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Domingo, 28 de abril de 2024

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O tempo, a distância e a utopia na Cuiabá de Ricardo Guilherme Dicke são abordados em minicurso de filosofia

Foto: Cláudio de Oliveira

O tempo, a distância e a utopia na Cuiabá de Ricardo Guilherme Dicke são abordados em minicurso de filosofia
Um recorte do tempo. O isolamento. Os sonhos imersos em ilusão. O filho do garimpo que conta a história do depois, mas a situa neste passado ao qual está acorrentada. A permanência daquilo que sempre foi, e que sofre com a presença avassaladora do dominador, o homem branco. Foi no fim da década de 1970, que Ricardo Guilherme Dicke escreveu “Cerimônias do Sertão”, livro que traz profundas reflexões filosóficas, ataca a religião com fúria, e faz uma leitura sobre o que é a Cuiabá após a corrida do ouro, as invasões e a dominação dos índios que aqui viviam.

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Devido ao tema “A reflexão acerca da importância da filosofia nos rincões do Brasil”, a professora Dra. Sara Juliana Pozzer optou por abordar a obra do escritor mato-grossense em um minicurso que começou nesta segunda-feira (27) e termina hoje (28) às 16h30. “Tempo, distância e utopia na Cuiabá de Guilherme Dicke” promove um debate profundo sobre a filosofia presente na literatura do escritor.

Formado em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dicke retornou à Cuiabá por volta de 1972, e foi após se desligar do universo da metrópole, que o escritor escreveu “Cerimônias do Sertão”, que possui momentos auto-biográficos, mas como em toda construção literária, o autor se apropria de diversos elementos para montar seu personagem.

E o personagem principal de sua história é um professor de filosofia que também é poeta, que vive uma proximidade com a periferia de Cuiabá, em contraste com outro personagem que é um aristocrata. Com isso, Dicke tem a oportunidade de abordar diversos diálogos com diferentes vozes de representação social e crítica. Diferentes modos de ver o mundo, ou melhor, de ver Cuiabá inserida no mundo, no tempo e na memória.

Com a inserção da filosofia, Dicke trabalha sua relação e o contexto cuiabano dentro do nacional. E o escritor é filho do garimpo, nasceu em Chapada dos Guimarães, filho de um alemão com uma mato-grossense. A professora explica que o escritor, das correntes filosóficas, se identifica com a fenomenologia e a obra de Nietzche.

A melancolia e o isolamento dos personagens será aprofundado no encontro de hoje, bem como a questão do ‘subcapitalismo’ encontrado no Brasil, no momento em que Dicke vive e escreve Cerimônias do Sertão. Com isto, no primeiro dia se passou a corrida do ouro de Cuiabá, a exploração do ouro pelo garimpo, o isolamento da cidade por muitos anos, até quando em 1970, começa o ‘boom’ populacional, com a política de desenvolvimento do governo federal. Todos estes retratos são registrados aos olhos de Dicke.

“A leitura do Dicke não é popular porque ela não é linear, você vai encontrar imagens geográficas que se sobrepõe, com personagens reflexivos que expressam sentimentos, e perpassam por vários pontos da cidade, para mostrar as diferenças dos grupos sociais, e a forma como era a organização social e econômica de Cuiabá”, analisa a professora.

Ao abordar tempos distintos, Dicke faz um recorte de uma época que vivenciou mas se perdeu, que não retorna, e isto no livro também é representado por um índio xavante, com uma cegueira simbólica que toca um violão pelas estradas, e de bar em bar. A cegueira ‘simbólica’ é referente ao fato do autor deixar nas entrelinhas da obra que ao retornar para a harmonia da aldeia, o índio voltaria a enxergar. Porém, esta harmonia nunca mais será recuperada após o contato com o homem branco.

E é aí que entra parte da utopia de Dicke, não apenas com relação aos xavantes, mas ao próprio tempo em si, que vai embora para não mais retornar, e com isto, as mudanças da Cuiabá do garimpo, para a cidade isolada e então, para uma potencial metrópole em crescimento na década de 70.

E em suas reflexões, Dicke solta frases como ‘vou tateando no escuro viscoso das formas e realidades’, ou ‘como pode existir beleza em meio ao nada’, ‘o silêncio era mais transparente, profundo e límpido, que parecia provir dos índios e africanos da eternidade, um silêncio ancestral, de uma Cuiabá morta’.

O minicurso trouxe três perspectivas centrais com relação ao contraste existente na obra de Cuiabá com outros lugares do Brasil e até do mundo, a Cuiabá da infância por volta da década de 40, e a Cuiabá dos anos 70, sendo que Dicke também faz relatos sobre uma Cuiabá ancestral, que remete ao ouro e ao garimpo.



Então, o tempo é o recorte de momentos históricos do mesmo lugar e outros, como uma viagem por acontecimentos que possam se interligar através dos tempos, a distância é o isolamento, sempre presente na obra do autor, talvez pelo reflexo de sua própria vida, e a utopia é a busca por aquilo que não retorna, como o índio xavante que busca a aldeia, como a busca do ouro no garimpo, a relação do trabalho sempre manuseada ao bel prazer das elites.

E é assim que um dos maiores escritores de Mato Grosso ambienta a sua obra, em um diálogo intenso e reflexivo sobre questões sociais e econômicas, além de trazer um rico conhecimento sobre a cultura. Com filosofia, com ficção, momentos biográficos, e passagens geniais, “Cerimônias do Sertão” apenas evidencia que a obra é maior que o autor, e sobrevive ao tempo, a distância e a utopia.
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