossas flores também carrega o pólen. O Sol que seca as folhas. Das plantas renovas o tecido. A planta capaz de envenenar por vezes com a mesma fez curar. Esse cão que morde o próximo pode ser o seu amigo. Dos beijos do trair, entregar e enganar, são dos lábios que podemos nos amar. O mesmo coração que odeia, pode amar, com ou sem desculpas perdoar. As lágrimas que molham nossos olhos de tristeza. Elas mesmas também os banham de alegria

O mesmo que sou hoje. Não será no amanhã!


*Reinaldo Marchesi - É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco

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