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Álbum de Família: A desconstrução da família e o ano de transição no cinema americano

28 Jan 2014 - 10:17

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Álbum de Família: A desconstrução da família e o ano de transição no cinema americano
Em um sistema onde se estabeleceu a ideia de que a felicidade provinha da estabilidade financeira e da inclusão social, nada mais comum do que a comercialização desta felicidade. Em propagandas, filmes e revistas, a felicidade sempre foi vendida como prêmio final pela jornada de consumo, quaisquer que sejam os produtos. No século passado, esta felicidade era calcada na ideia de uma carreira profissional bem formada e uma família unida sobre a propriedade privada, conquistada e mantida pelos esforços do cidadão em inserir-se no social e consumir a informação e o produto correto para alcançar a felicidade; conceito este que vem mudando com o passar do tempo e moldando passo a passo a ideia de felicidade desta nova família.

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Hoje, uma geração que acredita em que “A felicidade está em fazer aquilo que gosta” surge para mudar o mercado, mesmo que aos poucos, e novas profissões surgem, novas jornadas de trabalho, e a cara do mercado vai mudando em busca desta nova ambição. Em meio a esses processos, empresas debatem sobre a importância das calças e desejam bermudas e o cinema renova-se com uma safra de filmes otimistas sobre as diversas formas de encarar o mundo - “Minhas Mães e Meu Pai”, “Juno”, “Na Estrada” e “O Exótico Hotel Marigold”, enaltecem novas formas de encarar a vida e buscam alternativas para este conceito antigo que não mais traz felicidade.

  
(O exótico Hotel Marigold (2011), Na Estrada (2012), Minhas Mães e Meu pai (2010))

Passado o otimismo exacerbado inicial, os resquícios do antigo sistema e dos antigos conceitos começam a ruir e desestabilizar a felicidade recém-conquistada. Reflexo de uma década que se inicia em crises e mudanças em diversos aspectos, 2013 definiu-se pelo ano dos dramas insolúveis. Dos filmes bibliográficos às adaptações literárias, passando pelas peças gravadas e as ficções espaciais, uma onda de melancolia e reflexão tomou conta das tramas do ano que se passou, como se convocassem o espectador para uma sessão de reflexão conjunta, onde a jornada é mais importante que seu desfecho não mais tão promissor e otimista.

Dos dramas que invadiram as premiações este ano, um deles, sutil e menosprezado por sua carga melodramática exacerbada, “Álbum de Família” talvez seja o mais expressivo da temporada sobre as mudanças no conceito de família e felicidade. Narrando as desventuras de uma família americana que se vê reunida novamente devido a tragédias recentes, e precisa após anos decidir o que fazer com a matriarca da família, viciada em comprimidos, com um câncer a corroendo por dentro e recusando-se a ser tratada. Adaptado da premiada peça de Tracy Letts, “Álbum de família” é uma lavação de roupa suja da família americana.

 

Fiéis consumidores do conceito de que a felicidade provém da estabilidade financeira, o norte americano tem se deparado cada vez mais com mudanças visíveis nos moldes da família. A personagem de Meryl Streep, rabugenta e cruel, porém forte como uma montanha capaz de suportar tudo para manter a “Família” conduz a sessão de terapia e em tela, e trás a tona todas as fissuras que podem existir na instituição familiar. Na mesa de jantar, sentados em volta da matriarca, todos são alegorias das expectativas e desejos do cidadão comum, do membro desta família infeliz, que não mais se adéqua aos conceitos que tenta firmar.

Reflexo desta mudança que ocorre também na mentalidade do norte americano, a trama da família que tenta se manter unida apesar de não ter mais nada em que se agarrar é um enorme melodrama teatral, que nunca perde sua essência oriunda das peças e jamais alcança a realidade, sua atmosfera reside neste palco de atuações energéticas para uma reflexão minuciosa e solene sobre todas as noções que se tornaram rotas e desgastaram estas relações.

Da astronauta solitária de “Gravidade” ao escravo injustiçado de “12 anos de Escravidão”; do pianista morto que deixou para trás um homem transfigurado e um caráter desestruturado em “Behind the Candelabra” ao lobo que jamais troca de peles no já comentado “O Lobo de Wall Street” ou até mesmo a dona de casa que perde todas suas finanças e surta ao tentar adaptar-se à nova vida no verborrágico “Blue Jasmine”, 2013 marcou-se por seus protagonistas à deriva, suspensos entre mudanças e conceitos que ainda não compreendem. Seus filmes terminaram sempre de forma satisfatória, mas enigmática. Os longas deste ano apesar de permearem diversos temas, encontraram seus desfechos em momentos onde a trama ainda parece inacabada, caracterizando a transição de valores que ocorre por trás das telas.

  
(Behind the Candelabra (2013), Dallas Buyers Club (2013) Blue Jasmine (2013))

“Álbum de família” opta em sua conclusão em seguir em frente e abandonar o antigo. Seus personagens seguem rumos incertos e deixam seu espectador com a sensação desconfortante de que algo de muito importante mudou, mas sua conclusão está longe de acontecer. Assim como “A última sessão de Cinema” definira o fim de uma geração de filmes que jamais seriam feitos da mesma maneira em 1970, desta vez não só “Álbum”, mas as obras de 2013 como um todo definiram uma tendência em uma época de transição e adaptação no cinema e na cultura americana. Da família, da casa e o carro na garagem, restam as fotos, recordações de uma família que não mais cultiva o hábito de manter Álbuns.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.

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