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Domingo, 28 de abril de 2024

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Sobre o nada tenho profundidades já dizia o poeta: O que é o nada?

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Afinal, “o que é o nada?”

Admito que perguntas de crianças sempre são as mais difíceis de responder.
Tal pergunta sobre o nada, desde a primeira vez que a ouvi, ecoou em minha mente.

Sempre busquei conhecer respostas para tudo, menos para o nada.

Minha busca pelo conhecimento era crescente sobre todos os sistemas complexos dessa vida.
Nada disso me serviu para servi-la na resposta.

Desse modo, a tal criança poderia explicar com muita precisão sobre muitas coisas, mas falar sobre “o nada”? Nunca me ocorreu.

Àquela pequenina criança, pouco importaria comentar o que tenha dito Sartre em "O ser e o nada", afinal, no existencialismo de criança não existe realismo de adulto. Não lhe interessaria a definição dos linguistas em explicar que o nada seja um signo, uma representação linguística do que se pensa ser a ausência de tudo. Mesmo que fosse confrontada a opinião de Bergson à de Hegel, Heidegger e Sartre, que também nada de nada explicariam a tal criança.

Pouco importaria para essa criança se o conceito de nada inclui também a inexistência de leis físicas que alguma coisa existente venha obedecer, dentre elas a conservação da energia, o aumento da entropia e a própria passagem do tempo, ou muitas outras besteiras científicas ditas por ai.

Mesmo que talvez, sendo o espaço o conjunto dos lugares, das possibilidades de localização, sua inexistência implicaria na impossibilidade de conter qualquer coisa. Isto é, não se pode estar no nada. O nada pode ser, pois, um não-lugar, uma não-coisa, uma não-presença e uma não-ausência. Então, como falar disso para tal criança?

Pouco importaria dizer sobre o modelo padrão da cosmologia, e explicar que o Universo tenha surgido de uma singularidade primordial que, no instante zero, iniciou sua expansão, gerando tudo o que existe, inclusive o tempo e o espaço. Destarte, assim antes disso, era o nada. Logo, então o nada foi o princípio e, não exatamente o nada.

Pouco importaria-lhe saber que matematicamente o conceito de nada é equivalente ao de "conjunto vazio", que é o conjunto que não possui elementos, mas é um elemento do conjunto dos subconjuntos de um conjunto.
Assim o "nada" seria um dos elementos do "tudo", ou do Universo.
Logo, não seria o nada um nada, mas um elemento.

Talvez Manoel de Barros tivesse tal resposta sobre o nada, afinal foi ele quem disse:
“Sobre o nada tenho profundidades”.
Mas como valer-me de utilizar versos do poeta que escreve desutilidades?
Isso seria inútil para aquela criança.

Talvez de todas desexplicações, simplesmente desconversar e ignorar tal pergunta seria o melhor que se tivesse a fazer.
Mas como todo adulto não se contenta em deixar uma criança sem respostas, então diz. Afinal, adulto sabe falar sobre tudo, inclusive a mentir do nada.

Se o nada é a falta de tudo, se o nada é absolutamente o contrário de tudo, e tudo é absolutamente o contrário de nada.
Não tenho mais nada a declarar.

*Reinaldo Marchesi - É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco


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