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Tatuagem, o longa vencedor do Cinemato: A liberdade que caminha junto ao marginal

27 Fev 2014 - 17:45

Especial para o Olhar Conceito - Felippy Damian

Foto: Reprodução

Tatuagem, o longa vencedor do Cinemato: A liberdade que caminha junto ao marginal
O que é liberdade? A indagação caminha com Clécio (Irandhir Santos) durante todo o longa Tatuagem (2013) e é sobre esta questão que o diretor Hilton Lacerda tece sua investigação. O cenário pra essa busca, e possível resposta, são as cidades de Recife e Olinda, no curto espaço entre o quartel e o Chão de Estrelas, local onde a trupe de atores marginais, de mesmo nome, reunia-se em 1978, ano da extinção do obsceno AI-5, quando o regime militar apontava sua derrocada.

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A trupe de artistas, Chão de Estrelas, é abertamente inspirada no Vivencial Diversiones, grupo que se manteve ativo na mesma época em que se passa a ação do filme. O ambiente para o qual o diretor nos convida é extremamente anárquico! Um grande palco, onde a liberdade exercida na arte também é vivida sem as cortinas. Percebemos o caráter saliente do teatro para o cinema, onde cada ator interpreta o seu personagem e o personagem de seu personagem... Quando estes dois fundem-se em um só temos a sublimação do conceito subversivo de se viver como artista.



Nesta provocante obra marginal, Clécio, líder da trupe, envolve-se com Fininha (Jesuíta Barbosa), soldado, cunhado de Paulete (Rodrigo Garcia), artista que tem uma relação muito próxima a Clécio. Logo Fininha se encanta com o lugar, com o show e, muito mais, com Clécio. Vê ali a discrepância monumental entre esta vida e aquela que leva no quartel, onde reprime e é reprimido. Fininha, o único não artista deste trio central, passa a viver uma vida dupla. Diferente dos outros dois, no entanto, seus papéis não se misturam. O ator Jesuíta deve ser lembrado pelo sucesso ímpar na realização da dupla tarefa.

Irandhir é mais uma vez destacável. Seu personagem foi pensado e escrito para a sua voz e seu trabalho de corpo. O resultado não surpreende, é incrível vê-lo dar vida a um homossexual real, sem o “estereotipamento” da bicha de televisão, que cabe mais até para Paulete. Embora haja muitas inserções de humor, pois é o deboche a ponta da lança do Chão de Estrelas, a homossexualidade não se apresenta como recurso humorístico, logo os “risinhos” na plateia, durante as cenas de sexo, dizem muito mais sobre a pessoa que assiste, do que propriamente do filme.



Não há em Tatuagem uma proposta política explícita ou panfletária. Não é um filme gay. Há, de fato, sensibilidade artística para tratar a história de amor, como história de amor, independendo dos sexos envolvidos. A questão ali, como reitera o próprio diretor, é a liberdade! Também é inegável que esteja apresentada no filme uma importante pauta para debate, pauta que sempre será suscitada subitamente, devido aos desvios de humanidade presente nos “risinhos” durante cenas de sexo homossexual.

Apesar dos personagens singulares, um soa desconfortável, o de Gusmão: soldado, gay enrustido, homofóbico e perseguidor. Parece uma caricatura insossa dos militares da época e de outros conservadores, “felicianos”, “bolsonaros” e afins, mais xingamentos do que argumentos.



A obra ganha corpo em seu conceito pela adesão oportuna da fotografia que respeita a liberdade de criação dos personagens, que transitam sem aparentes marcações exatas, dentre outras canalhices e caretices da linguagem convencional do cinema, latente em estúdios. A direção de arte igualmente contribui ao desempenhar o papel de separar os personagens e seus objetos do restante.

A primeira ficção de Hilton Lacerda, como diretor, diz o que já se sabia sobre o roteirista: que no seu olhar abunda talento e provocação. Foi assim que escreveu os roteiros de “Baixio das Bestas” e “Febre do Rato”, do underground, Claudio Assis, Também se viu tais virtudes em “A festa da Menina Morta”, de Matheus Nastchegale. Felizmente, ele não se contentou em ser o roteirista mais interessante do país.



É tanta liberdade vivida e buscada que o filme não poderia terminar sem uma definição. E quem a dá é Clécio, no palco: “o símbolo da liberdade é o cu, porque cada um tem o seu”, ainda acrescentando, “ a única utopia possível é a utopia do cu”.
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